Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

Procede à alteração da Lei n.º 23/96, de 26 de julho, da Lei n.º 24/96, de 31 de julho, e da Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, no sentido de se atribuir maior eficácia à proteção do consumidor

(proposta de lei n.º 98/XII/2.ª)
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:
Ao ler o preâmbulo desta proposta de lei e ao ouvir os Srs. Deputados que intervieram até agora, alguém até poderia ficar com a ideia de que estaríamos perante um momento histórico, um ponto de viragem na política de defesa do consumidor e direito do consumo. Falam em atribuir maior eficácia à proteção do consumidor, em evitar o aumento do endividamento, em reforçar a proteção do utente, em melhorar o funcionamento do sistema judicial.
De que trata, então, esta medida histórica? Trata do seguinte: se o cidadão se atrasar no pagamento da fatura das telecomunicações, é notificado para pagar em 30 dias e, findo esse prazo, o serviço é suspenso; a advertência ao utente passa a ter de ser feita com uma antecedência de 20 dias quando era de 10 dias; e as faturas têm de indicar as consequências do não pagamento do preço do bem ou serviço. Aí têm VV. Ex.as a medida histórica de que estamos aqui falar!
Teria um pouco mais de prudência ou de moderação na saudação que é feita a esta medida. Bem gostaríamos que ela se traduzisse, quanto mais não fosse, na diminuição das pendências em sede judicial, sendo esse o objetivo efetivo ao avançar com esta proposta. Mas isso é completamente diferente daquilo que se passa — que será, no mínimo, abusivo e, no limite, uma hipocrisia política —, que é saudá-la ou até apresentá-la como uma proposta de aumento da eficácia da proteção ao consumidor. Não é disso que se trata, na verdade.
Esta é a proposta que remete para a famigerada Lei das Comunicações Eletrónicas, que é a lei das listas negras dos consumidores devedores, que é a lei que atribui praticamente todo o poder aos prestadores de serviços, aos grupos das telecomunicações e que coloca numa situação de grande fragilidade os utentes, os consumidores, as populações perante um serviço básico essencial! Trata-se de um regime, o dos serviços básicos essenciais, que é cada vez mais, e aqui mais uma vez, subordinado ao regime dessa Lei n.º 5/2004.
A propósito dos pareceres que foram aqui citados, deve haver algum engano, porque os pareceres, bastantes, que foram apresentados não se referem a esta proposta de lei — referem-se, sim, a um anteprojeto de decreto-lei, que, por sinal, seria inconstitucional; por isso, é que aparece aqui esta proposta de lei — e não têm a ver com o próprio articulado que estamos aqui a debater. Falam de artigos que não existem mas não falam dos artigos da proposta. É outra formulação.
Mas seria, no mínimo, de bom tom, que pareceres, por exemplo como o do Conselho Superior da Magistratura, que alertam para o facto de que as alterações projetadas só conferirão um efetivo reforço dos direitos dos consumidores se a suspensão ou a subsequente resolução contratual não onerar os consumidores com as prestações futuras dos contratos celebrados com a vinculação a um prazo temporal alargado, de 12 ou 24 meses, que é aquilo que se mantém, no caso da suspensão do contrato.
Todo o poder, essencialmente, continua na mão da operadora de telecomunicações, deixando, desta forma, fragilizado, refém desta relação contratual o consumidor, o utente, não valendo a pena considerar que a passagem de 10 para 20 dias de antecedência na notificação é aqui a diferença da terra para a lua porque o problema significativo e fundamental continua num regime jurídico de serviços públicos essenciais, básicos, fundamentais para a população, em que está em causa o facto de se poder ser contactado e de contactar alguém, e não esta situação que estamos hoje aqui a viver, de uma proposta que não resolve o essencial.
E esse, quanto a nós, o problema: é que não se resolve o essencial.
Termino, Sr. Presidente, deixando à Sr.ª Ministra uma pergunta muito concreta: o que é que acontece, nesta matéria, relativamente à questão da quitação parcial do pagamento e
do contrato?
É que o pagamento parcial é um direito que assiste ao consumidor e ao utente e, nessas circunstâncias, falta clarificar o que é o entendimento do Governo sobre essa matéria, nesta situação em concreto.

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