Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Secretária de Estado,
As concepções que presidiram à elaboração desta proposta de lei são um espelho das concepções sobre as quais assenta a política do Governo e da troica: uma obsessão doentia pelas questões financeiras e pela consolidação orçamental. Efectivamente, os princípios e regras que o Governo pretende aplicar ao sector público empresarial, incluindo o sector empresarial do Estado e o sector empresarial local, são princípios e regras focados na componente financeira, sujeitando a gestão das empresas, e até a sua existência, a critérios financeiros e orçamentais, enquanto a prestação do serviço público e os objectivos sociais da empresa são relegados para um secundaríssimo plano.
Entendemos que a componente financeira não poder ser descurada, pois ela é necessária para a disponibilização dos recursos monetários para a concretização do investimento e despesa necessária à prossecução da missão da empresa. O que não podemos concordar de modo algum é que se subestime, como o Governo faz, a componente económica e social do objecto da empresa e se ataque os direitos individuais e colectivos dos trabalhadores. Esta obsessão do Governo e da maioria que o suporta pelas questões financeiros e orçamentais e a secundarização das questões económicas, sociais e laborais não deixará de ter repercussões muito negativas na capacidade de estas empresas prestarem serviços públicos de qualidade.
A sobrestimação da componente financeira está bem patente no facto de se pretender que a responsabilidade e a decisão sobre todas as matérias relevantes da vida e funcionamento das entidades do sector empresarial do Estado passe a pertencer ao membro do Governo responsável pela área das finanças, o qual, de acordo com a proposta do Governo, designa um membro para o conselho de administração das empresas públicas com direito a veto sobre quaisquer operações em matéria financeira e exerce em exclusivo a função accionista, incluindo a aprovação dos planos de actividades e dos orçamento das empresas. Esta concentração de poderes nas finanças e consequente limitação dos poderes de tutela dos ministérios sectoriais, remetidos agora para o mero papel de articulação, significa na prática que será o Ministério das Finanças a determinar as políticas sectoriais, em vez de se limitar a garantir o financiamento dessas mesmas políticas.
Também no sector empresarial local, embora de forma mais mitigada do que no sector empresarial do Estado, são reforçados os instrumentos de controlo e ingerência por parte do Ministério das Finanças, nomeadamente através da actuação da denominada Unidade Técnica. Esta opção revela a intenção do Governo, aliás já espelhada no recentemente aprovado regime jurídico da actividade empresarial local, de sujeitar o Poder Local às suas orientações e aos seus objectivos políticos, desrespeitando os princípios da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da administração pública, consagrados na Constituição.
Com esta proposta de lei, o Governo prossegue o seu ataque aos direitos dos trabalhadores do sector público empresarial: aplica-lhes o regime do contrato individual de trabalho, mas, no que diz respeito ao subsídio de refeição, ajudas de custo, trabalho suplementar e trabalho nocturno, equipara-os aos trabalhadores da administração pública. Deste modo, o que o Governo pretende é aplicar aos trabalhadores do sector público empresarial o pior dos dois mundos. Acresce ainda que estas limitações de direitos prevalecem sobre os instrumentos de regulamentação colectiva que disponham em sentido mais favorável, em flagrante violação da Constituição da República, assim como de convenções internacionais subscritas pelo Estado Português. Estas limitações aos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores são absolutamente inaceitáveis, merecendo a nosso mais veemente repúdio.
Em suma, a proposta de lei apresentada pelo Governo não assegura o cumprimento das funções económicas e sociais do sector público empresarial, nem respeita os direitos dos trabalhadores; não garante a existência de um sector público empresarial dinâmico e eficiente capaz de desempenhar um papel determinante no desenvolvimento económico nacional; representa mais um passo no caminho que o Governo insiste em trilhar, de reconfiguração do Estado e das suas funções sociais e económicas, de acordo com o princípio: Estado mínimo para os trabalhadores e o povo, Estado máximo para os grandes grupos económicos e financeiros.
Disse!