Intervenção de José Lourenço na Assembleia de República

"As privatizações conduzem o país ao desastre"

Desde 1989 as cerca de 240 operações de privatização efectuadas pelos vários governos (PSD, PS e PSD/CDS) permitiram ao Estado arrecadar de receitas, a preços constantes de 2005, cerca de 39 mil milhões de euros, 25% do PIB anual de 2012.

As privatizações são uma das pedras angulares da Política Neoliberal que tem presidido às teorizações e sobretudo às práticas políticas de sucessivos governos do PS, PSD e CDS/PP nas últimas décadas, sempre acompanhadas pela liberalização dos mercados e a desregulamentação dos mecanismos de orientação e direcção económica.

Estas políticas neoliberais, conduziram o País ao triste estado em que se encontra hoje: desemprego profundo, com mais de um milhão e trezentos mil trabalhadores desempregados, dívidas elevadíssimas, défices permanentes e cada vez mais acentuados, enormes dependências e desigualdades sociais que se vão acentuando.

Um das principais justificações para a necessidade das privatizações foi o da redução da Dívida Pública. Sobre esse grande objectivo basta dizer que quando as privatizações se iniciaram formalmente em 1989, a Dívida Bruta do Estado representava 54,3% do nosso PIB, hoje essa Dívida representa 120,0%. 23 anos depois do início das Privatizações, depois de se terem arrecadado cerca de 32 mil milhões de euros a preços correntes, a Dívida Pública mais do que duplicou em relação a 1989.
A Dívida Pública transformou-se num buraco sem fim nem fundo, onde desapareceram milhões e milhões de euros.

Mas o objectivo central das privatizações, nunca confessado pelos sucessivos Governos mas que a realidade veio demonstrar, foi sem qualquer dúvida a reconstituição dos grupos económicos monopolistas, liquidados pelo 25 de Abril e pelas nacionalizações.

A reconstituição e restauração dos grandes grupos económicos portugueses, agora associados fortemente ao capital estrangeiro, fez-se à luz dos seus interesses dominantes nesta fase final do século XX e início do século XXI, subalternizando e espezinhando os interesses nacionais.

Estes mesmos grupos passaram a desenvolver as suas actividades em áreas a coberto da chamada concorrência externa e na produção dos chamados bens não transaccionáveis, onde elevados lucros estão sempre assegurados.

Estes novos grupos económicos privados são e serão núcleos de racionalização de interesses privados, segundo o seu muito antigo, conhecido e natural critério de racionalidade: a maximização da taxa de lucro.

Temo-lo dito e nunca será demais repeti-lo, nas últimas décadas fruto da adesão à CEE, da liberalização da circulação de capitais, das privatizações, grande parte do nosso aparelho produtivo foi desmantelado e a nossa dependência do exterior atingiu níveis nunca vistos.

Os rendimentos pagos ao exterior, têm vindo a subir em flecha nos últimos anos, estando hoje próximos dos 20 mil milhões de euros ano.

Só os grandes grupos económicos que resultaram do processo de privatizações e que estão no PSI 20, arrecadaram de lucros líquidos entre 2004 e 2011, cerca de 39 000 milhões de euros, mais do que renderam ao Estado com a sua privatização.

Conclui-se que ao crime cometido contra a nossa economia com o processo de privatizações, pelo que isso representou na destruição do nosso aparelho produtivo e no aprofundamento da nossa dependência externa, junta-se a venda feita a pataco e o Estado não só deixou de receber os dividendos proporcionados por este elevado volume de lucros, como a compensação não surgiu do lado do IRC cobrado, já que todos estes novos grupos económicos têm agora as suas sedes fiscais em paraísos fiscais – sejam eles a Holanda, o Luxemburgo, a Irlanda, a Suíça, as ilhas Caimão ou as ilhas Virgens inglesas - e desta forma subtraem aos cofres do Estado milhares de milhões de euros de impostos.

Depois de tudo isto, conhecidos todos estes resultados, não deixa de constituir um crime ainda maior querer prosseguir com o processo de privatizações, alienando o pouco que ainda resta e utilizando o estafado argumento da redução da dívida pública. A privatização da ANA cujos os últimos desenvolvimentos tivemos esta semana, da TAP, dos CTT , de áreas da CGD, dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, da CP carga, dos transportes urbanos de Lisboa e Porto, das Águas de Portugal ou da RTP, são as próximas peças deste vergonhoso puzzle.

Todos sabemos já os resultados, alguns mil milhões de euros serão arrecadados, sectores importantes passarão para as mãos dos grandes interesses privados nacionais e internacionais, mais trabalhadores irão para o desemprego, o país ficará mais pobre, o tecido económico nacional mais frágil e a dívida pública continuará a crescer.

Definitivamente é necessário e urgente uma outra política, em que a defesa dos interesses de Portugal e do povo português seja determinante no rumo a seguir pela política nacional. Uma outra política em que o poder económico se subordine ao poder político, em que o Estado tenha uma posição dominante nos sectores estratégicos da nossa economia, em que se suspenda todo este criminoso processo de privatizações em curso e reverta para o sector público, por nacionalização e/ou negociação adequadas, empresas e sectores privatizados, afirmando um sector empresarial do estado forte e dinâmico, capaz de responder aos desafios que a sociedade dos nossos dias nos coloca.

Disse.

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