Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

É preciso rejeitar este pacto de agressão, pôr fim ao Governo que o aplica

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Declaração política considerando que as manifestações que tiveram lugar no passado fim de semana são indicadoras de que o Governo já não dispõe de base social de apoio, tendo condenado a sua política
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Já não há maneira de esconder ou disfarçar; a contestação à política de direita e a este Governo atinge elevadíssimos níveis e generaliza-se a toda a sociedade, a todos os setores da sociedade.
Durante o verão, por todo o País, em inúmeras empresas e diversos sectores, os trabalhadores enfrentaram a ofensiva contra os seus direitos, que procurava transpor para as relações laborais, em concreto, as graves alterações à legislação laboral determinadas pelo Governo, com o apoio, aliás, nas questões fundamentais, do PS. Em muitas empresas e setores foi possível travar a redução para metade do pagamento das horas extra, a completa desregulação dos horários (também diminuindo o salário) e outros inaceitáveis ataques à dignidade e à vida dos trabalhadores e das suas famílias.
Esta capacidade de luta, de resistência e de enfrentamento da ofensiva de retrocesso social tem vindo a provar, há muitos meses, que o mito da paz social, que o Governo e os seus acólitos comentadores e palestrantes nos tentam impingir, não passa de propaganda apoiada pelo silenciamento de muitas destas lutas nos grandes meios de difusão.
E se dúvidas houvesse sobre o estado a que chegou a falta de apoio popular a este Governo, as manifestações do passado sábado vieram confirmar que PSD e CDS não dispõem já da base social de apoio político que lhes deu a maioria, ainda representada nesta Assembleia da República.
À exceção de um diligente e esforçado Deputado do PSD, ninguém foi capaz de pôr em dúvida que se tratou de um forte protesto contra a política do Governo e contra a política do pacto de agressão assinado com a troica.
Mais ainda: muitos afirmaram a sua vontade de prosseguir a luta até à derrota desta política e do Governo que a executa. É por isso que a grande manifestação convocada pela CGTP para o próximo dia 29, no Terreiro do Paço, será um novo momento alto da indignação popular e da rejeição do desastre a que o País está a ser conduzido. Todos os que participaram nas últimas lutas e contestações têm agora o dever de as prosseguir.
Como afirmámos no debate da moção de censura ao Governo, apresentada pelo PCP em junho passado, nunca uma maioria ficou tão fragilizada politicamente ao fim de apenas um ano de Governo. Agora, confirmamos que esta maioria e este Governo não estão só podres por fora; estão também podres por dentro.
Já todo o País percebeu que a fortíssima contestação social abre brechas na própria coligação, que podem ainda não ser definitivas, mas são já, sem dúvida, irreversíveis.
É evidente que já se ensaiam as manobras de contenção de danos e de manipulação da opinião pública.
Uma primeira é a da eventual modulação da medida de aumento da taxa social única (TSU) para os trabalhadores, para procurar fazer crer que isso tornaria a medida justa. Mas é ou não verdade que, com maior ou menor modulação, se trata de qualquer forma de fazer uma transferência dos trabalhadores para o capital?
Uma segunda manobra é a das alternativas para financiar a baixa da TSU. É uma manobra que procura esconder que se se compensar a baixa da TSU do patrão com o aumento do IVA ou com mais cortes na educação e na saúde, os principais penalizados serão novamente os trabalhadores e a população em geral.
Mais ainda: a contribuição do patronato para a segurança social, através da taxa social única, é dinheiro dos trabalhadores, é dinheiro para financiar a sua reforma e outras prestações sociais com uma parte da riqueza por si criada no trabalho, nas empresas e nos locais de trabalho.
Baixar a taxa social única do capital é também por isso, igualmente, roubar diretamente os trabalhadores.
Finalmente, uma terceira manobra é a de fazer crer que, retirada a alteração na taxa social única, o resto da austeridade seria aceitável. Como se o novo roubo nas reformas e pensões, as novas diminuições de salários, o aumento do IRS sobre quem trabalha, a degradação da escola pública e do Serviço Nacional de Saúde, o aumento das rendas e dos despejos, fossem, de alguma forma, aceitáveis pela população e pelo povo português.
Como se o Governo não estivesse a transferir milhares de milhões de euros para a banca e para as grandes empresas; como se não lhes estivessem a ser perdoados milhões de euros em impostos sobre os seus lucros; como se não estivesse o Governo a vender, a grande velocidade, empresas que são património público aos interesses privados que o suportam e apoiam.
Como se o que já foi feito, desde o início da aplicação do pacto de agressão, não tivesse que ser revertido.
Como se não estivesse à vista de todos que esta política não só causa a destruição económica, o brutal aumento do desemprego, o empobrecimento geral da maioria dos portugueses e o enriquecimento escandaloso dos mais ricos, como não resolve nem o problema da dívida, nem o problema do défice.
Não basta contestar a alteração à taxa social única, com toda a gravidade que ela tem. Não basta escolher uma ou duas matérias de discordância, para dar o acordo a tudo o resto. Não basta carregar no discurso ou até mudar circunstancialmente de voto no Orçamento do Estado, se ao mesmo tempo se continua a garantir, como faz o PS, que se cumprirá tudo o que está nesse pacto de destruição nacional, que é o Memorando com a troica. É preciso ir ao fundo do problema. É por isso que dizemos que é preciso rejeitar este pacto de agressão, pôr fim ao Governo que o aplica e afirmar a indispensável política alternativa.
Os portugueses podem contar com o PCP como um partido que conta de forma decisiva para travar o passo a esta política e a este Governo; como um partido que conta de forma decisiva para alcançar a política alternativa de que o País precisa, com a indispensável renegociação da dívida, o aumento da produção nacional, a melhoria dos salários e das reformas, o fim das privatizações, a defesa dos serviços públicos e a retoma dos direitos laborais e sociais agora atingidos.
Com a dimensão dos protestos recentes acabou a estafada teoria das inevitabilidades; chegou ao fim a conversa de que não há alternativa. Mais ainda e citando Luiz Goes: «É preciso acreditar, que sempre há terra que colha, um ribeiro a despertar».
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado João Semedo,
Penso que a questão que coloca tem toda a pertinência, valorizando o que foi a mensagem transmitida por todos estes protestos, que não só se posicionaram contra este Governo mas também contra a política que está a ser seguida por este Governo e que, aliás, tem a sua raiz no «pacto de agressão», no Programa assinado com a troica estrangeira.
É por isso que é tão importante juntar as duas coisas. É que é verdade que o Governo está frágil, que a coligação tem debilidades, mas a sua política estar errada é uma mensagem que não pode deixar de ser passada, porque isso é que garante que o povo não aceitará outro governo da mesma maioria, de iniciativa presidencial ou de outra qualquer configuração para manter a mesma política.
O que está aqui em causa não é apenas pôr fim a este Governo, é pôr fim a uma política que desgraça o País. É para isso que podem contar com o PCP.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Adão Silva,
Ouvir o Sr. Deputado e o PSD a dizer que se vive um ambiente de paz social tem tanta credibilidade como dizer que a coligação vai às 1000 maravilhas. É uma frase da mesma família!
Nem há paz na coligação, quanto mais paz social, perante a política deste Governo! Mas, enfim, alguém tem de fazer esse papel. Nem o CDS quis fazê-lo. O Sr. Deputado teve de o fazer, enfim, penso que isso terá algum crédito aí, na sua bancada.
Quanto às frases feitas, Sr. Deputado, quando debatemos a moção de censura apresentada pelo PCP em junho, dissemos que esta política não era só socialmente injusta, é que nem iria garantir aquilo que eram os seus afirmados objetivos: a contenção da dívida e do défice.
Chegados agora, o que é que constatamos? Que a economia está destruída, que o desemprego aumentou brutalmente, que os direitos foram severamente cortados e que o défice e a dívida continuam a ser elevados, continuam a aumentar.
Isto é, a vossa política, tal como dizíamos, naquilo a que o senhor chama «frases estafadas», não resolveu nem aqueles problemas que os senhores invocavam como objetivos!
É também por isso que esta política não serve, porque é apenas uma política de transferência de riqueza, de património para os mais ricos, para os grupos económicos, para aqueles que já têm quase tudo neste País. É isso que foi contestado nos últimos meses, não só nas manifestações de sábado passado, mas em todas as ações que, em tantas empresas e locais de trabalho, foram feitas durante estes meses de verão, com grande coragem, com capacidade para resistir às pressões e às chantagens, pelo patronato, em tantos setores e em tantas empresas, mostrando que os trabalhadores e o nosso povo não estão resignados perante a vossa ofensiva.
Se há exaustão, palavra que o senhor também utilizou, é a exaustão que o povo sente das políticas que os senhores praticam. E mais cedo do que tarde, vai o Governo, vai a maioria e também há de ir a política.

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