Intervenção de Alma Rivera na Assembleia de República, Reunião Plenária

É preciso proteger as crianças do abuso sexual, de todo o tipo de abusos

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Com a divulgação do relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa, foram de conhecimento público factos muito graves, de prática reiterada de crimes de abuso sexual de crianças e jovens por parte de membros da Igreja.

É necessário dirigir uma palavra de solidariedade às vítimas, mas também de saudação pela sua coragem em romper o silêncio. Que o seu contributo ajude outras vítimas a fazer esse caminho. E também fazer um reconhecimento ao trabalho feito pela Comissão, aos seus autores, que carregarão consigo também as marcas da dor que testemunharam.

Tudo o que foi conhecido é absolutamente chocante, revoltante. 

Tanto mais porque o próprio relatório indica que as situações de abuso não são algo distante, mas que tiveram lugar num passado recente, envolvendo pessoas no ativo e que podem ter continuidade se não forem adotadas as medidas necessárias.

E nesse sentido, reiteramos que as conclusões da Conferência Espicopal até agora conhecidas não correspondem à gravidade da situação e que, tal como muitos católicos e mesmo padres têm dito, esperam-se da Igreja Católica medidas preventivas e administrativas que, até conclusões judiciais e canónicas, permitam retirar os presumíveis abusadores da vida pública. 

Da parte das autoridades judiciárias, havendo suspeitas da prática de crimes, é obrigatório que todas as responsabilidades sejam apuradas até às últimas consequências. Se faltam meios para uma célere ação, então têm de passar a ter. 

Esta é uma situação intolerável que, quer pela gravidade, quer pela frequência e duração, quer pelo dever moral que demasiadas vezes se calou, quer pelos impactos dilacerantes que tiveram na vida das vítimas, tem de ser combatida. 

Das conclusões retiradas pela Comissão Independente, todas nos merecem aprofundada reflexão e ação.

Hoje estão em debate algumas propostas que vão ao encontro da recomendação feita pela Comissão de alterar no código penal a idade do ofendido a partir da qual começam a contar os prazos de prescrição para os 30 anos (atualmente 23), o que se prende com a idade a partir da qual as pessoas vítimas se dispõem a denunciar os crimes mas também pela necessidade de conceder um mais alargado tempo de maturação sobre as possíveis consequências de uma denúncia. Acompanharemos a proposta que adota esta recomendação mas não inviabilizaremos aquela que coloca a idade nos 40 anos. 

Mas da parte da Assembleia da República, do Governo, de todos os poderes de decisão, é preciso mais e é preciso que as várias conclusões apresentadas tenham uma consequência. 

Porque antes de mais, é preciso evitar que existam vítimas, evitar que os abusos sexuais de menores aconteçam, não só atuar depois. 

E nesse sentido queremos chamar a atenção para outros aspetos que foram alvo de atenção nas conclusões do relatório da Comissão Independente.

Desde logo, a consciencialização para a transversalidade do fenómeno dos abusos sexuais de menores, que não só pode abranger crianças de diversas idades, géneros, meios sociais, culturais e económicos, como tem especial incidência no próprio meio familiar, restrito e alargado. 

Este é um problema que a sociedade tem de encarar e que não se circunscreve à Igreja. É necessária a realização de um estudo nacional, com uma amostra representativa, sobre abusos sexuais de crianças nos seus vários espaços de socialização, para se fazer a estruturação de medidas preventivas e de resposta multidisciplinar. 

É necessário, tal como aponta a Comissão, um empoderamento da criança para ser agente da sua própria defesa: noções do corpo e seus limites, conceitos de intimidade e privacidade, capacidade de verbalizar e nomear o sucedido junto dos que lhe são afetivamente mais próximos ou aos quais se sente mais ligada. 

Nisso não só os pais têm um grande papel, sendo capacitados para promover a confiança e uma boa comunicação sobre sexualidade e afetos e conhecer as respostas existentes, como é determinante reforçar o papel da Escola e da «educação para a sexualidade». A educação sexual nas escolas, tal como consagrada na lei, tem de ser uma realidade. Não pode haver secundarização dessa dimensão da escola. Uma lei de 2009, pelo qual o PCP se bateu, a lei da educação sexual em contexto escolar, que está tão longe de ser verdadeiramente efetivada, em boa parte porque a escola está estrangulada de problemas. Seja isso também refletido.

E não é tornando os assuntos um sussurro, não é varrendo as questões para baixo do tapete, que se promove uma vivência da sexualidade saudável e feliz, que se protege as crianças. Muito menos assim se combate o abuso sexual. 

É debatendo naturalmente os assuntos, a ensinar às crianças e jovens que são donas do seu próprio corpo, dos seus afetos e da sua vida, que têm direitos. Que há comportamentos que não são aceitáveis e que devem ser contados a alguém de confiança, que as coisas têm nomes e não há mal em falar delas. 

E depois é preciso acreditar nas crianças. 

Acreditar nas crianças e dar consequência ao seu relato.

Dotar os mecanismos existentes, como as CPCJ, de meios para acompanhar as situações de risco e detetar problemas.

Colocar toda a celeridade na avaliação e resposta do sistema de justiça, fazer uma rápida avaliação psicológica, protegê-la de contacto com o agressor, apoiar a família.

Mas também garantir mecanismos prioritários para um suporte terapêutico continuado, universal e gratuito a crianças vítimas, que dele possam beneficiar ao longo da vida, dar capacidade ao SNS.

Sras e Srs deputados, 

É preciso proteger as crianças do abuso sexual, de todo o tipo de abusos.

E é preciso cumprir os seus direitos. 

Infelizmente há tantas crianças cuja sua ainda curta vida é marcada por múltiplas formas negação de direitos, violência e discriminação.

Nenhuma deve passar por nada disso e tal como a nossa Constituição impõe e a Convenção das Nações Unidades sobre os Direitos das Crianças dispõe:

Todas as crianças devem ver assegurado o direito a serem desejadas, o direito ao amor e ao afeto, o direito à proteção e a cuidados especiais, ao respeito pela sua identidade própria e ao desenvolvimento integral, o direito à participação e à opinião, o direito à sua integridade física, a uma alimentação adequada, ao vestuário, à habitação, à saúde, à segurança, à instrução e à educação, ao bem-estar e ao conforto. 

Têm o direito à brincadeira, o direito a serem felizes e o direito a serem crianças. Protegidas. Que todas o possam ser.

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