Intervenção de

Precariedade Laboral e Trabalho Ilegal - Intervenção de Francisco Lopes na AR

Programa Nacional de Combate à Precariedade Laboral e ao Trabalho Ilegal

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

A precariedade e o trabalho ilegal correspondem a um dos mais graves problemas com que o País se confronta.

São 750 000 trabalhadores com contratos a termo, uma das taxas mais elevadas da União Europeia.

São dezenas de milhares de trabalhadores vítimas das empresas de trabalho temporário e alugadoras de mão-de-obra e centenas de milhares empurrados para a situação de trabalho sob os falsos recibos verdes.

São mais de 570 000 trabalhadores em situação de trabalho parcial, não porque o desejem, mas porque não têm outra alternativa.

É uma economia subterrânea que se estima entre 20% e 25% do PIB, com milhares e milhares de trabalhadores e níveis de produtividade extraordinariamente baixos. É ainda o tráfico de mão-de-obra, envolvendo o trabalho imigrante.

Esta é a realidade de um País, em que o Estado, em vez de dar o exemplo das boas práticas, mantém e alarga a situação dos recibos verdes e outras situações precárias na Administração Pública, que atingem cerca de 150 000 trabalhadores.

Esta é a realidade de um País onde cerca de um terço dos trabalhadores sofre das consequências das várias formas de precariedade e trabalho ilegal.

O que existe, e está a agravar-se, neste momento, em Portugal, é o regresso ao passado com as novas praças de jorna, seja na rua ou à volta da mala do automóvel, que serve de sede de empresa, seja ainda cobertas pela falsa sofisticação tecnológica da mensagem de correio electrónico ou do SMS.

A precariedade e o trabalho ilegal são a precariedade das relações de trabalho e a precariedade da vida, com particular incidência nos jovens, 50% dos quais estão em situações precárias.

A precariedade e o trabalho ilegal são uma forma de condenar centenas de milhares de trabalhadores à incerteza e à desestabilização permanente da alternância entre curtos períodos de trabalho, logo seguido de desemprego.

A precariedade, o trabalho ilegal e o trabalho a tempo parcial em Portugal implicam para muitos trabalhadores a acumulação de vários empregos, única forma de garantirem o sustento para sobreviver, com os problemas de organização de vida e de desmotivação de progressão e formação profissionais.

A precariedade e o trabalho ilegal significam a aposta nas baixas qualificações, nos baixos salários, na reduzida formação e valorização profissional, no comprometimento da produtividade, quando Portugal precisa de apostar na qualificação, no estímulo positivo à actividade e na elevação do perfil produtivo.

A precariedade, o trabalho ilegal e a generalização da acção das empresas de trabalho temporário e de aluguer de mão-de-obra significam, inclusive com as perspectivas que agora estão colocadas, arrasar os quadros de pessoal das empresas.

A precariedade, o trabalho ilegal e a aposta na fragilização dos direitos significa a degradação das condições de trabalho, com o incremento das doenças profissionais e um comprovado aumento do risco dos acidentes de trabalho.

A precariedade e o trabalho ilegal significam também que centenas de milhões de euros de descontos para a segurança social e de impostos para o Estado deixam de ser pagos.

Com a precariedade e o trabalho ilegal perdem os trabalhadores e as suas famílias, perde a segurança social, perde o Estado e o seu financiamento, perde o País, afectado no seu perfil produtivo e nas suas possibilidades de desenvolvimento.

Mas há quem ganhe: ganham os grupos e as empresas que apostam no lucro fácil e imediato, na lógica mais agressiva do capitalismo.

Não podemos ficar indiferentes. Este é um grande problema nacional que continuamente se agrava e que precisa de resposta.

Na opinião do PCP, ao desempenho de tarefas que correspondem a actividades permanentes deve corresponder um contrato de trabalho efectivo.

A economia nacional deve basear-se em actividades regulamentadas e no estabelecimento e efectivação de direitos e condições de trabalho próprias do século XXI e de uma visão avançada da sociedade.

Numa outra fase colocou-se o combate ao trabalho infantil como uma política de Estado e de grande sensibilidade social, o que permitiu reduzir significativamente a incidência deste problema.

Também agora é necessário considerar o combate ao grave problema da precariedade e do trabalho ilegal como uma política de Estado, alargando a necessária sensibilização social.

É esse o objectivo do projecto de lei do PCP, que institui o Programa Nacional de Combate à Precariedade e ao Trabalho Ilegal e a comissão nacional para o coordenar e dinamizar.

O Programa Nacional que propomos tem como prioridades: o combate aos vínculos laborais não permanentes para o desempenho de tarefas que correspondem a necessidades permanentes, promovendo vínculos contratuais estáveis e duradouros; o combate às formas de trabalho não declarado e ilegal e às várias formas de tráfico de mão-de-obra; o combate às práticas de aluguer de mão-de-obra, nomeadamente ao trabalho temporário; o combate ao incentivo à contratação a tempo parcial quando não é opção do trabalhador e ainda a promoção do exercício dos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores.

São estes objectivos importantes e de grande actualidade na situação existente no nosso País.

O estudo e a análise da situação, a monitorização desta realidade na Administração Pública, a elaboração de uma lista pública das empresas que violam a legalidade, a valorização das boas práticas e a sua certificação, as acções e iniciativas de sensibilização social, a elaboração de um relatório anual sobre a matéria são algumas linhas de acção que, associadas à cooperação com a Inspecção-Geral de Trabalho e a outras estruturas já existentes, podem permitir um caminho que enfrente a precariedade e o trabalho ilegal.

Srs. Deputados, o PCP tomou a iniciativa de apresentar propostas que configuram um novo Código do Trabalho, designadamente eliminando a discriminação dos jovens que hoje podem ser sujeitos a contratos a termo só por serem jovens; tomou a iniciativa da apresentação de um projecto de lei para a eliminação das situações de precariedade na Administração Pública; e, entre muitas outras iniciativas nesta área, toma agora a de apresentar este programa de intervenção.

É uma contribuição que desejamos ver adoptada. Em qualquer caso, o PCP não deixará de exigir a solução do problema da precariedade e do trabalho ilegal. Mais cedo que tarde, ele será enfrentado, para bem dos trabalhadores e do futuro do País.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Ricardo Freitas,

Quero dizer-lhe que a apreciação que fez do nosso projecto é superficial, sem profundidade, que justifica a dimensão do problema em Portugal e a dimensão do conjunto de propostas e do seu carácter integrado.

Em tempos, como sublinhei, havendo muitas medidas dispersas sobre as questões do trabalho infantil, foi entendido, de forma adequada, ser necessário ter uma visão global sobre este problema e enfrentá-lo de uma forma global e integrada. E é exactamente o que o PCP propõe neste projecto de lei: tendo em conta a dimensão e a gravidade dos fenómenos do trabalho ilegal e da precariedade, procura ter uma visão global sobre eles e uma linha integrada de medidas.

É isto que este programa contém, pela primeira vez. De facto, como o Sr. Deputado acabou de referir, é inovador, e é inovador exactamente por isto, como foi inovadora a concepção de um programa de combate ao trabalho infantil. Só quem não quer ver é que não vê mesmo, e é este o caso do Sr. Deputado!

Mas a realidade aí está a exigir da parte do Estado a transformação desta matéria numa política de Estado.

Cabe dizer que tomámos a iniciativa nesta matéria há muito tempo, e, portanto, o facto de o agendamento de hoje conter a discussão sobre o trabalho temporário é apenas uma coincidência. Mas, desde já, devo dizer-lhe que as propostas do Partido Socialista nesta matéria, em vez de contribuírem para eliminar ou reduzir a precariedade, estão a apontar para a sua generalização.

Portanto, este projecto tem uma grande actualidade.

Permita-me ainda que faça uma referência à Inspecção-Geral do Trabalho e a outras medidas. O PCP apresentou propostas, que são conhecidas desta Assembleia, em dois sentidos: primeiro, relativamente ao reforço de meios para a Inspecção-Geral do Trabalho. É um escândalo o que hoje existe, é necessária uma maior eficácia, pois é mais uma componente para aquilo que está considerado na perspectiva e visão global que propomos neste programa.

Há ainda outras medidas necessárias, como a alteração do Código do Trabalho, e aqui o Partido Socialista vai adiando as alterações a que se comprometeu, permitindo também que se mantenha esta situação dos jovens, que, só por serem jovens, são sujeitos a contratos a termo.

Em nome de que justificação?! Não há nenhuma!

Mas há ainda um outro aspecto que o Sr. Deputado abordou e que merece aqui uma reflexão muito interessante sobre o que parece começar a ser o posicionamento do Partido Socialista. O Sr. Deputado, no que toca à matéria do combate à precariedade e ao trabalho ilegal, tema que estamos a tratar, falou, a despropósito, da rigidez da lei em relação aos despedimentos. O que é que isto significa, Sr. Deputado? Isto significa que o Partido Socialista tem a concepção de que a lei actual, que proíbe os despedimentos sem justa causa, é uma lei rígida?! Significa isto que o Partido Socialista tem a concepção de que se deve caminhar para a liberalização dos despedimentos individuais sem justa causa?! É difícil imaginar que seja outra a questão.

Pode vir com os palavrões da «flexissegurança» e outros termos inventados à pressa, mas, no fundo, esta é a questão que aqui se coloca. Sabemos que isto, se fosse para diante - e não cremos que seja possível -, conduziria ao alargamento e à generalização da precariedade.

Por isso, termino referindo que este não é o caminho e que é necessário, do ponto de vista do Estado, que seja assumida uma política para combater a precariedade e o trabalho ilegal e que esta questão, como outras, corresponda a uma maior sensibilização social.

Estão em causa direitos dos trabalhadores, estão em causa perspectivas de vida, mas está em causa também um padrão de produtividade para o País, a sua elevação, que é essencial para o desenvolvimento económico, porque não é com precariedade, nem com trabalho ilegal que se criam as condições para o País se desenvolver.

 

 

  • Trabalhadores
  • Assembleia da República
  • Intervenções