Intervenção de

Preços de venda de electricidade - Intervenção de Agostinho Lopes na AR

Limite dos aumentos das tarifas e preços de venda de electricidade a clientes finais

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Apesar de tudo aquilo que já foi dito no período de antes da ordem do dia, gostaria de começar por considerar como completamente inaceitável a decisão do Sr. Ministro da Economia de exonerar o presidente demissionário da ERSE em vésperas da sua audição na Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional, configurando uma tentativa de influenciar a agenda de uma comissão parlamentar.

OE isto é tanto mais condenável quanto não é a primeira vez que acontece, da parte do Governo - já sucedeu, pelo menos, uma outra vez -, e, simultaneamente, o Governo continua a não fornecer ao Grupo Parlamentar do PCP importante documentação ligada a acordos do Governo, do Estado português, com diversos grupos capitalistas privados, em torno de processos de reestruturação accionista no sector energético.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Inevitavelmente ligada à pouca vontade do Governo em ver completamente escancarado, aos olhos dos portugueses, o completo e total absurdo económico das propostas de aumento das tarifas eléctricas para 2007 e anos seguintes, a não vinda do Eng.º Jorge Vasconcelos à Comissão de Assuntos Económicos não pode esconder, com uma «cortina de fumo», as gravosas decisões do Governo.

Os diversos episódios da telenovela «Preços das tarifas eléctricas», encenada pelo Ministro da Economia e companhia, não podem esconder que os preços propostos para consumidores domésticos - 6% - são o triplo da taxa de inflação anunciada pelo Governo no Orçamento do Estado para 2007, e que é completamente inaceitável que, a poucos dias do início do novo ano, as principais actividades económicas deste País ainda não saibam o valor das tarifas de energia eléctrica que vão consumir e se são ou não os indiciados , e também inaceitáveis, preços que a  RSE anunciou em Outubro - em média, 9%, com o valor máximo de 9,3% para a muito alta tensão e de 7,2% para a média tensão.

Refira-se que, questionado duas vezes sobre esta matéria, durante o debate do Orçamento do Estado, o Sr. Ministro da Economia não foi capaz de nos dizer, de facto, quais iam ser os preços para o sector da indústria e outros sectores económicos.

O decreto-lei, de 18 de Dezembro, com que o Ministério da Economia concretiza o anunciado aumento máximo de 6%, para 2007, das tarifas domésticas, limita-se a distribuir, por 10 anos, a carga financeira do chamado «défice tarifário». Não pagarão, assim, os consumidores domésticos em 3 mas em 10 prestações, prestações estas que suportarão os juros de um prazo mais alargado e os custos da possível titularização dos créditos do défice a que este decreto abre a porta, porque a banca, certamente, não trabalha de graça.

Realce-se, ainda, que o tecto dos 6% de aumento das tarifas tem carácter transitório, como se diz no preâmbulo do decreto-lei, só se aplicando em 2007. O que vai acontecer em 2008 e anos seguintes?

Ninguém sabe!

Estas são decisões completamente inaceitáveis para a generalidade do povo português, para a generalidade das empresas portuguesas, em particular as do sector produtivo e exportador, que vêem novamente agravado o seu diferencial de custos e, logo, a sua competitividade, sobretudo face a Espanha, em particular a generalidade das micro, pequenas e médias empresas.

É no sentido de responder a esses problemas que o PCP apresenta um dos diplomas em apreço neste debate, anunciado quando, em Outubro, se tomou conhecimento das propostas da ERSE.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

O brutal aumento dos preços da electricidade é-nos apresentado como uma fatalidade que, como tal, tem de ser aceite e pago pelos consumidores.

Julgamos que assim não tem de ser. A sua origem decorre de um conjunto de vícios genéticos do sistema de formação de preços que urge explicar e eliminar. E não se trata de camuflar o problema com um sempre crescente défice tarifário, pois embora, sob o ponto de vista contabilístico, tal défice constitua um proveito não recebido dos operadores da rede de transportes e distribuição, estando, portanto, contabilisticamente imputado como dívida dos clientes, ele é, em última instância, titulado pelo Estado e, portanto, suportado a prazo por todos nós.

Quais os vícios genéticos? A remuneração da produção vinculada no âmbito dos Contratos de Aquisição de Energia (CAE), o excesso de produção térmica, o preço da electricidade produzida por co-geração, o preço da electricidade produzida por via eólica, entre outros.

Relativamente ao preço do megawatt pago pela REN - Rede Eléctrica Nacional no quadro do CAE, ele protege excessivamente as empresas produtoras. O excesso de produção térmica, um dos argumentos para o aumento do preço da electricidade e, portanto, do défice tarifário, relaciona-se com o aumento do preço dos combustíveis fósseis.

É, assim, claro que ninguém questione a estrutura básica de produção de electricidade relativamente aos papéis protagonizados pela produção hidroeléctrica ou pela produção térmica e, particularmente, a não concretização, nos últimos 10 anos, pela EDP, dos grandes aproveitamentos hidroelécricos há muito programados.

No que respeita à co-geração, processo de aproveitamento energético cuja bondade intrínseca está ligada à produção de calor nas indústrias do processo e que tem sido, nos últimos anos, completamente subvertido, transformando-se, em muitas situações, num negócio autónomo de muitas empresas em que as centrais de co-geração estão a transformar-se em verdadeiras centrais térmicas, sendo que o KW/hora pago é o dobro do valor médio de aquisição ao abrigo dos CAE, e pelas suas repercussões tem de ser revisto.

O problema dos aproveitamentos eólicos, o período de incubação e de arranque desta produção, já há muito avançou, porque é inaceitável que, em Portugal, se continue a pagar o MW a cerca de 90€ quando há países na Europa, da nossa dimensão, que pagam até ao valor máximo de 50€.

Se estes vícios começarem a ser resolvidos de forma segura e continuada poderemos ter uma electricidade mais barata e uma economia mais competitiva, e é nesse sentido que se apresentam algumas das medidas do nosso projecto de lei.

Relativamente aos vícios conjunturais, temos dominantemente o nível dos lucros apresentado pelas empresas produtoras. Sem, obviamente, colocar em causa a legitimidade e mesmo a necessidade de essas empresas apresentarem resultados positivos, o problema que se coloca é o dos excessivos e fabulosos lucros que tais empresas têm vindo a apresentar, particularmente nos últimos anos, de depressão e estagnação económica. Diz um bem conhecido empresário da área do Governo que são lucros quase imorais. Só a EDP teve resultados consolidados acumulados nos últimos quatro anos, 2002-2005, no espantoso valor de 2227 milhões de euros.

Quem pode compreender que uma empresa que teve mais de 1000 milhões de euros de lucros em 2005 - e em 2006 vai pelo mesmo caminho - precise de aumentar as tarifas para os consumidores domésticos e industriais ao nível que propõe o Governo? Ou o valor das tarifas nada tem que ver com os lucros da EDP?

Não poderia parte desses lucros, digamos 50%, ser gasta para absorver os menos de 500 milhões de euros do défice tarifário?

Ainda sobravam mais de 500 milhões de euros de lucros!

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

É claro que os vícios referidos, e outros que o tempo não me permite abordar, têm «mãe e pai» nas políticas de direita prosseguidas nos últimos anos por sucessivos governos do PS e do PSD/CDS-PP para o sector energético em geral e para a EDP em particular.

Os problemas das tarifas eléctricas em Portugal são consequência da privatização da EDP, da liberalização em curso do mercado de energia eléctrica, resultado das negociatas que sucessivamente se foram fazendo em torno de quatro reestruturações do sector energético português, que se traduziram, entre outros aspectos, pelo completo abandono do Estado do comando estratégico e regulação da EDP, resultando na destruição da EDP, empresa única, pública e nacionalizada, com o seu desmembramento em inúmeras empresas, com a sua segmentação em diversas empresas subsectoriais em nome de uma artificial necessidade de estabelecer a concorrência, com a liquidação, por esses processos, das perequações de custos regionais e sectoriais que a empresa única permitia.

É ver o absurdo, já hoje aqui referido, da renda suportada pelas tarifas de energia eléctrica, de 68 milhões de euros/ano pagos à REN e que estão incorporados nos subcustos da tarifa.

Com uma liberalização que um recente documento da comissão de trabalho da Comissão Europeia, na base de dados recolhidos em vários países, diz nada anunciar em matéria de redução de preços de energia, pelo contrário, como está à vista de toda a gente, em Portugal é a subida dos preços da energia que está em curso.

Mas, pelos vistos, a liberalização tem apenas um objectivo: aumentar a concorrência, não se sabendo bem para que é que esse aumento serve. Eu diria que serve, pelos menos, para encher, e bem, os bolsos de alguns.

A política energética é responsável, hoje, pelos estrangulamentos e impasses do abastecimento de energia em Portugal, pela elevada intensidade energética e carbónica no PIB português, pelos seus elevados custos, afectando a competitividade da economia portuguesa, pela degradação dos serviços de algumas dessas empresas, como é bem visível nos serviços prestados pela EDP.

Sr. Presidente e Srs. Deputados,

 

 

Há caminhos diferentes para os sectores energéticos portugueses, bem diferentes dos caminhos neoliberais que há 20 anos são concretizados com consequências bem visíveis agora no aumento da tarifa. É para a inversão desses caminhos, é por outros caminhos que o PCP continuará a travar esta batalha.

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