Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Audição Pública

O potencial da investigação, inovação e criação de empregos na economia do Mar

O potencial da investigação, inovação e criação de empregos na economia do Mar

As nossas cordiais saudações a todos os presentes que aqui vieram disponibilizar o seu conhecimento e trazer a sua experiência sobre o mar e as suas potencialidades económicas, tão útil para nós, empenhados há muito em contribuir para colocar ao serviço do desenvolvimento do nosso País esse importante depositário de recursos significativos e relevantes que em abundância possuímos e que tem sido tão subestimado e até negligenciado.

É publicamente conhecida a nossa posição crítica e a nossa oposição em relação à forma como a política de direita e os seus executantes responderam quer aos novos desafios que o novo conceito de economia do mar enforma e apela, quer à inexistente política de salvaguarda, defesa e desenvolvimento dos sectores e actividades que permanecem como vectores fundamentais de uma economia que explora o mar de forma integrada.

Embora sem tal designação, orgulhamo-nos de ter dedicado, desde há várias décadas e sem interregnos, uma atenção muito especial sobre o conjunto de actividades que subjazem sob o conceito de economia do mar.

Uma atenção que se traduz numa permanente posição de defesa e em propostas de desenvolvimento dos sectores ligados a actividades económicas associadas ao mar, como as pescas, a aquacultura, a construção e reparação navais, a marinha de comércio, a industria de transformação de pescado e conserveira, o ensino, a formação e a investigação, e sempre incorporando e solicitando o contributo, como aquele que aqui nos é hoje dado e que tem sido fundamental para, com acerto, agir em defesa dos interesses portugueses.

O mar é conhecido, todos o sabemos, pelo menos desde a Antiguidade Clássica, como uma fonte de importantes recursos para a vida e desenvolvimento das sociedades humanas, desde logo como fonte de alimentação dos povos ribeirinhos - seja de peixe e marisco pescado, seja mesmo de produtos vegetais e como suporte do meio de transporte marítimo numa escala cada vez mais alargada.

Pelo menos estas duas importantes vertentes foram usadas e desenvolvidas ao longo dos séculos e dos milénios, particularmente o transporte marítimo, base do processo de expansão marítima e dominante meio de transporte nas curtas, médias e longas distâncias de pessoas e mercadorias, pelo menos até ao final do século XIX.

Porém, no último meio século, importantes alterações qualitativas e quantitativas têm ocorrido, nas relações do Homem com o mar que se vieram juntar às actividades dos sectores tradicionais do transporte marítimo e das pescas, todo um novo conjunto de actividades e sectores, que dá às actividades económicas associadas ao mar, uma importância crescente e cada vez mais estratégica.

A redução dramática do transporte de passageiros, devido ao papel da aviação; a crescente importância das actividades de lazer, designadamente as associadas ao mar; a prospecção, pesquisa e exploração de recursos energéticos fósseis no mar - petróleo e gás natural – em águas cada vez mais profundas, devido à crescente escassez dessas matérias- primas em terra; as perspectivas de exploração a prazo, de ocorrências de uma vasta panóplia de minérios existentes no fundo do mar; a perspectiva de aproveitamento do potencial energético contido nas ondas, marés e correntes, para produção de electricidade; o desenvolvimento de biotecnologias associadas ao mar, entre outras alterações, estão na origem de nova visão sobre o mar e das suas potencialidades no desenvolvimento de um diversificado conjunto de sectores e empresas que directa ou indirectamente estão ligadas à exploração económica do mar.

Isto é, para além da enorme importância dos sectores tradicionais, como o transporte marítimo - o qual por razões energéticas tenderá a ganhar mais protagonismo – e as pescas e aquacultura cuja importância é inquestionável no quadro de uma política que vise assegurar a soberania alimentar do País, se abre ao desenvolvimento e exploração económica um conjunto de actividades que o País tem necessariamente de considerar e aproveitar.

Um “cacho de actividades”, onde, no caso português, se incluem e se complementam os sectores tradicionais verticais (transportes marítimos, portos e logística - náutica de recreio e de cruzeiro, pescas, construção e reparação navais, obras marítimas e defesa da orla costeira e os horizontais (ensino e formação profissional; investigação e desenvolvimento, e um vasto conjunto de outros sectores e empresas sediados em terra), com novos sectores (recursos minerais do “off-shore” - ou seja ao largo da costa -, recursos energéticos do “off-shore” e biotecnologias).

Um mar de possibilidades e de potencialidades que, a partir da década de 90, permitiu a vários países da Europa e fora dela entregar-se a uma espécie de redescoberta da importância do mar e da economia associada à exploração e utilização do mar com enorme êxito na Noruega, na Holanda, na Finlândia, na Dinamarca, na Alemanha (Norte-Hamburgo e Bremen) e, em menor escala, na França, no Reino Unido e na Espanha.

O desenvolvimento desta economia do mar, desenrola-se não só relativamente às novas perspectivas abertas pela exploração do mar, mas também, e há que realçar este aspecto, em áreas tradicionais como o transporte marítimo e actividades conexas.

Os ecos deste movimento chegaram a Portugal, e tiveram repercussões importantes em estudos diversos e pomposas conferências, mas infelizmente sem quaisquer consequências práticas, antes pelo contrário, a erosão dos sectores e actividades ligadas ao mar continuou.

Os estudos, alguns de grande importância reconheça-se, acabaram levados na voragem da política de recuperação e reconstituição monopolista, com as privatizações, que continuou a fazer o seu caminho devastador dos sectores e das actividades tidas como mais clássicas da actividade marítima.

Mas se os impactos positivos são nulos na alteração da realidade do País tiveram, contudo, importantes consequências no domínio da propaganda e da reescrita da História recente de Portugal.

Alguns dos responsáveis pela destruição de alguns dos sectores mais importantes ligados ao mar, designadamente as pescas, a construção naval, o transporte marítimo e as estruturas de investigação associadas ao mar, aparecem agora como os gurus nacionais da economia do mar.

De entre estes, o mais destacado é Cavaco Silva, que pelo menos a partir do início do seu primeiro mandato presidencial, vem fazendo a apologia do mar, enquanto ao mesmo tempo se subscrevem e aplicam as directivas da Política Comum de Pescas, destroem estaleiros e começam a tentar entregar ao grande capital internacional recursos estratégicos nacionais do “off-shore”.

A recente Lei sobre o Ordenamento do Espaço Marítimo, aprovada com os votos do PSD, PS e CDS, é como que a antecâmara da entrega dos nossos recursos ao grande capital.

De facto, o estabelecimento de um quadro legal onde se cria a figura da concessão a privados de áreas do espaço marítimo nacional, por longos períodos de tempo, configura uma efectiva privatização de domínio público pelo prazo de gerações, inaceitável face ao evidente interesse público e nacional desses espaços, além do confronto com interesses daqueles que, ao longo dos séculos, fundaram evidentes direitos na sua utilização - os pescadores.

Na verdade, e ao arrepio das proclamadas intenções de promover o reencontro do País com o mar, a grande maioria dos seus sectores que integram o “cacho de actividades” da economia do mar, à semelhança do que vem acontecendo noutras áreas da economia real, particularmente na sua esfera produtiva, seguem o rumo de destruição imposto por quase 40 anos de políticas de direita.

Não cabe aqui fazer um balanço exaustivo à evolução do conjunto dos sectores e do impacto negativo que tais políticas tiveram nas actividades associadas ao mar, tal como o ponto da situação de toda a realidade e evolução dos novos sectores.

Mas não é possível deixar de referir o que significou esta política para sectores tão importantes na vida do País e na sua relação com o mar, e aproveitar para apontar algumas medidas e caminhos para inverter esta situação.

Nos transportes marítimos, particularmente no transporte de mercadorias, a situação actual é a da existência de uma frota nacional residual, o que se traduz em cerca de 700 milhões de euros de fretes perdidos por ano.

De forma continuada e persistente, a política anti-nacional dos sucessivos governos, quer pelo encerramento sucessivo das empresas de navegação, que retirou ao país a capacidade estratégica e soberana de assegurar em grande parte ou em parte dominante, o transporte marítimo de mercadorias, seja na perspetiva da importação, seja da exportação, e o quase completo desaparecimento do Estado no sector.
Uma situação que é agravada, em termos de soluções nacionais, pelo brutal domínio que os grandes potentados mundiais da navegação de longa distância têm no comércio marítimo mundial.

Este é sector onde por razões do exercício da soberania, económicas e de equilíbrio das contas com o exterior, urge alterar a situação que está criada, trabalhando para a concretização de um conjunto integrado de medidas, como sejam: a elaboração pelo Estado português de um Plano Nacional de Relançamento da Marinha de Comércio (PNRMC); a criação de pelo menos uma empresa pública, cuja missão deverá ser o planeamento, a execução e o controlo deste Plano, e, ulteriormente, a gestão operacional das diferentes frotas; tomar a opção e garantir a construção das diferentes frotas, de acordo com o Plano, predominantemente em estaleiros nacionais, numa primeira fase através do Arsenal do Alfeite, dos Estaleiros Navais do Mondego, dos Estaleiros Navais de Aveiro e dos Estaleiros Navais de Peniche, e, numa segunda fase, através da reanimação da área de construção naval dos estaleiros da Lisnave para a grande construção naval.

Relativamente aos portos portugueses, onde é movimentado mais de 60% do volume de mercadorias transaccionadas em Portugal, o traço dominante da política de direita é o de um persistente, insuficiente e incorrecto investimento, designadamente na extensão e especialização de novas frentes de acostagem, na instalação de mais e mais modernos equipamentos de cais, no rebaixamento de fundos e abertura de canais, para além de uma muito insuficiente manutenção de infraestruturas, processo agravado nos anos mais recentes pelo desmantelamento do Instituto Portuário e do Transporte Marítimo.
Uma questão de enorme importância para a definição das orientações estratégicas dos portos portugueses é a da concorrência dos portos espanhóis (combustíveis mais baratos, vias rápidas sem portagem e sobretudo uma boa rede ferroviária). Uma questão que não pode ser resolvida, como pretendem, à custa dos salários dos trabalhadores portugueses.

Nesta vertente é urgente a elaboração de um Plano Nacional de Portos, em articulação com um de transportes (terrestres, aéreos) e de um relativo à Logística, que tenha designadamente em atenção, aspectos tais como: o carácter estratégico e altamente valorizado da localização geográfica de Portugal continental e das Regiões Autónomas; as tendências evolutivas da estrutura produtiva nacional; a crescente importância dos fluxos de cruzeiros; a optimização das ligações logísticas e intermodais, designadamente ao caminho de ferro de mercadorias; a necessidade simultânea de especialização e complementaridade dos portos, no quadro de uma gestão simultaneamente centralizada quanto aos objectivos, a contemplar num planeamento imperativo e autónomo quanto à gestão, entre outros.

No quadro da aplicação deste Plano Nacional, é urgente inverter a lógica do não investimento e da concessão e privatização de operações, afectando meios financeiros públicos que permitam modernizar, ampliar, especializar, tornar mais eficientes e manter os portos nacionais, seja para a marinha de comércio e de cruzeiros, seja também para os portos exclusiva ou dominantemente de pesca.

Em relação à evolução e situação actual do sector de construção e reparação naval, ela é sobejamente conhecida.

Exceptuando a Lisnave, em Setúbal, a situação é desastrosa. Encerramentos atrás de encerramentos de grandes, médios e pequenos estaleiros.
Portugal foi o País da UE que apresentou a mais elevada taxa de perda de emprego no sector da reparação e da construção naval.

Como já foi afirmado, o País deve criar as condições para a valorização da sua excepcional posição geográfica, face às rotas marítimas dominantes no Atlântico Nordeste, e não o tem feito.

Nós pensamos que é absolutamente fundamental reanimar, fortalecer e dinamizar a indústria naval nacional, designadamente, através da concretização do já mencionado Plano Nacional de Relançamento da Marinha de Comércio que actuará como motor de arranque do processo, mas também promovendo a modernização e ampliação da frota de pesca; a construção e modernização de navios para a Marinha de Guerra, nomeadamente por via da construção de mais patrulhões, entre outros.

No que respeita às obras marítimas e protecção costeira e na sequência de de décadas de políticas de direita, tem vindo a ser descurada, quer por incúria e desprezo pelos alertas frequentes das populações interessadas e de peritos na matéria, quer pela execução pontual de obras inadequadas ou desenquadradas de um planeamento integrado.

Urge pois estudar, aprovar e concretizar um Plano Estratégico de Defesa da Orla Costeira, que substitua as intervenções avulsas, sempre caras e muitas das vezes inconsequentes, que vêm sendo realizadas.

No Ensino e formação profissional, o encerramento e a destruição física da Escola de Pescas e Comércio de Pedrouços, em Lisboa, é bem o paradigma da real importância que os governos da política de direita dão, de facto, às pescas, independentemente de planos estratégicos, relatórios e discursos presidenciais.
No domínio do ensino superior, a tradição, experiência e competência da Escola Superior Náutica Infante D. Henrique, dado a inexistência de frota nacional, está a ser erodida pela falta de adequadas dotações, mas principalmente pela falta de colocação nacional dos seus diplomados que o interesse nacional exige que fosse feito em navios de bandeira e titularidade nacional.

Seja para responder à já existente insuficiência de meios, seja particularmente para começar a preparar os quadros das tripulações da futura marinha de comércio nacional, esta prestigiada instituição de ensino superior (público), deverá ir sendo dotada dos meios financeiros e humanos adequados, tal como no domínio do ensino profissional, seja na vertente das pescas, seja da marinha de comércio, o Estado deverá criar, pelo menos duas escolas profissionais (uma no Sul e outra no Norte) para substituir a Escola de Marinhagem e Comércio de Pedrouços, entretanto encerrada.

A investigação nacional associada ao mar, é outras das vítimas da demissão do Estado das suas incumbências constitucionais, agravada pelas imposições orçamentais das “Troikas”.

Os dois principais organismos de investigação, o IPMA/IPIMAR e o Instituto Hidrográfico, vêm sofrendo uma lenta degradação, independentemente do enorme profissionalismo e empenho dos seus profissionais. Particularmente o IPIMAR, vem sofrendo uma enorme perda de capacidade.

Faltam investigadores e técnicos, faltam mais navios de investigação oceanográfica e outros meios, nomeadamente submarinos de pesquisa.
É paradigmática a posição deste governo acerca da protecção da indústria nacional, quando para substituir o já velho navio oceanográfico Noruega, lança um concurso internacional para a aquisição de uma nova unidade, cujo caderno de encargos está preparado para a aquisição de um navio ao estrangeiro, ainda por cima em 2ª mão.

Quer atendendo à enorme área da nossa ZEE, quer na perspectiva da extensão da plataforma continental, estas dificuldades assumem extrema gravidade.
A Investigação e Desenvolvimento associada ao mar, no quadro de um desenvolvimento nacional soberano, exigem, pelo menos e desde já, o reforço de meios de institutos, universidades e laboratórios do Estado; a protecção e reforço de meios do Instituto Hidrográfico, nomeadamente com mais e melhores navios hidrográficos e submarinos tipo Luso, bem como o aprofundamento da componente investigação marítima do Instituto Português do Mar e da Atmosfera.

Deixámos para o fim dos sectores tradicionais, a Pesca, cuja evolução e situação em Portugal são inseparáveis da orientação, do conteúdo e dos efeitos da Política Comum de Pescas da União Europeia.

Deixámo-lo não apenas porque estamos a intervir no quadro de uma iniciativa ligada à actividade do Parlamento Europeu e tal facto se impunha realçar, mas porque o sector tem uma importância estratégica evidente que é preciso continuar a valorizar, para o abastecimento público de pescado às populações, para o equilíbrio da balança alimentar, para o desenvolvimento e bem-estar socioeconómico das comunidades costeiras, para o desenvolvimento local, a criação de emprego, as actividades económicas a montante e a jusante da pesca, para a manutenção da cultura e da tradição locais.

Não obstante esta importância e o seu enorme potencial, o sector das pescas sofreu nas últimas duas décadas um acentuado declínio com a perda de 50% da sua frota e encontra-se, hoje, numa situação de crise económica e social profunda.

Quais devem ser os objectivos de uma política de pescas? De que meios necessitamos para assegurar o cumprimento desses objectivos? Estas são questões essenciais às quais propositadamente nunca se quis dar resposta.

Para nós, os objectivos de uma política de pescas passam por aquilo que acabámos de afirmar: - pela garantia do abastecimento público de pescado às populações e pelo desenvolvimento das comunidades costeiras, promovendo o emprego e a melhoria das condições de vida dos pescadores, num quadro de garantia da sustentabilidade e da boa conservação dos recursos.

Estes objectivos, de indiscutível interesse público, terão de ser prosseguidos, tendo em conta as características específicas da actividade da pesca, a sua irregularidade – determinada, se outros não houver, por óbvios condicionalismos naturais. Tal implica a necessidade de canalizar para o sector determinados apoios públicos, sejam nacionais, sejam comunitários.

Veja-se o que se tem passado com a pesca da sardinha, com os barcos e os pescadores de sardinha paralisados e sem trabalho desde o início de Outubro, uma situação que se prolonga quase até Abril. Primeiro, em resultado da imposição de quotas de captura e, desde Janeiro, no cumprimento de um período de defeso sem qualquer compensação, a não ser para os pescadores o recurso à situação de desemprego.

Trata-se de uma situação de prolongamento inaceitável, sem que existam propriamente explicações claras e fundamentadas em estudos científicos, nomeadamente para a definição das actuais quotas de captura.

Nós consideramos inaceitável que não haja medidas para salvaguardar os rendimentos dos pescadores, armadores, as comunidades que ficam impedidas de desempenhar a sua actividade. Tal como consideramos que é necessário rever e reverter uma decisão irrealista de quotas que é da responsabilidade do governo português e que carece de fundamento, e também porque não se compreende que os espanhóis possam continuar a pescar e nós não!

O senhor Secretário de Estado tem vindo a dizer que se pesque carapau em vez de sardinha. O senhor Secretário de Estado sabe que essa não é solução, já que, em termos de rendimento, tal não permite a sobrevivência de muitas embarcações.

Esta realidade mostra bem a necessidade de canalizar para o sector determinados apoios públicos.

É outra a visão da União Europeia, que não tem em conta as três dimensões essenciais e indissociáveis de uma política de pescas: a ambiental, a económica e a social. Tal não é inocente. O objectivo assumido e concretizado é a diminuição do financiamento público da Política Comum das Pescas, e a sua crescente “orientação para o mercado”.

A Comissão Europeia já assumiu aliás que “o sector da pesca deve ser eficiente e financeiramente sólido, sem necessitar de apoio público”. E que deverá ser o “próprio mercado o motor de um sector da pesca forte e rentável”.

A realidade das pescas na União Europeia é complexa, sendo grande a diversidade existente entre os diferentes países – ao nível das respectivas frotas pesqueiras, das artes de pesca, dos recursos pesqueiros e do seu estado de conservação, e dos hábitos de consumo da população.

Esta grande diversidade exige uma gestão de proximidade, que tenha em conta as especificidades de cada país e de cada zona de pesca, que envolva o sector e as comunidades costeiras na definição e na execução das políticas.

Esta gestão deve apoiar-se no conhecimento científico, o que requer o desenvolvimento da investigação e esforços persistentes de apoio, em meios materiais e humanos, aos institutos e laboratórios de investigação, neste domínio – e não, como aqui já referimos, a sua desarticulação e sufoco financeiro, como vem sucedendo em Portugal.

Pelo contrário, o que tem prevalecido na UE é uma gestão fortemente centralizada, distante da realidade e não a tendo em conta. Uma gestão que, no essencial, ignora o sector e as suas posições na hora de definir as políticas.

Esta opção por uma gestão centralizada está em linha com os condicionalismos e imposições do Tratado de Lisboa, que veio estabelecer como uma “competência exclusiva” da União Europeia a “conservação dos recursos biológicos do mar, no âmbito da Política Comum das Pescas”.

O sector da pesca enfrenta hoje uma grave crise de rendimentos, determinada por uma elevação significativa do custo dos factores de produção (em que avultam os combustíveis) e uma estagnação, ou mesmo compressão, para níveis extremamente baixos, dos preços de primeira venda do pescado.

É essa a primeira rede de segurança dos pescadores, para que não aconteça a tragédia dos desastres a que assustadoramente vamos assistindo. Para que os pescadores não tenham que ir ao mar quando não há condições de segurança.

Anteontem, aconteceu mais um, levando a dor e o luto às famílias e à comunidade piscatória, aos quais apresento os mais sentidos pêsames e solidariedade do PCP!

Mas este desastre, como os que se vão sucedendo, devia ser, não apenas, mais um momento para que os órgãos de soberania mostrem consternação e apresentem pêsames! Devia ser o momento para o poder político dizer: Alto! Isto não pode continuar!

Mas isso exige, desde logo, criar condições para que os seus rendimentos sejam seguros, regulares e suficientes para uma vida digna!

A União Europeia nada faz para alterar esta situação. O caminho que continua a apresentar é simplesmente o abrir da porta para que mais e mais pescadores desistam da actividade.

Utilizando a deterioração socioeconómica do sector, procura promover o abate e a cessação definitiva de actividade de mais embarcações, concentrando ainda mais a propriedade e a actividade no sector, criando mais desemprego, degradando a vitalidade do sector e das comunidades costeiras dele mais dependentes.

Os instrumentos públicos de regulação dos mercados foram quase completamente desmantelados.

As justas exigências, que o sector vem fazendo, de medidas para melhorar o preço de primeira venda do pescado que, no caso do cerco, haverá que ser acompanhado pelo apoio à indústria conserveira e ao consumo de conservas portuguesas, e promover uma justa e adequada distribuição do valor acrescentado pela cadeia de valor do sector, como os preços de garantia (que tenham em conta os custos de produção) ou as taxas máximas de lucro, são sistematicamente ignoradas.

Trata-se de propostas que há muito vimos fazendo, que mantêm toda a sua necessidade e actualidade e nas quais insistiremos.

Como insistiremos também na necessidade de reconhecer as especificidades dos segmentos da pesca de pequena escala, costeira e artesanal, canalizando apoios específicos que possibilitem a renovação e modernização das frotas, a melhoria das suas condições de segurança e da sua sustentabilidade económica e ambiental.

Não se esgotam no conjunto de todos estes sectores as possibilidades e potencialidades da economia do mar. Não tratamos o importante sector da aquacultura, do turismo de lazer e desportivo. Este que tem, aqui em Peniche e no surf, uma expressão e um impacto que não pode ser ignorado, pela capacidade também de atracção que revela na captação de interessantes fluxos com impacto na vida económica da região.

Duas notas finais ainda sobre os novos sectores e as novas potencialidades do mar.

No que diz respeito aos recursos energéticos do off-shore, nomeadamente combustíveis fósseis:

Em termos de potencialidades, o “off-shore” continental parece indiciar a presença, porventura em condições de exploração económica, de combustíveis fosseis convencionais – petróleo e gás natural;

Há já bastantes anos que prosseguem campanhas de prospecção e pesquisa nas bacias sedimentares de Peniche, Alentejana e Algarvia, estando presente nas duas primeiras a GalpEnergia e na última a Repsol;

Das informações existentes, o processo mais avançado e promissor, parece ser o do Sotavento Algarvio, com a existência de grandes reservas de gás natural de elevada qualidade, cerca de 40 Km a Sul de Tavira.

A confirmar-se a existência deste potencial, se traduzido futuramente em recursos, tal é de grande importância estratégica para o País.

Sobre a sua prospecção, pesquisa e eventual futura exploração, desde já quatro apontamentos:

- a grande lentidão de desenvolvimento das campanhas;

- a enorme opacidade, em termos do conhecimento dos resultados, das campanhas efectuadas;

- a fraca participação de especialistas e da indústria transformadora nacional;

- o peso dominante de empresas estrangeiras.

Nas energias renováveis, parece ser razoável o potencial do nosso off-shore para produção de electricidade, particularmente no que respeita às ondas, marés e correntes, pelo que se deverá continuar a investir em investigação neste domínio e no desenvolvimento de projectos piloto.

Relativamente à energia eólica com potencial elevado no caso português, encerra, contudo, dificuldades técnicas e financeiras significativas, devido às características do mar e dos fundos marinhos.

No que se refere aos Recursos minerais do off-shore, embora o conhecimento dos recursos seja ainda muito incipiente, parece serem muito vastos os recursos de minerais e rochas industriais do mar português.

Defendemos a necessidade de ser prosseguida, amplificada e aprofundada a inventariação dos recursos, sempre sob a supervisão do Estado português.

Face ao estado da arte, nomeadamente em termos de exploração, a abordagem desta questão, deve ser feita com muita prudência, designadamente em termos da salvaguarda do interesse nacional.

A perspectiva do actual governo de começar a entregar estas inúmeras e diversificadas riquezas ao capital estrangeiro deverá ser liminarmente sustida, já que o enorme potencial existente, deve constituir uma espécie de reserva estratégica do País que não pode, nem deve ser alienada.

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