Projecto de Resolução N.º 646/XV/1.ª

Por uma vida melhor: aumento dos salários e pensões, controlo e redução de preços, mais investimento e produção nacional

A apresentação anual do Programa de Estabilidade insere-se na opção de sucessivos governos de submissão ao conjunto de imposições da União Europeia (Semestre Europeu) e da União Económica e Monetária/Euro (Pacto de Estabilidade e Crescimento), que visam condicionar as opções de política económica, orçamental e financeira do país aos interesses dos grupos económicos e das principais potências europeias.

Não se trata de um exercício soberano de previsão macroeconómica e definição de linhas orientadoras da política económica e financeira a médio prazo, mas antes de um pré-condicionamento das necessidades do País a imposições externas.

A principal marca do Programa de Estabilidade 2023-2027, apresentado pelo Governo em abril de 2023, é a mesma que tem estado presente nos últimos anos: o Governo mantém a opção pela redução acelerada do défice orçamental e da dívida pública, sacrificando os salários, as pensões, os serviços públicos e o investimento público necessário à resposta aos problemas mais imediatos e à resolução dos problemas estruturais da economia nacional.

Esta opção tem significado um rumo de degradação dos serviços públicos, da saúde à educação, da habitação aos transportes, da justiça à cultura; de compressão de salários e pensões; de crescente dependência e abandono da produção nacional.

Em consequência de políticas orçamentais restritivas, de opções políticas de favorecimento dos interesses dos grupos económicos em detrimento dos interesses do país, da desindustrialização e da abdicação do controlo público sobre sectores estratégicos, o país está progressivamente mais vulnerável a fatores que não controla.

Uma fragilidade que ficou evidente em face da epidemia de COVID-19 e que novamente se manifesta face aos impactos da guerra e das sanções, que contribuíram para agravar tendências inflacionistas que já se vinham a manifestar. Mesmo perante uma inflação provocada, não por um aumento da procura, mas sim por falhas ao nível da oferta, o Banco Central Europeu (BCE) adotou mais uma vez a receita neo-liberal de aumento dos juros para combater a inflação, carregando para as costas dos trabalhadores e dos povos os impactos do aumento dos preços.

Acresce que a grave situação inflacionista está também a ser aproveitada de forma oportunista pelos grupos económicos de sectores que utilizam a sua posição dominante para se apropriarem de margens de lucro cada vez maiores, especulando às custas dos consumidores e das Micro, Pequenas e Médias Empresas (MPME).

O próprio BCE reconheceu que a espiral inflacionista é potenciada pelas margens de lucro de determinados sectores e não pelos rendimentos do trabalho. Apesar disso, o Governo continua a implementar políticas de compressão do valor real salários e das pensões, ao mesmo tempo que não toma qualquer medida para reduzir os preços, através da limitação de margens de lucro da banca, da energia ou da grande distribuição, sectores que têm apresentado lucros record.

O Programa de Estabilidade 2023-2027, apresentado pelo Governo, continua a apostar na redução do peso da dívida através da desvalorização do investimento público (que o próprio Governo prevê que tenha uma redução, em percentagem do PIB, ao longo deste período) em vez de apostar no crescimento económico como fator de redução da dívida. A previsão de que o crescimento do PIB, na melhor das hipóteses, andará pelos 2%, revela ainda que o Governo se conforma a um cenário de crescimento económico anémico, ou mesmo de estagnação.

O anúncio de aumentos do investimento público não tem qualquer credibilidade, após sistemáticos anúncios de aumentos, em cada Orçamento, que ficam em larga medida por executar. Mesmo no Orçamento do Estado para 2022, discutido já a meio do ano, o Governo deixou por executar 1.400 milhões de euros do investimento público orçamentado. Recursos que fariam falta aos serviços públicos, em particular ao SNS e à escola pública, e ao robustecimento do aparelho produtivo.

A revisão em alta da inflação esperada para 2023, de 4% para 5,1%, que se acrescenta à inflação de 2022 de 7,8% tem, em determinados bens essenciais, uma expressão muito maior. Sem que haja aumentos significativos dos salários e das pensões e medidas de controlo e redução de preços, estes números significam a continuação da perda de poder de compra para uma grande parte da população.

Os salários continuam a perder poder de compra face à inflação. No caso das pensões, apesar de um insuficiente aumento intercalar em 2023 anunciado tardiamente, as pensões mais baixas (que são a ampla maioria, e que pelo seu montante são destinadas quase exclusivamente à alimentação) continuam a perder poder de compra face ao aumento de preços dos bens alimentares, que foi muito superior à inflação oficial (entre 20% a 30%). Para lá de apoios pontuais, naquilo que é estruturante, que são os valores dos salários e das pensões, agrava-se a política de cortes no seu valor real.

Os problemas da habitação assumiram nos últimos anos uma ainda maior centralidade. A situação do crédito à habitação é particularmente preocupante perante a continuação dos aumentos muito significativos das taxas de juro, sem que se vejam medidas do Governo para contrariar estes aumentos, que estão a insuflar os lucros milionários da banca. Ao mesmo tempo, e também em consequência de opções políticas de sucessivos Governos, registam-se aumentos incomportáveis das rendas, falta de oferta pública de habitação, o que torna o acesso à habitação um problema cada vez mais abrangente, com o direito à habitação a ser subalternizado face à especulação imobiliária, agravada pela criação de regimes fiscais de privilégio. As medidas anunciadas pelo Governo, na sua generalidade, em vez de resolverem, agravam estes problemas.

Portugal precisa de uma outra política, uma política patriótica e de esquerda.

Uma política que, em vez da desvalorização, garanta um aumento geral dos salários, a redução e regulação dos horários de trabalho, o combate à precariedade, e que valorize as reformas e pensões, assegurando o direito a envelhecer com qualidade de vida.

Uma política que, em vez de aceitar o cerco dos grupos económicos às funções sociais do estado, aposte nos serviços públicos, com maior investimento, contratação e fixação de profissionais e a valorização dos seus salários, carreiras e profissões.

Uma política que, em vez de continuar a deixar milhões de euros por executar, promova o investimento público, e opte pela redução da dívida pública por via de um maior crescimento económico, articulada com a perspetiva de recuperação da soberania monetária.

Uma política que, em vez de se submeter aos interesses dos grupos económicos, garanta o controlo público sobre sectores estratégicos da economia, colocando-os ao serviço de uma estratégia de promoção da produção nacional, substituindo importações, dinamizando o mercado interno com o apoio às MPME.

Uma política que, em vez de aprofundar borlas fiscais para os grupos económicos, reduza a tributação sobre o trabalho e os rendimentos mais baixos.

Uma política que, em vez de se resignar ao défice demográfico, promova os direitos das crianças e dos pais, indissociáveis das condições de vida e de trabalho dos pais, das respostas públicas – como a gratuitidade e a criação de uma rede pública de creches - e do respeito pelos direitos de maternidade e paternidade.

Uma política que, em vez de premiar a especulação, promova a habitação como direito universal.

Uma política que, em vez de subalternizar cada vez mais aspetos da vida nacional aos interesses do capital e às imposições do Euro, garanta a todos o acesso à educação, à cultura, à justiça, à mobilidade, e que defenda o ambiente.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte

Resolução

A Assembleia da República, nos termos n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, resolve recomendar ao Governo que:

  1. Implemente uma política que, em resposta urgente à situação atual:
    1. Garanta um aumento geral dos salários, para recuperar o poder de compra perdido, tanto na Administração Pública, aumentando os salários e valorizando as carreiras, como no sector privado, removendo as normas gravosas da legislação laboral que enfraqueceram a contratação coletiva, designadamente a caducidade das convenções, para permitir a valorização de salários e direitos;
    2. bImplemente um aumento intercalar das pensões em 2023 de 9,1%, com um aumento mínimo de 60€, com retroativos a Janeiro.
    3. Estabeleça preços de referência, removendo as componentes especulativas e controlando as margens de lucro, a fim de reduzir os preços de bens e serviços essenciais, como os alimentos, a energia ou as telecomunicações;
    4. Coloque as margens de lucro da banca a suportar parte do esforço das famílias com o crédito à habitação, designadamente através da redução e devolução de comissões para baixar as prestações, e de uma robusta atuação no mercado pelo banco público CGD, promovendo ainda a redução das comissões bancárias; assuma a regulação e intervenção para uma maior estabilidade no mercado de arrendamento; promova o aumento da oferta pública de habitação;
    5. Garanta um aumento significativo do investimento público, aumentando a sua execução e a sua percentagem no PIB (tendo como objetivo os 5%), para reforçar os serviços públicos, nomeadamente no SNS, na escola pública, na habitação, nos transportes, na justiça e na cultura, e também para impulsionar, em geral, os níveis de investimento na economia;
    6. Promova uma política fiscal mais justa, através da redução do IVA da eletricidade e do gás para os 6%, e das telecomunicações para os 13%, conjugada com medidas de controlo e redução de preços, assim como da redução da tributação do trabalho e dos rendimentos mais baixos, promovendo ao mesmo tempo taxas de tributação efetiva mais adequadas para os grupos económicos, por forma a assegurar os meios indispensáveis para a resposta do Estado às necessidades do País.
  2. Promova uma política económica soberana, virada para o aumento da produção nacional e a substituição de importações, a reindustrialização, o desenvolvimento e aproveitamento das capacidades científicas e tecnológicas do País, a diversificação da atividade económica e das relações com o exterior, o apoio às MPME e a recuperação do controlo público sobre os sectores estratégicos.
  3. Rejeite quaisquer imposições ou condicionamentos da União Europeia ou do Euro que ponham em causa o direito soberano do Estado português a decidir do seu futuro e assumindo a necessidade de mobilizar os recursos necessários para implementar as medidas referidas nos números anteriores.
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