Intervenção de

Políticas de Ordenamento do Território e Ambiente - Intervenção de Miguel Tiago na AR

Interpelação ao Governo nº 10/X,  sobre Políticas de Ordenamento do Território e Ambiente

 

 

Sr. Presidente,
Sr. Ministro,

A intervenção de hoje de V. Ex.ª, na abertura deste debate, assentou em dois eixos principais: no Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território e na desburocratização dos mecanismos por que passam os projectos no quadro dos instrumentos de ordenamento do território.

No primeiro caso, é o relatório do PNPOT, aprovado pelo seu Governo, que identifica que há insuficiência das bases técnicas essenciais para o ordenamento do território; dificuldade de coordenação entre os principais actores institucionais, públicos e privados; complexidade, rigidez, centralismo e opacidade da legislação e dos procedimentos de planeamento e gestão territorial.

Sobre estes obstáculos identificados num plano aprovado pelo seu próprio Governo, até agora nada!

Continuamos a observar o território nacional a ser retalhado, loteado, com lotes à medida dos interesses pontuais, sem que haja uma estratégia clara e transversal.

Sobre a desburocratização, gostava de perguntar-lhe, Sr. Ministro, em que é que a mera desburocratização para a avaliação dos projectos no quadro do ordenamento do território garante melhor cumprimento dos desígnios desses instrumentos de ordenação. Obviamente, não é por desburocratizar o processo que se garante um melhor cumprimento dos objectivos do ordenamento do território!

Numa área que ainda não foi falada, a do Instituto da Conservação da Natureza, uma das poucas coisas que o Sr. Ministro assumiu, da última vez que esteve neste Parlamento, foi que a reestruturação iria consistir em agrupamentos, isto é, que iria agrupar diversos parques naturais, áreas protegidas, em superestruturas.

Pergunto, Sr. Ministro, no quadro das competências dos actuais directores, que competências serão centralizadas nessas superestruturas e como é que isso se coordena com a descentralização necessária na conservação da natureza.

(...)

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Quando nos referimos à política de Ambiente e Ordenamento do Território que tem sido levada a cabo por este Governo, não podemos deixar de a associar a uma estratégia de desenvolvimento baseada na cedência aos interesses de alguns privados. De facto, e muito embora queira o PSD, por vezes, fazer crer que tudo se trata de uma incapacidade de afirmação política do Sr. Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional no seio do Executivo, o que está em causa é uma política desestruturante, que encaminha Portugal para o estatuto de país em que o ambiente serve apenas como pano de fundo da publicidade de grandes empreendimentos, principalmente os turísticos.

Quando nos referimos à política de Ambiente e de Ordenamento de Território deste Governo não podemos passar ao lado de um estratégia política que continua a potenciar a concentração da população e dos serviços no litoral, em particular nos centros urbanos, que continua a preterir a racionalidade e a sustentabilidade em benefício do lucro de alguns grupos económicos e interesses privados.

Não podemos passar ao lado de um Governo que acentua as assimetrias regionais do território no plano social, económico e demográfico, que permite a degradação continuada da qualidade ambiental do país, que faz dos instrumentos de ordenamento do território apenas um adorno. Um Governo que continua a desmantelar os mecanismos de fiscalização das actividades industriais poluentes, que assim fecha os olhos a um vasto conjunto de crimes ambientais, que continua a assentar a sua acção numa concepção profundamente retrógrada da política de Conservação da Natureza que impede a convivência saudável entre as populações e a natureza, mas permite e incentiva a urbanização das áreas ditas protegidas.

Quando nos referimos à política de ambiente deste Governo, nada pode passar em claro, desde a política de transportes e do desinvestimento no transporte público em função do aumento da utilização do transporte individual, passando pelo desmantelamento orgânico e material do Instituto da Conservação da Natureza, até à política de gestão da água que elimina o seu estatuto enquanto bem público de livre utilização.

O que o Governo nos quer fazer crer, através da persistente repetição de afirmações de propaganda sem qualquer reflexo no plano da realidade, é que tudo está a mudar, tudo está a entrar finalmente nos eixos. Mas não está. Na verdade, nada se altera para melhor. Na verdade, o Governo continua a permitir a degradação dos valores ambientais e o atropelo generalizado dos instrumentos de ordenamento do Território, muitas vezes, promovido pelo próprio Governo. A regra é que existe sempre uma excepção na lei que permite aos grandes grupos económicos contorná-la e um governo disposto a permiti-lo.

Os instrumentos de Ordenamento do Território não podem ser estáticos nem totalmente inflexíveis. Mas ao ponto de serem constantemente relegados para o plano da inutilidade? Ao ponto de no seio de áreas protegidas implantar co-incineradoras? Ao ponto de suspender um PDM sempre que este não contempla uma plataforma logística em zona indundável como em Vila Franca de Xira? Ou suspender o PDM de Loulé para permitir empreendimentos turísticos de elite que este não permite? Ou vir anunciar como milagrosos projectos privados que tinham sido no passado bloqueados pelo Senhor Ministro do Ambiente José Sócrates, como o projecto Galé-Fontainhas?

Mas, sobretudo, não podem ser flexíveis na medida dos objectivos do Governo e dos interesses a quem vai cedendo. Nesse cenário, os instrumentos de ordenamento perdem toda a sua razão de ser. No momento em que a excepção passa a ser a regra para alguns, sempre os mais ricos, algo vai mal na política de ordenamento do território.

O que é certo é que muitos Parques Naturais e Reservas continuam votados à degradação e ao abandono, situação que tenderá agravar-se num quadro da criação de grandes super-estruturas de agrupamento de parques na orgânica do ICN, conforme anunciado pelo Sr. Ministro do Ambiente.

O que é certo é que abundam e tendem a proliferar declarações do interesse nacional e suspensão ou alteração de planos para permitir construções não contempladas e não permitidas.

O que é certo é que muitos sentem o peso da inflexibilidade das regras quando querem construir uma pequena estrutura de apoio ou a casa de um filho junto à sua e não podem. Mas tempos depois, um gigantesco empreendimento turístico pode ocupar uma área submetida às mesmas limitações.

O que é certo é que as populações já entenderam que o Governo diz uma coisa no seu discurso ensaiado, mas que faz outra. Que o Governo descreve uma realidade só sua que não se coaduna com o dia-a-dia.

Certo é que o país sustentável, da ausência de poluição e de energias limpas, o país da conservação da natureza, dos recursos hídricos, energéticos e geológicos ao serviço dos interesses do país, não existe. O que verificamos é que o Governo está apostado na continuidade da política de desordenamento do território. Incapaz de apresentar uma única medida concreta que vá ao encontro da resolução dos problemas identificados pelo próprio relatório do Plano Nacional de Política de Ordenamento do Território, o Governo permite a utilização retalhada e desarticulada do território nacional.

O que o país precisa é de uma política de ambiente e ordenamento do território que coloque a qualidade de vida dos cidadãos e a exploração racional e sustentável dos recursos à frente dos interesses privados que ofendem esses objectivos. O país precisa de uma política de ambiente que não oponha desenvolvimento económico a conservação da natureza; que planifique e intervenha no pressuposto simples de que não existe desenvolvimento sem natureza.

Disse.

(...)

Sr. Presidente,

O que fica deste debate é a afirmação do Sr. Ministro - o que é bastante grave - de que todos os atropelos que são cometidos contra o ambiente são feitos sob a alta chancela do Ministério e, portanto, são legítimos à partida.

Neste final de debate, gostava de salientar que o Sr. Ministro foi confrontado com diversas questões, das quais só vou enunciar algumas: o empreendimento Galé-Fontainhas; a suspensão do PDM de Loulé; a suspensão do PDM de Vila Franca de Xira; o empreendimento Mar da Califórnia; a regressão da linha costeira; a autorização para a construção de vivendas de luxo sobre dunas primárias; o quadro de pessoal do Instituto da Conservação da Natureza e a sua reestruturação; para onde foram os 96 milhões de euros que serviriam para financiar as candidaturas das associações de municípios - e não terminei a lista.

Curiosamente, o Sr. Ministro não deu qualquer resposta e escolheu, para responder, a única questão em que pode divergir do alvo desta interpelação e acusar uma autarquia, esquecendo-se que as autarquias têm os seus próprios mecanismos de controlo democrático e que não cabe nesta interpelação dirigir-se às autarquias.

 

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