Intervenção de

Políticas de combate à droga e à toxicodependência<br />Intervenção do Deputado Bruno Dias

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, Senhores Membros do Governo,O PCP tomou a iniciativa de propor este debate de urgência, por considerar que há uma discussão a fazer, e que tardava em ser feita, sobre as políticas de combate à droga e à toxicodependência. Tanto mais que a actual situação nesta matéria apresenta contornos perante os quais é indispensável agir.A situação actual exige a consolidação e o alargamento da rede de respostas, multidisciplinar, aos problemas da toxicodependência. Por isso é motivo de séria preocupação para o PCP que o Governo, à margem das suas considerações gerais, esteja a enveredar por um caminho de marcada desestabilização das estruturas que foram construídas ao longo de anos, e que têm tido um papel de relevo na intervenção sobre esta matéria.Praticamente quinze meses passados sobre a entrada em vigor da nova Lei da Droga, a incerteza paira sobre o sector. E as orientações apresentadas no Programa de Governo – manter a estratégia e a estrutura, cortando parte dos seus efectivos – não vêm trazer boas notícias.O Governo fundiu o SPTT e o IPDT. Queremos afirmar que a questão essencial não estava na opção de fundir ou não os serviços. O problema decisivo está, sim, nas condições em que essa fusão se está a concretizar – num quadro em que é política geral do Governo a não renovação de contratos de trabalho.Assim, a curto prazo, podemos ter o encerramento de diversas unidades. É isso que na prática o Governo está a decidir. Aliás, algumas dessas unidades só entraram em funcionamento através do recurso à contratação a prazo dos profissionais envolvidos.O que isto implica na prática é a significativa redução da capacidade de resposta ao problema da toxicodependência; a diminuição do apoio e da qualidade de vida dos doentes; o acréscimo dos problemas conexos de saúde e segurança nas áreas mais afectadas.O que isto implica é o retrocesso para um modelo mercantilista, em que as estruturas públicas venham a exercer funções meramente complementares, relativamente aos meios privados – e em que toxicodependentes e suas famílias sejam vistos como uma fonte de lucro.Esta preocupação foi aliás o testemunho de diversos responsáveis e técnicos do sector, participantes da reunião aberta que foi promovida pelo Grupo Parlamentar do PCP, aqui mesmo na Assembleia da República, no passado dia 11 de Junho.Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, Senhores Membros do Governo,Sendo esta a perspectiva, a Legislatura começa mal. Esta linha de actuação do Governo não augura nada de bom, e é preciso urgentemente entrar no bom caminho.Até porque o bom caminho ficou já aberto, com os importantes avanços registados na última década. E para que fossem dados esses passos significativos, aqui esteve e está o PCP, com as propostas e contributos, a intervenção responsável e construtiva, para a melhoria do quadro legal neste sector.Todos sabem que oportunamente afirmámos a necessidade de ir mais longe. Alertámos para as insuficiências. Defendemos medidas concretas, que melhor garantissem o funcionamento eficaz de uma estrutura de prevenção. De uma verdadeira rede pública de tratamento. De um mais efectivo combate ao tráfico e branqueamento de capitais.Em suma, defendemos uma política assente na concepção de que um toxicodependente é um doente e não um criminoso, e que o seu tratamento e reinserção social é um dever do País, e não uma potencial fonte de receita privada.A exigência que afirmámos ganha hoje ainda mais peso. A avaliação da capacidade de resposta das estruturas e serviços tem que ser feita no pressuposto de resolver e ultrapassar as falhas e insuficiências que existam. Nunca o PCP aceitará que a avaliação sirva de pretexto ao torpedeamento da aplicação prática do novo quadro legal, e muito menos à inversão do que de mais humanista existe na sua filosofia.Preconizando concretamente a actuação e as medidas que se impõem, pela urgente necessidade da sua aplicação, o Grupo Parlamentar do PCP deu já entrada na Mesa de um Projecto de Resolução, que esperamos que venha a ser agendado em breve.Nele recomendamos ao Governo um conjunto de prioridades de intervenção, desde a realização de um Estudo Nacional que defina mais claramente os novos fenómenos e tendências neste domínio, até ao desenvolvimento de novas acções de prevenção primária, ou a consolidação da rede pública de atendimento, tratamento e reinserção social de toxicodependentes.Propomos a execução de programas de intervenção para novas áreas críticas e de risco; a intervenção mais eficaz em meio prisional; o reforço do dispositivo e meios de combate ao narcotráfico e ao branqueamento de capitais.Defendemos a concretização efectiva da lei de despenalização do consumo de drogas, dando mais eficácia às Comissões para a Dissuasão da Toxicodependência, uma experiência que importa defender e aperfeiçoar.Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, Senhores Membros do Governo,O País está colocado perante a necessidade – e a oportunidade – de tomar medidas urgentes. Está mais que na hora do Governo apontar, com clareza e concretamente, qual será a sua intervenção nesta matéria.É um truque muito antigo, e muito esclarecedor quanto à ética de quem o pratica, esse de desinvestir, cortar nos financiamentos, nos meios, nos quadros de pessoal dos serviços públicos. Atacar a sua qualidade, minar a sua capacidade de resposta. E depois, encolher os ombros e dizer que o Estado deve deixar a intervenção na mão de interesses privados e desresponsabilizar-se do seu dever. O País já assistiu a isso, e não queremos que volte a assistir.Não podemos esquecer que foi no auge dos 10 anos de governos PSD que o Casal Ventoso se tornou o maior hipermercado da droga em Portugal, e um dos maiores da Europa. E não podemos aceitar que políticas, que começam já a ser indiciadas, possam vir a criar novos “Casais Ventosos” no nosso País.Pela nossa parte, o PCP não aceita nem se resigna a uma sociedade alienante, de seres humanos dominados pela droga, ou que se conformam com a sua inevitabilidade.Para o PCP, as estratégias a desenvolver têm que prosseguir o objectivo de enfrentar a toxicodependência. Fazê-la recuar. Prevenir que mais jovens caiam na dependência das drogas. E abrir caminhos ao tratamento e reinserção das vítimas deste drama social.É preciso agir nesse sentido, e é a essa urgente necessidade que o País tem que dar resposta. (…)Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Miguel Coleta,Ainda bem que o Sr. Deputado se congratula com a iniciativa do PCP, tendo em conta que, só agora, graças a ela, ouviremos o Governo dizer o que, de facto, vai decidir e vai fazer. Ainda bem que o Sr. Deputado concorda connosco relativamente à urgência deste debate.Por outro lado, o Sr. Deputado disse que para nós a boa política é a que pressupõe gastar. Ó Sr. Deputado, antes de mais, queria perguntar-lhe o seguinte: gastar é manter profissionais, num sector fundamental como este, em serviços que (alguns deles) só funcionam com a manutenção de profissionais contratados a termo certo? Por outro lado, num drama como este, poupar dinheiro é concessionar aos interesses privados aquilo que é um dever fundamental do Estado perante os cidadãos e perante os toxicodependentes?O Sr. Deputado, ao manifestar a sua concordância com a nossa afirmação de que a prevenção tem, de facto, que ser uma linha de força, certamente também estará de acordo connosco quando criticamos o Programa do Governo por dizer que o IPDT vai manter a sua estrutura e a sua organização com um corte de 50% dos seus efectivos!Se é isto a concretização da prevenção como linha de força da actuação do Governo, cortando e desresponsabilizando efectivos e cortando financiamentos, certamente que não está a fazer coincidir a prática com as suas afirmações!Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Saúde,Quanto às intenções declaradas, o Sr. Ministro manteve e citou em alguns princípios a própria Estratégia Nacional de Luta Contra a Droga ou o Plano de Acção Nacional — Horizonte 2004, abrindo, todavia, a porta para o alargamento de interesses privados.Quanto às decisões tomadas, neste momento o aspecto que emerge mais da linha de actuação do Governo é a decisão reiterada de dispensar profissionais contratados. Pois, para nós, o que é preciso decidir é exactamente o contrário: é a integração desses profissionais nos quadros para salvaguardar, pela sua experiência, o bom funcionamento do sector e não deitar pela borda fora a experiência acumulada ao longo dos últimos anos.Relativamente a outro aspecto a que o Sr. Ministro se referiu, a questão de programas ditos livres de drogas, está em causa o método terapêutico de substituição por opiáceos e está em causa aquele que é conhecido por «programa da metadona». E Sr. Ministro, eu queria recordar que não foi uma opção de raiz meramente política a que foi tomada; foi uma opção técnica, proposta e defendida por técnicos (por médicos), e que veio a ser acolhida pelo governo da altura – o que, de resto, só lhe ficou bem!Mas a questão é de ordem técnica; é de uma terapêutica e de um medicamento que estamos a falar; é da redução de danos; é do combate a gravíssimos problemas de saúde associados a este fenómeno. Por isso, perguntamos, Sr. Ministro: não considera que a decisão de raiz política que veio anunciar acaba por trazer uma ingerência política assente em pressupostos políticos, morais ou de outra ordem mas certamente que não de ordem técnica?Não considera o Sr. Ministro que é uma confusão perigosa colocar as terapêuticas de tratamento e as terapêuticas de substituição no mesmo plano?Não sabe o Sr. Ministro que a primeira opção apresentada ao toxicodependente é sempre o tratamento e que os programas de substituição opiácea, como a metadona, são adoptados quando as soluções de tratamento não têm êxito possível?Não considera, para terminar, Sr. Ministro, que é retrógrado abrir a porta a uma concepção que reduza as soluções terapêuticas a critérios políticos ou económicos? Finalmente, Sr. Ministro, não considera que o grande e principal dever do Estado é o de manter, garantir e desenvolver uma efectiva rede pública de prevenção e tratamento da toxicodependência?Sr.ª Presidente, Srs. DeputadosNuma altura em que o consumo de drogas continua a subir na população mais jovem e em que Portugal é o segundo país da Europa no consumo de heroína, em que os distritos com maior consumo de droga, em síntese, são Vila Real, Viseu ou Santarém, o Sr. Ministro veio dizer à Assembleia da República que em certas regiões há toxicodependentes a menos para os serviços que existem. No seu entender, 100 pessoas/ano é pouco!Isto aponta para que conclusão? Que pretende extinguir comissões para a dissuasão da toxicodependência previstas na lei?! É assim que considera haver lugar para a rede de resposta pública, ou é com o corte de pessoal nos serviços.O Sr. Ministro disse aqui que não inventou a pólvora, quanto a isto estamos de acordo; mas parece pretender usar a pólvora que outros inventaram para rebentar com as estruturas do País para o combate à droga e à toxicodependência.O Sr. Ministro diz que quer lançar a discussão sobre as terapêuticas de substituição, mas o que disse na sua intervenção — e está escrito, Sr. Ministro — é que deverá ser privilegiada a opção pelos chamados «tratamentos livres de drogas». Isto não é estudar, Sr. Ministro, é decidir!É decidir politicamente, a priori, recusando a experiência no terreno que os técnicos têm invocado para defender esta terapêutica. São os técnicos, Sr. Ministro, e não o PCP, esta bancada, estes Deputados apenas! A comunidade técnica tem defendido esta matéria.Agora, o Sr. Deputado José António Silva, do PSD, talvez por falta de articulação política e táctica, veio pôr a nu a grave situação que existe em matéria de doenças infecto-contagiosas nesta área. Afinal, o PSD concorda com a urgente necessidade de reforçar a redução de danos.Contamos consigo, Sr. Deputado, e contamos convosco, Srs. Deputados, para defender o programa da metadona.

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