Intervenção de

A política do audiovisual e o futuro da RTP e do serviço público de televisão<br />Intervenção do Deputado Bruno Dias

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, Senhores Membros do GovernoA História recente do Serviço Público de Televisão em Portugal infelizmente tem sido pródiga em situações de impasse, erros estratégicos e golpes profundos na RTP e no serviço que lhe compete prestar ao País. No entanto, raros terão sido os momentos em que estivesse em causa uma viragem tão negativa e uma ameaça tão séria ao futuro do Serviço Público.Perante a grave situação económico-financeira que a RTP atravessa, as orientações do Governo são proclamadas sem qualquer estudo ou análise que as sustente e sem uma explicação que demonstre o seu fundamento - se é que ele existe...Para o Governo, tudo se resume a um princípio basilar: acabe-se com um dos dois canais da RTP, na emissão em aberto. Aliás, a deliberação do Conselho de Ministros é clarificadora nas decisões tomadas: seja criada "outra coisa" no lugar da RTP - «uma nova empresa pública de televisão, que assegure a emissão de um canal generalista».Para o PCP, tais orientações configuram claramente o intuito de aplicar um rude golpe contra a viabilidade de um Serviço Público de Televisão coerente e efectivo.A argumentação do Governo para as medidas anunciadas é, também nesta matéria, a repetição do costume - o estado em que encontraram, neste caso, a RTP.O que se pretende ocultar é que os problemas estruturais que a RTP vem atravessando resultam directamente das opções políticas de sucessivos governos, a começar principalmente pelos governos PSD, entre cujos membros na altura estavam nomes e figuras que hoje voltamos a ver na bancada do Governo!Foram os mesmos, e não outros, os responsáveis políticos pelo fim da taxa de Televisão, sem qualquer contrapartida financeira para a RTP. Foram os mesmos e não outros que decidiram a expropriação da RTP da sua rede de transporte e difusão de sinal. O papel de outros - no caso, os governos PS - foi o de não resolver o problema estrutural, agravando-o até em alguns aspectos, tal como o PCP na altura denunciou, quanto à diminuição da publicidade na RTP1 e o fim na RTP2.Não teremos seguramente um debate sério sobre o Serviço Público de Televisão, a RTP e os seus problemas enquanto os destacados responsáveis foram apresentados como providenciais salvadores.Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,Por diversas ocasiões, o Governo tem apresentado as suas opções políticas com a justificação de pretender salvar a RTP. No entanto, se confrontarmos essas mesmas orientações do Governo - bem como as suas mais que previsíveis consequências - com a afirmação deste tipo de justificações, ficamos com a desconcertante imagem de uma faca que se encosta ao pescoço, ouvindo-se ao mesmo tempo dizer: - «é com esta faca que te vou salvar»...O que está verdadeiramente em causa é muito mais que a possibilidade ou não do saneamento financeiro da RTP e da garantia de condições para a prestação efectiva do Serviço Público de Televisão.Aliás, só por inconsciência ou má-fé se pode subscrever a tese de que é o 2.º canal de emissão em aberto da RTP a causa e a raíz do problema. Não se pretenda transmitir a ideia de que há duas RTPs, cada uma com seu canal, e que a supressão de um deles é a solução milagrosa!Ainda para mais se tivermos em conta as afirmações do Senhor Ministro da tutela, quanto à vontade manifestada de criar outro ou outros canais da RTP... para transmissão por cabo. Fica no ar esta dúvida: sendo assim, porque não a emissão em aberto? Porquê a decisão obstinada de o remeter para o universo fechado - e pago - da Televisão por cabo? Afinal, não resta apenas um canal da RTP!A única conclusão a que se pode chegar é que, nesta fase crítica do mercado publicitário, o que está em causa é a neutralização da ameaça - ou do obstáculo - que a RTP possa representar para os canais privados de televisão em Portugal. E isto é que é grave! Não é aceitável que se decida delapidar o Serviço Público de Televisão, no momento e na medida dos sinais de alarme dos operadores privados.O que é indispensável é que a RTP tenha o seu projecto próprio, reestruturado, assente nos dois principais canais de serviço público, com uma rigorosa imputação de custos, com uma justa definição das indemnizações compensatórias - que o Estado tem de pagar atempadamente. E que não se impeça a RTP de obter receitas de publicidade, garantindo-se sim um financiamento público que assuma a parte decisiva da capacidade financeira da empresa.Pela nossa parte, o PCP está à vontade para abordar esta matéria. Sempre denunciámos frontalmente os erros do passado. Sempre recusámos o debate viciado que se limitasse à opção entre ferir de morte a RTP ou deixar tudo na mesma. De resto, registe-se que têm sido os próprios profissionais da RTP os primeiros a chamar a atenção para a necessidade de tomar medidas que apontem para a viabilidade da estação, e não para o seu desmantelamento.Também por isso saudamos os trabalhadores da Radio Televisão Portuguesa.Saudamo-los, pela clara resposta que têm dado na defesa do Serviço Público de Televisão. Pela unidade que já demonstraram por todo o País em torno desta causa nacional. Mas também pela inequívoca demonstração de solidariedade que têm merecido da parte de artistas, intelectuais, representantes de trabalhadores, estruturas de diversos sectores da vida nacional. E tantos cidadãos anónimos.As manifestações de repúdio a esta política e a estes planos do governo são, elas próprias, afirmações de cidadania. E por outro lado, a sua qualificação de «passerelles e festivais de folclore», feita pelo Sr. Ministro, é bem ilustrativa, não do que se passou nas ruas e avenidas, mas sim do que se passa no pensamento dos actuais governantes.Não é preciso ler pensamentos. Basta ler afirmações, atitudes políticas, intenções manifestadas ou tacticamente omitidas, para extrair as conclusões necessárias sobre as opções políticas que este Governo pratica e, não menos significativo, sobre a ideia de democracia que revela.

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