Intervenção de

Politica de Saúde

 

Interpelação ao Governo n.º 29/X sobre Politica de Saúde

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhora Ministra da Saúde,

Há uma linha de fronteira que marca toda a diferença entre política de esquerda e política de direita: é a concepção e a razão de ser das opções de fundo em matéria de saúde. E a essência de uma política de saúde é a resposta a uma pergunta primordial: o que está em causa é garantir um direito - ou um negócio?

Para o PCP, o que está em causa é um direito das populações, um pilar fundamental do desenvolvimento de um povo e de um país, uma conquista incontornável do Portugal de Abril. Assim é o Serviço Nacional de Saúde, consagrado na Constituição da República Portuguesa como instrumento para que o Estado cumpra a sua responsabilidade em garantir a todos os cidadãos o acesso aos cuidados de saúde, em condições de igualdade.

Mas a verdade é que a acção concreta deste Governo vai exactamente no sentido inverso, olhando para a saúde como um negócio de milhões para os interesses privados. Um negócio garantido, com clientes garantidos e receita garantida. As populações pagam directamente do seu bolso e com os seus impostos - e os grupos económicos acumulam os lucros.

Aqui mais uma vez o PS e o PSD são pai e mãe da mesma criatura: com as famosas parcerias público privadas, o que temos é uma transferência gigantesca de recursos públicos para cofres privados, durante trinta anos, a pretexto da construção de hospitais públicos.

Mas o Governo decidiu favorecer ainda mais os grupos económicos, e inventou parcerias para a própria gestão clínica dos hospitais, passando uma esponja sobre os resultados desastrosos da gestão privada do Hospital Amadora/Sintra e sobre o esbanjamento de dinheiros públicos que ali aconteceu durante treze anos. Nem o Governo da Senhora Thatcher conseguiu ir tão longe!

O Relatório do Tribunal de Contas do passado mês de Abril dá-nos uma ideia do escândalo que tem sido este processo das PPP.

Chegou-se ao ponto de conduzir processos de avaliação e contratação através de outsourcing - foi a privatização do próprio planeamento! Entretanto, não há dinheiro para o investimento público.

Com o encerramento de unidades de saúde, com a diminuição de horários, com os blocos operatórios parados, com a saída de profissionais esgotados e revoltados, o sector privado esfrega as mãos de contente. Quando as pessoas passam horas e horas nas urgências, à espera de serem atendidas, algumas recorrem em desespero aos hospitais privados. Algumas não têm alternativa. Algumas morrem na sala de espera.

Em Portugal, o peso da despesa com medicamentos face ao total da despesa na saúde é dos maiores da Europa. Mas o Governo comprometeu-se com a indústria a aumentar o número de medicamentos não sujeitos a receita médica, que passam a ser vendidos fora das farmácias. A quem pertencem os postos de venda "alternativos"? Resposta: 50% do total, ao Grupo Sonae.

Na ADSE, o Governo assinou protocolos com hospitais privados, proporcionando-lhes perto de um milhão, duzentos e setenta mil potenciais "clientes". A Senhora Ministra da Saúde já veio dizer que isto não lhe parece muito bem e que até já falou com o Ministro das Finanças, que terá respondido que ia pensar.

Entretanto, os hospitais continuam a discriminar os utentes (os da ADSE e os do SNS), o Ministro continua a pensar, os utentes esperam, o Estado paga, e os Grupos Mello e CUF vão recebendo!

Questionada mais uma vez pelo PCP, a Senhora Ministra voltou a fugir à questão e às responsabilidades concretas que o Governo tem de assumir sobre a matéria. Só faltou dizer: «não me metam no assunto que eu não tenho nada a ver com isto». É inaceitável que uma situação com esta gravidade seja ignorada desta forma pela tutela da Saúde.

O Governo aliás faz-se de cego e de surdo às reivindicações e à luta da população e dos utentes da saúde. Mas a vida vai demonstrando como tem sido indispensável essa luta contra o desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde, e na exigência de uma resposta efectiva às carências gritantes do país.

O processo do Hospital no Concelho do Seixal tem sido um exemplo flagrante desta realidade. Os compromissos até agora assumidos pelo Governo resultaram sempre, mas sempre, da luta das populações. Primeiro não ia haver hospital nenhum. Depois, com a luta, lá se anunciou que ia haver hospital... mas sem urgências nem internamentos. Agora, com a luta que tem continuado, anuncia-se uma urgência básica... mas nada de internamento. É um verdadeiro insulto às populações.

Enquanto tudo isto acontece, o Governo garante apoios financeiros directos à construção de hospitais privados. Há um mês, em Vila do Conde, o Primeiro-Ministro fez-se representar na colocação da primeira pedra do futuro hospital privado, com abertura anunciada para o ano que vem. Essa unidade ficará a dois passos do também planeado Hospital Público Póvoa de Varzim/Vila do Conde.

O que é verdadeiramente extraordinário é que o Ministério da Economia tenha dado a este hospital privado o estatuto de PIN / projecto de Potencial Interesse Nacional, num favorecimento descarado de interesses económicos na saúde. Quando o Ministério da Saúde encerra centros de saúde e maternidades - e se recusa a abrir 18

novos serviços (que o digam também as populações do Litoral Alentejano, até hoje sem maternidade) - aí temos o Ministério da Economia a atribuir honras de projecto PIN a um hospital privado!

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhores Membros do Governo,

Nesta Interpelação ao Governo, o PCP reafirma que o País não está condenado a esta política de direita.

A saúde e a vida dos portugueses não são uma mercadoria. A saúde tem que ser de facto um direito de todos, como manda a Constituição. Não pode ser um negócio ou um privilégio de alguns.

As populações, os utentes e os profissionais da saúde aí estão, a responder com a luta. Na exigência de uma mudança de rumo, de uma política alternativa, se constrói hoje o futuro para uma vida melhor.

Disse.

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