Intervenção de

Política de combate à corrupção - Intervenção de Bernardino Soares na AR

Debate de urgência  sobre a política de combate à corrupção

Sr. Presidente,
Sr. Ministro da Justiça,
Srs. Deputados:

Esta matéria que hoje discutimos tem, evidentemente, uma incidência muito especial nas formas de organização e na política em relação à Administração Pública, como bem afirma o próprio Relatório que tão referido tem sido neste debate.

É evidente que quanto mais aumentarem as situações de nomeação política na Administração Pública, quanto mais relevante for a parte de nomeação política para os altos cargos da Administração Pública, mais estaremos perante situações que criam o clima propício quer à desconfiança quer à existência da corrupção e dos actos fraudulentos a que estamos a referir-nos.

Quanto mais tivermos na Administração Pública, não um vínculo público estável, com deveres bem definidos em termos de fidelidade às obrigações que um agente tem de ter, mas cada vez mais um vínculo precário, um vínculo mais difuso, mais estaremos a criar condições para que a corrupção ao nível da Administração Pública campeie, aumente e progrida.

uanto mais, ao nível da Administração Pública, estivermos a atirar para fora da esfera do Estado, através de privatização, de «externalização», como o Governo agora gosta de dizer, através de empresarialização, isto é, atirando para difusas formas jurídicas de organização de serviços públicos e da actividade do Estado o que devia ser feito pelo próprio Estado, mais estamos a criar condições para que, a esse nível, com menos controlo e com menos regras definidas de forma estrita (como aquelas que existem para a Administração Pública), aumente e progrida a corrupção.

Esta política para a Administração Pública, uma política de degradação e de maior precariedade
dos vínculos, quer das entidades que prestam os serviços quer dos funcionários, cria um clima mais favorável para a corrupção, para o aumento da corrupção.

É evidente que isto também se aplica à acumulação de funções públicas e privadas.

Sr. Ministro da Justiça, é ou não verdade que, em sectores essenciais da Administração Pública, como a saúde ou as obras públicas, o controlo da promiscuidade entre os que exercem ao mesmo tempo funções públicas e privadas é muito menor do que aquele que deveria existir, permitindo situações de clara promiscuidade e de claro conflito de interesses.

Queria ainda referir — discordando neste ponto — que o GRECO (Grupo de Estados contra a Corrupção) manifestou algum «conforto» em relação ao empenhamento da Assembleia da República no controlo dos conflitos de interesses e das incompatibilidades. Julgo, porém, que este relatório já devia estar feito quando decorreu aqui, na Assembleia, o último debate sobre incompatibilidades e impedimentos dos Deputados, porque se assim não fosse, se tivessem assistido a esse debate, teriam constatado que o Partido Socialista, a maioria, não quer introduzir regras da maior sanidade para este regime!

Não quer, por exemplo, impedir que o regime que hoje existe para empresas de capitais exclusivamente públicos se alargue a todas as empresas e entidades onde o Estado tenha um papel preponderante.

Aproveito, aliás, para recordar as palavras do então Deputado Alberto Costa, proferidas em Junho de1995, num debate sobre esta matéria. Defendia então «haver limitações de forma a que os Deputados não possam receber serviços prestados nas condições que foram indicadas, incluindo-se nestes não apenas consultoria ou assessoria mas, também, a emissão de pareceres de qualquer natureza».

E acrescentava o então Deputado Alberto Costa, dirigindo-se ao PSD: «Aqui bate o ponto, aqui está a diferença! Estarão dispostos a excluir da clientela possível de Deputados empresas de capitais públicos, de capitais maioritariamente públicos?». Pois bem, Sr. Ministro Alberto Costa, aqui está, de facto, o ponto: é que o Partido Socialista está a ser hoje conivente com situações de clara promiscuidade de Deputados que desempenharam amplas funções públicas e que hoje estão exercendo o mandato de Deputados, acumulando- o com funções em sectores privados onde tiveram responsabilidades acrescidas; de Deputados que desempenham a função pública de Deputado e que, ao mesmo tempo, se mantêm a prestar serviços para entidades onde o Estado tem um papel predominante, como certas empresas concessionárias de
serviço público.

É também a este nível que o Governo e o Partido Socialista têm de dar o exemplo, e não o têm querido fazer até agora.

 

 

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