Dando seguimento às conclusões da Cimeira de Lisboa, a Comissão
Europeia apresentou recentemente várias propostas referentes à
abertura ao mercado de algumas vertentes do sector de transportes.
Em Janeiro 2002 a Comissão apresentou o Livro Branco (1)
sobre "A política europeia de transportes no horizonte 2010: a hora
das opções" que se encontra actualmente em discussão.
Todavia, e embora não haja ainda uma opinião definitiva sobre
o futuro do sector, foram já apresentando um novo pacote para o sector
ferroviário denominado "Rumo a um espaço ferroviário
europeu integrado" e outro para o transporte aéreo "Céu
único europeu".
Vejamos do que se trata:
Sector ferroviário
Nos últimos 30 anos, enquanto o volume de mercadorias transportadas
aumentava de forma espectacular, a quota de mercado do caminho-de-ferro baixava
de 21,1% em 1970 para 8,4% em 1998. Ora, de acordo com outras experiências,
o declínio do caminho-de-ferro não é uma fatalidade.
O Livro Branco aponta para a necessidade de revitalização deste
meio de transporte - com a qual não podemos deixar de concordar considerando
tratar-se do meio de transporte mais seguro e menos poluente - e faz uma análise
das "razões" que levam à falta de competitividade do
caminho-de-ferro em relação a outros meios de transporte, principalmente
em relação à rodovia. Elas são os desequilíbrios
das condições intermodais, a insuficiente aplicação
da legislação social noutros sectores, a falta de material circulante
(nomeadamente de locomotivas), e mesmo de maquinistas.
Neste documento, porém, não se refere que a deterioração
do sector é também resultado da falta de investimentos nas infra-estruturas
- principalmente na sua modernização - da redução
de pessoal especializado, da redução da oferta e no aumento dos
preços.
Face à análise feita, a Comunicação da Comissão
(2) aponta como solução a criação
de um verdadeiro mercado interno do caminho-de-ferro para o qual se deverá
proceder à construção de um espaço ferroviário
europeu jurídica e tecnologicamente integrado e anuncia uma lista de
medidas sobre as "Formas de dinamizar o mercado ferroviário e melhorar
a qualidade: acções futuras":
- Medida nº 1 -Propor medidas jurídicas e sugerir acções
voluntárias complementares para assegurar um sistema global de incentivos
de qualidade (2002). - Medida nº 2 - Alargamento do domínio de aplicação
do conceito de "candidato" definido na Directiva 2001/14/CE, a fim
de permitir que um maior número de intervenientes reserve capacidades
na infra-estrutura ferroviária (2003/2005). - Medida nº 3 - Alteração da Directiva 2001/14/CE tendo
em vista estender as competências das entidades reguladoras previstas
no seu artigo 30º aos serviços fornecidos às empresas ferroviárias,
a fim de garantir um acesso não discriminatório a tais serviços
(2003/2005). - Medida nº 4 - Estabelecer um plano europeu de aplicação
dos sistema de gestão de tráfego - ERTMS (2002). - Medida nº 5 - Definição das condições em
que as empresas ferroviárias podem beneficiar da simplificação
do regime de trânsito aduaneiro comunitário, no âmbito
da revisão dos trâmites de trânsito ferroviário
(2002). - Medida nº 6 - Proposta de medidas para reduzir as emissões sonoras
dos vagões de mercadorias novos (2003/2005).
Para acelerar o processo, a Comissão Europeia apresentou, entretanto,
cinco propostas de acção legislativa:
- Proposta de Directiva relativa à segurança dos caminhos-de-ferro
e que altera a Directiva 95/18/CE relativa às licenças das empresas
de transporte ferroviário e a Directiva 2001/14/CE relativa à
repartição de capacidade da infra-estrutura ferroviária,
à aplicação de taxas de utilização da infra-estrutura
ferroviária e à certificação da segurança
- COM(2002) 21 final. - Proposta de Directiva que altera a Directiva 96/48/CE e a Directiva 2001/16/CE
relativas à interoperabilidade dos sistema ferroviário transeuropeu
- COM(2002) 22 final. - Proposta de Regulamento que institui a Agência Ferroviária
Europeia - COM(2002) 23 final. - Proposta de adesão à Convenção relativa aos
Transportes Ferroviários Internacionais (COTIF) - COM(2002) 24 final. - Proposta de Directiva que altera a Directiva 91/440/CE relativa ao desenvolvimento
dos caminhos de ferro comunitários - COM(2002) 25 final.
E é esta tentativa de acelerar todo este processo que nos preocupa e
preocupa igualmente a generalidade dos deputados do Grupo da Esquerda Unitária
Europeia. De acordo com as reuniões que se têm desenrolado, quer
a nível nacional quer a nível comunitário, com os representantes
dos trabalhadores, são diversas as interrogações que se
levantam.
A situação na maioria dos Estados-membros é tal que sem
elevadíssimos investimentos em infra-estruturas não será
possível dar solução ao congestionamento que se verifica.
A abertura à concorrência só por si não resolverá
o problema pois, havendo uma só linha, quem terá a prioridade:
os transportes de passageiros ou de mercadorias? a empresa mais poderosa que
se candidatar aos canais horários mais interessantes?
O transporte ferroviário tem de ser considerado como serviço
público e como tal a rentabilidade a retirar do investimento é,
no essencial, social. A produtividade não aumenta com o aumento da produção.
Até aqui tem passado pela diminuição dos custos (no geral
com mão-de-obra) e do investimento.
As experiências de liberalização do sector já existentes
não auguram nada de bom. Na Alemanha é catastrófica a situação
dos trabalhadores pois a proliferação de empresas provocou a diminuição
e fragilização dos seus direitos e não melhorou a qualidade
dos serviços. A situação no Reino Unido é ainda
pior e têm-se constatado, infelizmente com alguma regularidade, as consequências
do declínio dos aspectos de segurança por falta de investimento.
E como a situação se tornou insustentável, será
agora o Estado a investir o capital necessário.
Se no Parlamento Europeu se constrói uma opinião de que este
exemplo não deve ser seguido, ninguém ainda conseguiu apresentar
um modelo de liberalização que promova altos níveis de
qualidade do serviço a preços acessíveis, um elevado padrão
de segurança e a manutenção dos direitos dos trabalhadores.
O Grupo GUE/NGL não apoiará qualquer proposta que ponha em causa
estes objectivos.
Transporte aéreo
Como já está referido anteriormente, a Comissão apresentou
um pacote de propostas de regulamento (3) que visam a
realização do céu único europeu:
1. que estabelece o quadro para a realização do céu único
europeu
2. relativo à prestação de serviços de navegação
aérea no céu único europeu
3. relativo à organização e utilização do
espaço aéreo no céu único europeu
4. relativo à interoperabilidade da rede europeia de gestão de
tráfego aéreo
Um dos argumentos essenciais para a apresentação destas propostas
reside nos atrasos verificados nos voos, e que se pretende sejam da responsabilidade
do controle de tráfego aéreo.
É notório o aumento do número de voos nos últimos
anos e, portanto, qualquer proposta que vise dotar o sistema de maior capacidade
e coordenação que antecipe o previsível crescimento do
sector, merecerá apoio.
O que rejeitamos, é que com base neste falso argumento - o controle
aéreo só é responsável por certa de 27% dos atrasos
verificados - se pretenda proceder à liberalização deste
sector.
De acordo com o Tribunal de Justiça Europeu, esta actividade é
considerada um serviço público, sem objectivos económicos,
cuja finalidade é garantir a segurança das pessoas e bens transportados
e das populações sobrevoadas. Sob a coordenação
do EUROCONTROL, este serviço tem vindo a corresponder ao aumento do tráfego
aéreo, nomeadamente pela modernização do seu equipamento
e, portanto, não é de estranhar que as organizações
representativas dos trabalhadores nos diversos Estados-membros se manifestem
contra.
Mas a situação é ainda mais complicada.
Com estas propostas, o espaço aéreo de cada Estado-membro tornar-se-à
espaço comum, começando a comunitarização pelo espaço
acima dos 28.500 pés, passando a todo o espaço aéreo três
anos depois. Por outro lado, a redefinição pelo futuro Comité
do Céu Único das regiões de informação de
voo de forma a criar blocos funcionais, poderá ter como consequência
que estas venham a não coincidir com as fronteiras territoriais, o que
provocará a eliminação do conceito de "espaço
aéreo nacional" e, portanto, à perca dos respectivos poderes
de soberania.
Para além disso, mesmo no que se refere à utilização
do espaço aéreo pelas Forças Armadas, no quadro de objectivos
de defesa nacional, este poder de soberania ficaria dependente da autoridade
comunitária reguladora, que delibera por maioria qualificada.
É por estas razões que, tal como fizemos em 2000 aquando da discussão
da Comunicação da Comissão sobre esta matéria (4),
não daremos o nosso apoio a estas propostas de Regulamento que, lembramos,
serão de transposição automática para o direitos
nacional.
(1) - COM(2001) 370 final
(2) - COM(2002) 18 final
(3) - COM(2001) 123 final/2 e COM(2001) 564 final/2
(4) - COM(1999) 614
Fátima Garcia