Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

Política do medicamento

O SNS e a política do medicamento

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Os portugueses têm bem a consciência de que o Serviço Nacional de Saúde está a atravessar um plano inclinado com a política deste Governo e na sequência de políticas anteriores.
Sabem que, do ponto de vista dos serviços, da falta de profissionais, da dificuldade de acesso aos tratamentos, às consultas e às cirurgias, a situação está cada vez pior para a generalidade da população portuguesa, o que é culpa da política do Governo, é culpa da política de vários governos. Ainda agora, estas medidas de corte cego nas horas extraordinárias e no funcionamento dos serviços, de proibição de contratação de profissionais e de eliminação de postos de trabalho nos serviços públicos estão a criar severas dificuldades à população portuguesa.
Quero referir um exemplo: a rede de emergência pré-hospitalar.
Ontem, tivemos na Assembleia o Governo a garantir, mais uma vez, que nada vai mudar, que não vão reduzir os dispositivos, quando sabemos que hoje, dia 1 de Julho, a ambulância de Suporte Imediato de Vida (SIV) de Moura passa a ter um único enfermeiro, quando devia ter seis para assegurar os turnos necessários.
Assim, agora, em vez de ser SIV vai passar a ser uma ambulância com suporte básico de vida, que não tem as mesmas competências do que aquela que foi prometida para acorrer às populações que ficaram mais longe de urgências hospitalares.
A mesma coisa se pode dizer em relação à situação da SIV de Elvas, que passa também a ter turnos inoperacionais porque saiu mais um enfermeiro, passando a haver só dois enfermeiros para assegurar os turnos, sendo também substituída, a partir de amanhã, por uma ambulância de mais baixo recorte técnico.
Aí está o efeito da política do Governo, do PEC aprovado pelo Governo e pelo PSD, das medidas de austeridade aprovadas pelo Governo e pelo PSD, que estão a retirar serviços públicos de saúde às populações do nosso País, e isso está bem à vista neste exemplo das ambulâncias.
Os projectos de lei que o BE nos traz hoje a debate são muito importantes e vão no sentido correcto, de uma forma global, ou seja, no sentido de poupar dinheiro aos utentes e também de racionalizar e de usar melhor o dinheiro do Estado na despesa com medicamentos. Mas, ao contrário do que é proposto nestes projectos de lei, o Governo tem feito outra coisa: tem poupado dinheiro ao Estado à custa dos utentes, à custa daqueles que mais precisam de apoio, por exemplo, nas comparticipações.
Temos hoje uma falácia que o Governo, através dos seus assessores de imprensa, conseguiu vender a alguns órgãos de comunicação social, isto é, a ideia de que, a partir de hoje, os cinco medicamentos genéricos mais baratos passam a ser comparticipados a 100%. Ora, isto é uma mentira total. O que acontece a partir de hoje é que, em vez de todos os medicamentos genéricos serem comparticipados a 100% para os reformados com pensões inferiores ao salário mínimo, passam a sê-lo só os cinco genéricos mais baratos de cada princípio activo. Esta é a alteração, e não é para mais, é para menos, ao contrário daquilo em que os assessores de imprensa fizeram acreditar alguns jornalistas, que investigaram pouco este assunto antes de fazer a notícia.
É preciso dizer também que foi o Governo do PS que, nestas últimas semanas, diminuiu em 30% o preço de referência de comparticipação. Ora, isto significa que sempre que um médico receite um medicamento de marca num princípio activo onde há genérico o utente vai pagar 30% mais. Quem inventou o preço de referência foram o PSD e o CDS quando estavam no governo; e, depois, o PS manteve-o quando chegou ao governo com José Sócrates.
Aí está o efeito desta medida, uma medida que, em vez de obrigar aqueles que têm de prescrever a fazê-lo por princípio activo, obriga os utentes a pagar quando a decisão do médico é prescrever o medicamento de marca.
É preciso dizer também que hoje aumenta o preço da generalidade dos medicamentos porque o Governo aumentou a taxa de IVA nos bens essenciais. E aqui está um bem essencial: os medicamentos, cuja taxa de IVA aumentou 20%, porque um aumento de 5% para 6% de taxa de IVA é um aumento de 20%, apesar de ser apenas um ponto percentual.
É preciso dizer ainda que, ao longo destes anos — e um dos projectos de lei do BE responde a essa questão —, foram sendo diminuídas as comparticipações em cada escalão dos quatro escalões de comparticipação, sendo hoje bastante mais baixas do que eram há cinco ou seis anos.
Concluímos, por isso, que, de 2004 a 2008, segundo dados do Infarmed, os utentes pagaram, em relação aos medicamentos, mais 120 milhões de euros. Dito de outra forma, pagaram, em 2008, 120 milhões de euros a mais do que tinham pago em 2004 por efeito de todas estas medidas.
A prescrição por denominação comum internacional é uma absoluta necessidade e já está, de alguma forma, na Lei n.º 14/2000, de 8 de Agosto, aprovada com base num projecto de lei apresentado pelo PCP, um projecto aprovado no tempo em que havia maioria relativa do PS e que este partido, depois, apoiou — com certas condições, é verdade — no debate na especialidade.
Nesta altura, o que é que o CDS e o PSD fizeram em relação à prescrição por princípio activo? O CDS votou contra, como votou contra todas as iniciativas do PCP que propunham a instituição da prescrição por princípio activo. Bem-vindo o CDS! Acho que mudar de opinião é positivo.
Podemos até dizer que, nesta matéria, o CDS é uma espécie de cristão-novo da prescrição por DCI.
A Lei n.º 14/2000, de 8 de Agosto, foi alterada pelo governo PSD/CDS-PP. Uma das coisas que foi revogada foi a existência de um formulário nacional do medicamento, para que, tal como acontece nos hospitais, em todo o lado, tenha de se prescrever pelo princípio activo. Isso é uma necessidade absoluta e em nada interfere com a autonomia dos médicos na sua prescrição.
E não nos venham dizer que o problema se deve colocar em relação à diferença entre os vários
medicamentos, genéricos ou de marca, porque o Governo e o PS não podem, quando defendem a necessidade de baixar as comparticipações onde há genéricos, dizer que os medicamentos são todos iguais e, depois, quando se trata de discutir a prescrição pelo princípio activo, já achar que os medicamentos genéricos não são iguais aos medicamentos de marca, como ainda hoje aqui vimos. É um «fatinho» à medida do debate: conforme for o debate, assim o PS veste o «fatinho» respectivo.
É preciso ainda dizer que a proposta do Bloco de Esquerda que se baseia na alteração do novo Estatuto do Medicamento, aprovado em 2006, mantém também facultativa a questão da imposição da marca, a seguir à prescrição por princípio activo. Ora, julgo que devíamos caminhar para abolir essa possibilidade. É que, se houver uma situação em que, por qualquer razão clínica legítima, o médico entender que deve ser mesmo determinado medicamento e não qualquer outro igual do mesmo princípio activo, então, explica ao doente e certamente o doente vai perceber isso e tomar a opção correcta. Se não impusermos a prescrição por princípio activo como regra, sem a imposição da marca, este problema em relação à prescrição por princípio activo não se resolverá, no nosso País.
Mas é verdade que não podemos limitar a captura da questão do medicamento na parte da prescrição e, depois, deixar que ele seja capturado na parte da dispensa. Penso que é muito importante que se tomem medidas para que não possa acontecer na farmácia aquilo que não queremos que aconteça na prescrição. E para isso é preciso estabelecer regras muito claras em matéria de dispensa de medicamentos nas farmácias, que obriguem a que as farmácias dispensem não o medicamento que lhes dá mais jeito para o seu negócio mas aquele que é, de facto, mais barato para o utente.
E, vejam lá, a tal lei proposta pelo PCP continha disposições neste sentido. Efectivamente, no seu artigo 3.º, dizia que a farmácia tinha de informar o utente de todos os medicamentos existentes no princípio activo receitado e tinha de informar qual era o mais barato, para o utente poder escolher o mais barato.
A Sr.ª Deputada Clara Carneiro está a dizer que sim! Muito bem, não é, Sr.ª Deputada?! Mas o seu governo revogou este artigo e isso deixou de ser obrigatório, deixou de ser aplicado e é por isso que, hoje, os senhores não têm legitimidade para falar deste problema como a senhora falou aqui neste debate.
Finalmente, Sr. Presidente, quanto a vários outros projectos de lei do Bloco de Esquerda, relativos à questão da dispensa de medicamentos nos hospitais e à questão do preço de aquisição dos medicamentos pelos hospitais, claramente inflacionado em relação a outros países da Europa, acompanhamos genericamente essas várias iniciativas.
Termino, dizendo o seguinte: em várias intervenções hoje aqui produzidas, falou-se do problema das consequências financeiras destas decisões. Falou o PS e falou o PSD. Ora, acho que se deve atender, sim, às consequências financeiras destas decisões, mas às consequências que o facto de se diminuir o apoio do Estado tem, no plano financeiro, para aquelas famílias que precisam de apoio para ter os seus medicamentos, para os reformados com reformas baixas, para aquelas famílias, para os utentes e os doentes que precisam das comparticipações que o Governo lhes está a retirar, com o apoio do PSD. Essas é que são as dificuldades financeiras que temos de pôr na nossa lista como prioritárias e não outras que são sempre invocadas para cortar direitos e nunca invocadas para acabar com os privilégios dos que muito têm.

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