Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

Política de transportes públicos, centrada no transporte ferroviário

Interpelação sobre orientações do Governo para a política de transportes públicos, centrada no transporte ferroviário
(interpelação n.º 12/XI/2.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
O Governo pode repetir até à exaustão os mesmos argumentos das boas intenções, das sustentabilidades, das racionalidades, mas a realidade é cada vez mais evidente e revela-se nas decisões concretas que o Governo vem anunciando.
E o que é que temos, Srs. Membros do Governo? Temos um Governo que está a reduzir no Orçamento do Estado o investimento para a ferrovia a mínimos históricos e relembro que neste Governo do PS já tivemos «PIDDAC a zero» para a ferrovia e, agora, temos «PIDDAC a 8 milhões de euros» para a ferrovia.
Temos, de facto, um Governo cujas orientações são para desmantelar o serviço público e o operador público de transporte ferroviário e temos uma política que está a abrir a porta aos negócios para os interesses privados neste sector, entregando-lhes a gestão de transportes suburbanos fundamentais para as populações, quando a experiência concreta já demonstrou quais são os resultados para os utentes e para o próprio transporte colectivo desse tipo de políticas e desse tipo de opções.
Temos, por exemplo, a ligação Lisboa/Setúbal, que está entregue a privados há cerca de 12 anos, e que, nesta medida, constitui um exemplo paradigmático relativamente a uma história muito mal contada pelo Governo nas justificações fracas que apresenta e que têm a ver com as directivas comunitárias e as contratualizações.
Srs. Membros do Governo, está para nascer a primeira pessoa que demonstre, cabalmente, que é forçoso privatizar, que é forçoso entregar a privados um serviço de transporte, mesmo que tenha de ser contratado. Ainda ontem à tarde, quando questionado pelo PCP sobre a Fertagus, o Sr. Ministro disse que (e estou a citar) «é um caso extremamente interessante de como pode ser levada a cabo uma política de transportes e um exemplo positivo que deve ser analisado e considerado nas soluções a adoptar.»
Ora bem, esta política, esta «receita» que os senhores querem aplicar para a restante rede ferroviária de transportes suburbanos, o que demonstra é que…
Um exemplo concreto, Sr. Ministro: o custo do passe da CP para Queluz/Belas, que distam 11 km, é de 22,75 €, mas o passe da Fertagus, daqui ao Pragal, que também dista cerca de 11 km, é de 35,80 €; em relação à Azambuja, na CP, o passe é de 47,80 € e em relação a Setúbal, na Fertagus, que é uma distância semelhante, o passe é de 111 €.
É este o resultado das vossas políticas, Sr. Ministro!!
O problema é que nós temos aqui um belíssimo negócio para os interesses privados mas um péssimo negócio para o Estado e para as populações. O passe social não vale para a Fertagus, Sr. Ministro!
É esta medida que os senhores querem entregar aos privados — e isso nada tem a ver com contratações e com medidas de compensação de transporte e com aquilo que está previsto. Aliás, nós sabemos muito bem que, enquanto tudo isto acontece, nos últimos seis anos o Estado pagou à concessionária privada perto de 180 milhões de euros entre indemnizações compensatórias e verbas especialmente autorizadas em Conselho de Ministros, em 2005.
Neste contexto, é verdadeiramente inaceitável que o Estado tenha prolongado por mais nove anos, numa negociação à margem da lei e do que o contrato de concessão previa, através da publicação de um decretolei, o contrato de concessão a esta empresa para a ligação Lisboa/Setúbal.
Este é um decreto-lei inaceitável e queremos aqui anunciar, Srs. Membros do Governo e Sr. Presidente, que o PCP vai entregar hoje um requerimento para apreciação parlamentar do decreto-lei que prolonga por mais nove anos e altera as bases da concessão à Fertagus na ligação Lisboa/Setúbal, porque esta é uma história mal contada e tem de servir de exemplo para aquilo que está para ser decidido pelo Governo numa política desastrosa para o interesse nacional, das populações e do próprio incentivo ao transporte colectivo.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações,
Há pouco disse coisas absolutamente lamentáveis e que mais valia que não tivessem sido ditas. Disse o Sr. Ministro que havia neste debate um olhar conservador, como se estivessem crianças a olhar para comboios.
Olhar conservador, Sr. Ministro?! Crianças a olhar para comboios, Sr. Ministro?!
Então, diga-nos lá o que é ser responsável e ser moderno! É asfixiar a EMEF? É ordenar cortes
orçamentais e cancelamentos incompreensíveis em investimentos fundamentais para a indústria ferroviária? É condenar à morte lenta um sector fundamental da nossa economia e da nossa indústria? É apontar para 468 despedimentos só na EMEF, tal como é previsto pela CP? Responsável e moderno é aplicar na EMEF a mesma receita que no passado condenou, por acção conjunta e sucessiva dos governos do PS e do PSD, a Sorefame ao desaparecimento?
Falou o Sr. Ministro, ontem à tarde, nesta Assembleia, em procurar novos negócios para a EMEF! Referiu ainda que faz viagens acompanhado de administradores da EMEF! E, agora, decidiram cortar?! Em quê e para quê, Sr. Ministro? Na EMEF? Num sector estratégico da nossa produção nacional que pode concorrer para exportarmos mais e para importarmos menos?! É disto que os senhores falam quando expõem as vossas teorias gerais da sustentabilidade e as vossas palestras sobre razoabilidade económica!
Sr. Ministro, então onde é que estão as medidas que podem significar que os senhores passam das palavras aos actos defendendo a EMEF, em vez de a entregarem a quem a possa destruir, como já aconteceu no passado?!
Sr. Ministro, estas são perguntas concretas para as quais precisamos, o País precisa, de encontrar respostas concretas!
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sobre a Fertagus e a linha Lisboa/Setúbal, o PCP já entregou uma iniciativa para debate parlamentar. Por isso, teremos oportunidade de discutir esse «bom negócio» e esse «bom exemplo» que os senhores referiram.
Sobre a EMEF, os senhores trataram com uma displicência lamentável a situação da empresa, a
perspectiva desta empresa e dos trabalhadores, sendo verdadeiramente preocupante que, perante esta ameaça concreta de mais de um milhar de despedimentos só naquele grupo, haja esta tranquilidade, como se nada se estivesse a passar, e, relativamente a uma orientação que não existe para todos os efeitos, por parte do Governo e da Administração, mas que existe no terreno, nomeadamente com o encerramento de linhas e com alterações anunciadas de 1 de Fevereiro em diante, os senhores dizem que nada está decidido quando está anunciado e está no terreno essa ordem por parte da empresa.
Portanto, Srs. Membros do Governo, é de uma falta de honestidade política a todos os níveis verificarmos que há esta fase de «nada está decidido, nada se diz» para muito em breve, pelos vistos, passarmos para uma fase em que tudo está decidido e, portanto, nada se diz.
Não podemos aceitar esta lógica de despedimentos e de produção de desemprego em que esta política do Governo está a transformar-se.
Mas não temos memória curta e sabemos que o desmantelamento da ferrovia não é de agora. Hoje, está a assistir-se à continuação do caminho de desmantelamento que vem sendo aplicado desde há mais de 20 anos, desde o tempo dos governos do PSD, no início da década de 90, e que continua com esta política e com esta orientação.
A verdade é uma só, e está bem à vista, Srs. Deputados: é que o PS e o PSD são duas faces de uma mesma política. A diferença aqui não é mais à esquerda ou mais à direita, é mais depressa ou mais devagar, e o problema está aí. É que se um diz «mata», o outro diz «esfola».
Assistimos a um debate em que, como diz a minha avó Alice, «diz o roto ao nu: por que não te vestes tu?».
Ao longo de 20 anos, os problemas permanecem, esta situação vai-se agravando e o PS e o PSD trocam responsabilidades, acusando-se mutuamente, mas com uma comum política de direita que está a levar o País a este rumo de desastre nacional.
Sabemos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que não estamos condenados a este caminho e o País há-de fazer a agulha para uma política de desenvolvimento e de defesa do interesse nacional, com a luta das populações e dos trabalhadores. Não será certamente com este pingue-pongue a que assistimos mais uma vez esta tarde.

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