Política de saúde

 

Interpelação sobre saúde

Intervenção de Bernardino Soares na AR

 

Sr. Presidente,

Começo por esta última questão.

De facto, há notícias insistentes de que o preço de entre 300 e 400 medicamentos estará a ser aumentado ao abrigo do regime de revisão excepcional do preço dos medicamentos, baseando-se em relatórios sobre o aumento dos custos de produção e em propostas que as empresas apresentam. A revisão de preços que é proposta não diz respeito a novos medicamentos mas aos que já se encontram no mercado.

Assim, queria perguntar se é ou não verdade que está a verificar-se o aumento do preço de entre 300 e 400 medicamentos, se é ou não verdade que, nalguns casos, o preço dos medicamentos aumenta quatro vezes, ou até seis vezes nalguns casos em particular, e se é ou não verdade que este procedimento de revisão excepcional dos preços tem como regra o sigilo sobre os critérios que fundamentam as propostas das empresas farmacêuticas. Isto é, ninguém pode controlar se a decisão é tomada com base em critérios objectivos e justos ou se é tomada com base em critérios que só favorecem as empresas farmacêuticas.

E não esqueçamos que a política do Governo significou, em 2006 - últimos dados disponíveis, porque os de 2007 continuam a não estar disponíveis -, um aumento de quase 6% naquilo que os utentes pagaram directamente nos medicamentos.

A segunda questão tem a ver com as convenções e o novo regime que está em discussão pública, a qual está, aliás, a terminar. Sr.ª Ministra, quero fazer-lhe uma pergunta que tem a ver com o seguinte: o regime propõe que os hospitais públicos possam concorrer em paralelo com os privados para satisfazer necessidades do Serviço Nacional de Saúde em determinadas matérias. Mas, então, Sr.ª Ministra, vamos lá ver, e «expliqueme como se eu tivesse seis anos», isto: o Estado tem uma necessidade e tem capacidade para responder a essa necessidade. Mas, em vez de o fazer através de acordos entre os próprios hospitais, vai pôr essa necessidade a concurso e, depois, vai concorrer à necessidade que ele próprio, Estado, tem. Então, Sr.ª Ministra, explique-me lá qual é a racionalidade desta política e diga-me se o que se devia exigir não era que só houvesse recurso a convenções por concurso quando estivessem esgotadas todas as capacidades do Serviço Nacional de Saúde.

Se a Sr.ª Ministra admite que os hospitais públicos também concorram, é porque têm capacidades. E se eles têm capacidades é porque não está esgotada a capacidade do Serviço Nacional de Saúde.

Há aqui um paradoxo que a Sr.ª Ministra tem de explicar, sobretudo tendo em conta que, cada vez mais, o nosso Serviço Nacional de Saúde é onerado por serviços que dá para fora, quando podia fazê-los ele próprio, com melhor qualidade na maior parte das vezes, e com custos mais aceitáveis e melhores para a gestão do Serviço Nacional de Saúde.

 (...)

Sr. Presidente,

Srs. Deputados,

Srs. Membros do Governo:

Queria ainda referir-me a questões anteriormente colocadas pelo meu grupo parlamentar.

Já agora, em relação aos dados do INE que o Sr. Secretário de Estado Francisco Ramos citou, fico na dúvida se essa identificação na base 100 com anos anteriores significa que as populações pagam menos ou que deixaram de ter dinheiro para comprar os medicamentos de que precisam. Esta é uma pergunta a que o Governo deveria dedicar-se.

Voltando à questão do aumento, confirmado pelo Governo, de umas centenas de medicamentos por proposta da indústria farmacêutica, gostava também de realçar que não foi dada qualquer resposta ao facto de este processo não ser transparente, de este processo ser mantido em segredo e de, portanto, não serem sindicáveis as razões para a aceitação do aumento proposto pela indústria farmacêutica.

Depois, ainda em relação às convenções, queria clarificar esta questão: o Governo respondeu-nos aqui que é para resolver um problema legal que a proposta está formulada da maneira em que está, mas o que o Governo tem de garantir - e ainda pode fazê-lo no encerramento deste debate - é que não haverá convenção com o privado enquanto houver público disponível. Essa é que é a garantia que temos de ter!

Porque se não for isso a questão que colocámos tem toda a pertinência. Se há hospitais públicos com disponibilidade, então, não pode o Estado pôr a concurso aquilo que ele próprio tem condições para resolver dentro do serviço nacional de saúde.

Quanto à VMER, Sr.ª Ministra, o problema, como a senhora bem sabe - e não basta responder dizendo que, há uns anos, não havia VMER -, é que a VMER que lá está, muitos dias, não funciona. O carro está lá parado, mas não tem tripulação!

Esse é que é o problema a que o Governo tem de dar resposta!

E mesmo as outras ambulâncias que o Governo colocou, em muitas ocasiões, estão na mesma situação. A Sr.ª Ministra pode indignar-se à vontade com a questão colocada, mas a verdade é que o Governo tem de dar uma resposta àquelas populações e tem de responder que vai garantir que há carro e tripulantes para o fazer funcionar.

Finalmente, Sr.ª Ministra, a questão dos recursos humanos.

Sr.ª Ministra, vejo que, de forma tímida, o Governo já avança com algumas medidas, designadamente em conversações com outros países, para procurar atalhar um problema que vai ser seríssimo nos próximos anos e que já hoje é muitíssimo grave. Porque a Sr.ª Ministra sabe bem que os médicos que estão, neste momento, em formação ou a sair da formação não vão ser suficientes, em muitas especialidades, para fazer face à saída de um conjunto muito grande de profissionais que entraram ou saíram das faculdades de medicina nos anos a seguir à Revolução e que vão chegar todos à idade de aposentação nos próximos anos, com as consequências que isso tem.

Portanto, não estamos num processo de continuidade; estamos num processo que vai ter um momento de queda abrupta de profissionais. E é para essa queda abrupta que não há respostas para a dimensão do problema que vamos ter.

Sr.ª Ministra, tudo isto já seria grave se não tivéssemos o problema que hoje temos de êxodo de médicos para o sector privado, e isso decorre da acção do Governo.

A Sr.ª Ministra não tomou qualquer medida para contrariar a prática do Governo nesta Legislatura: a criação de piores condições para se ser médico, para se ser profissional de saúde no serviço nacional de saúde; o desaparecimento de vínculos; o desaparecimento de carreiras; as condições de trabalho orientadas por uma gestão economicista que incomoda os médicos no exercício da sua profissão. E isso não foi alterado.

Essa é a razão principal para este êxodo.

E pode a Sr.ª Ministra até encontrar algumas soluções de contingência para a aposentação de muitos médicos, mas se não atalhar a este problema da saída para o privado o problema que temos em termos de profissionais de saúde será muitíssimo agravado e a responsabilidade será deste Governo.

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