Intervenção de

Política de ensino levada a cabo pelo Ministério da Educação - Intervenção de Miguel Tiago na AR

Declaração política, tecendo  críticas à política de ensino levada a cabo pelo Ministério da Educação, designadamente as alterações ao modelo de gestão democrática das escolas públicas

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

O ataque que este Governo tem dirigido à escola pública não tem precedentes.

Este Governo entende a escola pública como um qualquer departamento do Ministério da Educação e não como um elemento estruturante da sociedade, das comunidades e da própria democracia. Assim, instrumentalizando, ordenando e impondo, o Governo desfere diariamente os golpes que condenam a escola pública à instabilidade, de que é exemplo a política de ataques aos direitos dos professores.

Nesse caminho de destruição, o Governo sempre soube que se cruzaria com a firme oposição daqueles que nela - na escola - empenham os seus dias e as suas vidas de trabalho, os professores. Por isso mesmo, fragilizar a posição desses agentes educativos é uma prioridade deste Governo.

É nesta estratégia de desmantelamento que se insere claramente a intenção do Governo de acabar com a gestão democrática das escolas, entregando as suas direcções a órgãos unipessoais, provocando uma regressão de mais de 30 anos, reabilitando velhos métodos, travestindo-os de novidade. Está à vista a farsa política: diz o Governo que quer abrir a escola à comunidade, mas fecha a escola de si própria; diz o Governo que quer fomentar a autonomia, mas determina tudo, incluindo o funcionamento da própria vertente pedagógica da escola.

Está bem à vista de todos o clima de instabilidade por que a escola passa neste momento: os professores sentem a sua profissão mais desvalorizada do que nunca; os estudantes continuam confrontados com uma escola que faz deles, cada vez mais, peças para a engrenagem do mercado, em vez de cidadãos e cidadãs para a construção de um país e de um futuro melhores, e protestam, como se viu no dia 31 de Janeiro, em que os estudantes do ensino secundário, que aqui saudamos, fizeram sair à rua o seu descontentamento, por todo o País.

Entretanto, com a publicação, em 10 de Janeiro de 2008, do Decreto Regulamentar n.º 2/2008, que estabelece as regras para a avaliação do desempenho dos professores, surgiu uma nova afronta à dignidade dos professores. O Governo exige a conselhos pedagógicos e executivos que aprovem os instrumentos de registo e os indicadores de medida no prazo de 20 dias após a entrada em vigor desse regulamento, mas esquece que esse mesmo diploma determina que esses instrumentos e indicadores tenham em conta as «recomendações que forem formuladas pelo conselho científico para a avaliação de professores», conselho que o Governo não teve sequer capacidade, ou mesmo vontade, para constituir.

Perante esta situação, o Governo decide cobrir a sua incompetência com a habitual prepotência e, contornando a lei que o próprio Governo criara, contornando mesmo a decência e a legitimidade, o Governo transfere as competências de todo o conselho científico para a pessoa da sua presidente, através de um despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, como forma de apressar as decisões. Como se de coisa pouca se tratasse a avaliação dos professores!...

O Governo, nesta sua fúria contra os professores, não respeita sequer as leis que produz e desautoriza mesmo um conselho que não chegou a criar.

Além das incongruências temporais e formais óbvias, conselhos executivos, conselhos pedagógicos e professores, em cada escola, estão confrontados com a necessidade de tomada de decisões que em nada se conjugam com a lei em vigor, fruto da instabilidade criada pela acção deste Ministério da Educação.

A confusão e a incompetência, aliadas a esta veia autoritária e impositiva do Governo, têm lançado as escolas para uma situação inédita de pré-ruptura e de franca precariedade, com custos elevadíssimos para a qualidade do ensino, para os estudantes e para os professores, no plano da sua vida profissional e mesmo pessoal.

Como se não bastasse, o Governo avança agora com um projecto de decreto-lei que subverte radicalmente a forma e o espírito da escola pública, que põe fim à gestão democrática, que centraliza o poder numa só figura não eleita, que levará, directamente, até à escola, as orientações do Ministério, como se uma escola não fosse um ente fundamental da democracia, com agentes próprios - sociais, económicos e regionais, internos e externos -, mas apenas uma qualquer empresa tutelada pelo Governo.

Quer agora o Governo fazer-nos crer que a solução para os problemas da escola pública passa pelo ataque aos professores, pelo fim da eleição democrática dos órgãos de gestão, pela degradação da qualidade do ensino e pela centralização unipessoal do poder administrativo e pedagógico. Quer agora o Governo iludir o facto de que a escola pública não se faz sem investimento, sem infra-estruturas, sem professores, funcionários e estudantes motivados, que não se faz enquanto os critérios económicos e administrativos se sobrepuserem aos pedagógicos.

O PCP não se conforma com este ataque à gestão democrática. E, por isso mesmo, desafia o Governo a trazer a sua proposta à Assembleia da República, que confronte esta Assembleia com o fim da gestão democrática e não o tente fazer pela calada.

É nesse sentido que o PCP apresentará, ainda esta semana, um projecto de lei para a gestão democrática dos estabelecimentos de ensino, que sirva o País e o povo, aprofundando o caminho apontado pela Lei de Bases do Sistema Educativo e pela Constituição da República Portuguesa, os caminhos da democracia, da participação, da igualdade e da cultura, que nunca desistiremos de defender e de trilhar.

As falhas da escola pública corrigem-se com o aprofundamento das suas capacidades e potencialidades, com o aprofundamento da democracia e não com o regresso ao que já falhou rotundamente no passado.

(...)

Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Olímpia Candeias,

Muito obrigada pelas questões que colocou.

De facto, muitas vezes quem não frequenta o mundo real é o partido que está no poder, o Partido Socialista, que se recusa não só a alterar o seu comportamento político como a reconhecer aquilo que fora das portas desta Assembleia se passa à vista de todos.

Julgo que é bastante fácil sentir - qualquer um de nós que se desloque a uma escola, a um estabelecimento de ensino, sentirá - a instabilidade, até a aflição, com que os professores, os conselhos executivos e os conselhos pedagógicos lidam neste momento, tendo em conta a trapalhada e a confusão que o próprio Ministério da Educação vai emitindo, nomeadamente neste processo da avaliação dos professores.

Mas também esta, digamos, superintendência subjectiva do diploma da gestão vai criando uma instabilidade ainda maior (agora, junto com o processo de avaliação dos professores), com alterações ao sistema dos departamentos dentro das escolas, etc.

Tudo isso vai originando uma cada vez maior incapacidade de os professores e os conselhos executivos pedagógicos gerirem todo este manancial confuso de orientações.

Mas não estamos todos de acordo, infelizmente, Sr.ª Deputada, pois a análise e a avaliação que a esquerda e a direita fazem são manifestamente distintas. Lamento até que o seu partido, o Partido Social Democrata, não acompanhe essa sua preocupação em defesa da escola pública, porque não são poucas as vezes em que esse partido claramente diz que o que está em causa não é a propriedade da escola, que a escola pública não é em si um bem mas, sim, o serviço público, claramente remetendo para o cumprimento do serviço educativo por agentes privados.

De facto, são o país e o seu futuro que estão em causa. E aí, sim, estamos de acordo porque o sistema educativo é uma peça central do desenvolvimento. Aliás, é um instrumento central para a própria democracia e é exactamente por isso que a Constituição da República Portuguesa estabelece o direito ao ensino e o sistema de ensino público.

Mas há uma coisa em que não posso concordar consigo: é que o Governo não quer reformar o ensino público, o Governo não quer reformar a educação pública e a escola pública, porque caso contrário saberia bem que o faria com os professores. O Governo quer destruir e é por isso que não quer os professores.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado José Paulo Carvalho,

Aproveito também para saudar o assunto que nos trouxe, ainda que, obviamente, os nossos pontos de vista sejam discordantes.

De facto, o caminho que este Governo tem seguido na educação é descabido do ponto de vista daqueles que defendem a escola pública. Mas faz todo o sentido para aqueles que defendem o fim da escola pública e a sua substituição por qualquer outra coisa, que ainda ninguém teve bem a coragem de dizer o que é.

Sr. Deputado, confiar nos Deputados do Partido Socialista é esperança vã.

Lamento dizer-lhe, mas, na nossa interpretação, é esperança vã porque não há consciências de esquerda que legitimem estas políticas de direita.

Os Deputados do Partido Socialista estão, de facto, coniventes com esta política e, obviamente, todos subscrevem a política de direita que este Governo tem seguido.

Sobre a última questão que colocou, relativa aos decretos-lei e à forma como o Governo se furta a trazer a esta Assembleia esta discussão, respondo-lhe o seguinte: obviamente que para cumprir os seus objectivos a democracia é sempre um empecilho. E, se o Governo quer destruir os instrumentos da democracia, obviamente não vai potenciar a discussão colectiva democrática.

E foi exactamente por isso que o PCP, hoje, anunciou que apresentará um projecto de lei sobre a gestão democrática das escolas que garante os pressupostos estabelecidos na Lei de Bases do Sistema Educativo e na Constituição da República Portuguesa e que forçará que seja discutido, nesta Assembleia, o regime de gestão da escola pública.

(...)

Sr. Presidente,

O Sr. Deputado Bravo Nico praticamente nada perguntou, antes fez um discurso a defender o actual estado das coisas.

Portanto, bastar-me-ia realçar que o Sr. Deputado defende o actual estado das coisas: defende a escola como ela está, defende os professores quase a baterem com a cabeça nas paredes de aflição porque não conseguem lidar com as orientações que chegam à escola, que se contradizem no dia seguinte ...

Ou seja, fazendo os habituais discursos inflamados a que já nos habituou, o Sr. Deputado Bravo Nico vem aqui dizer que vivemos no «País das maravilhas», em que os meninos não abandonam a escola porque o Governo do Partido Socialista salvou o País!

Julgo que a realidade está à vista, Sr. Deputado Bravo Nico!! E, por mais que aqui venha e faça o seu serviço, conte as suas histórias e sorria quando se senta, isso não altera a realidade lá fora!

E o que se verifica lá fora é uma situação que em nada coincide com aquela que aqui descreve do «tudo vai bem».

Já agora, Sr. Deputado, uma vez que aproveitou para intervir, era bom que se tivesse pronunciado sobre a posição do seu partido em 1991, quando o PSD propôs a unipessoalidade da direcção das escolas.

Na altura, o PS - também de uma forma inflamada - foi contra, porque isso era um ataque à democracia. Mas hoje, afinal de contas, a unipessoalidade da direcção das escolas é a tábua de salvação para o sistema público de ensino.

Afinal, a sua pergunta, Sr. Deputado Bravo Nico, não foi atrasada mas, sim, descabida.

 

 

 

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