Intervenção de

Política de arrendamento - Intervenção de Miguel Tiago na AR

Debate sobre política de arrendamento

 

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades,

Teremos, certamente, ocasião, durante o debate de hoje, de fazer essa abordagem mais sistemática das questões do arrendamento - o próprio Grupo Parlamentar do PCP o fará -, mas, por hora, gostaríamos de deixar aqui duas ou três perguntas em torno de uma questão bastante concreta, que contribui de forma central para o aparelho, para o sistema e para a conjuntura sistemática do arrendamento, que é o Porta 65 - Jovem.

Mas, já agora, gostaríamos de ligar isto a uma pergunta prévia. O Sr. Secretário de Estado disse que estamos, de facto, a presenciar uma dinamização do mercado de arrendamento. Ora, eu julgo que seria bom para todos que o Sr. Secretário de Estado pudesse indicar-nos a sustentação dessa declaração.

Sobre o Porta 65 - Jovem, nós, PCP, desde cedo, denunciámos o corte de 42% que se adivinhava logo no Orçamento do Estado. Facilmente se perceberia que a intenção que vinha depois era a de cortar, muito embora o Governo tenha tentado fazer crer que o Porta 65 - Jovem iria ser um mecanismo de apoio e de incentivo ao arrendamento por jovens e que estaria, porventura, à altura do que era o incentivo ao arrendamento por jovens. Ora, a realidade demonstra-nos o contrário: foram apresentadas 3600 candidaturas, contra um universo de mais de 20 000 jovens que antes usufruía do incentivo ao arrendamento por jovens, dos quais 11 000 obtiveram esse incentivo fraudulentamente, mas não foi capaz de agir contra essa realidade e acabou, liminarmente, com o incentivo.

Portanto, era bom que fizéssemos um balanço concreto, comparando também estes números, e que o Sr. Secretário de Estado nos dissesse se há ou não qualquer intenção do Governo de intervir neste desequilíbrio que foi introduzido no sistema pelo Governo com o Porta 65 - Jovem.

O Sr. Ministro do Ambiente veio à Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território dizer que havia disponibilidade para alterar o Porta 65 - Jovem. Dias depois, no jornal, disse que se enganou, que foi o calor do momento, e que não haveria alterações no Porta 65 - Jovem. Eis que, agora, somos presenteados com a «benevolência» do Governo, dizendo que, afinal, novamente atentou num regime que tem erros e, portanto, procederá à introdução de algumas alterações. Resta ainda saber quais, mas estamos confiantes de que o Sr. Secretário de Estado, hoje, não vai esconder desta Assembleia quais são as suas intenções...!

Uma última questão, Sr. Secretário de Estado, sobre a fase de esclarecimentos do acesso ao Porta 65 - Jovem, que decorre no momento em que falamos: 56% dos 3600 candidatos foram sujeitos a pedidos de esclarecimento, conforme prevê a lei. No entanto, estes pedidos de esclarecimento, como o Sr. Secretário de Estado sabe, implicam uma resposta, que tem de ser dada pelo candidato no prazo de cinco dias úteis. Ora, estão a ser pedidos aos candidatos documentos que nem sequer dependem de si, dependem das autarquias e dos proprietários. Portanto, como é que, em cinco dias úteis, estes candidatos poderão obter os documentos, que, inclusive, não foram divulgadas inicialmente e em relação aos quais, nomeadamente, os serviços das autarquias nem sequer têm o conhecimento necessário para saber quais são os documentos que é necessário dar?

Sr. Secretário de Estado, era bom que também se pusesse, de vez, um fim a estas burocracias e  que essa fosse também uma preocupação nas alterações ao Porta 65 - Jovem.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

O PSD traz hoje à Assembleia da República o tema do arrendamento urbano, certamente preocupado com a falta de eficácia do Novo Regime de Arrendamento Urbano. É bom que recordemos que existe uma perspectiva consonante nas bancadas da direita no que toca a regimes de arrendamento. Aliás, o próprio governo PSD/CDS-PP apresentou nesta Assembleia, dias antes da sua queda, as suas propostas para o regime de arrendamento e as linhas mestras desse regime não eram significativamente distintas daquelas em que actualmente nos movemos.

No essencial, a direita junta-se em redor da defesa da parte mais forte da relação contratual do arrendamento: a do senhorio, proprietário. A submissão política, quer deste quer do anterior governo, às regras do mercado conduziram a uma confiança cega nos seus mecanismos e não produziu os efeitos que a direita e o Governo esperavam.

A obsessão pela auto-regulação do mercado, no entanto, tem-se demonstrado um erro em que tanto o CDS como PSD e o PS persistem. O direito à habitação foi transformado num gigantesco mercado, onde o que menos importa é exactamente a garantia do direito à habitação ao encontro do que estabelece a Constituição da República Portuguesa.

Existem actualmente cerca de 650 000 fogos devolutos, dos quais apenas 180 000 se encontram à venda.

Cerca de 2 250 000 fogos carecem de reparações médias, grandes ou muito grandes. Em 1981, 39% da habitação correspondia a arrendamento e apenas 52% a propriedade. Em 2006, apenas 18% correspondem a arrendamento e o restante a propriedade. As famílias portuguesas têm níveis de endividamento superior a 124% do rendimento. Estes números mostram bem os resultados das opções dos governos ao encontro da sacralização do mercado. Os grandes interesses económicos são os primeiros a lucrar com a actual situação, nomeadamente a banca e outros interesses obscuros que se movem por detrás de cada edifício devoluto e por cada espaço sob a pressão da especulação imobiliária. Existe um estímulo objectivo para a compra e para o recurso ao crédito que acentua a irracionalidade da construção desmesurada e do crescente número de fogos devolutos, com os custos económicos para o País que daí advêm.

O actual estado do arrendamento urbano em Portugal é o reflexo de uma política de satisfação dos desejos dos grandes proprietários, dos grandes grupos económicos e da banca, encostando mesmo à parede os pequenos proprietários e promovendo uma política de acumulação patrimonial e uma reserva habitacional degradada, particularmente nos centros urbanos, deslocando as famílias cada vez mais para as zonas periféricas das cidades, acrescentando novos custos em transportes para os necessários e esgotantes movimentos pendulares de casa/trabalho, trabalho/casa.

É o próprio Governo que remete o problema da habitação para o plano do mercado, retirando-o do plano dos direitos. Assim, o Governo demite-se da sua intervenção numa área intrinsecamente ligada a uma dimensão social, agindo apenas no plano assistencial. É o próprio Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local que afirma que o Governo se limitará a «seguir as reacções do mercado e a experiência de outros países no que toca ao combate ao abandono de prédios». Resta saber quem orienta o mercado e assim ficaremos a saber quem orienta o Governo.

Mesmo no que toca ao combate ao abandono e à proliferação de edifícios devolutos, importa perguntar o que tem sido feito. Que mecanismos de limitação à especulação imobiliária têm sido criados? Quantas obras coercivas foram de facto levadas a cabo e, mais importante, que condições foram efectivamente dadas às autarquias para que pudessem intervir? Quais os reflexos fiscais, nomeadamente no IMI da propriedade habitacional devoluta?

Se, por um lado, a habitação assenta num mercado, o Governo não pode deixar de reconhecer e salvaguardar a sua componente social. A situação criada actualmente, com a política do Governo e a cumplicidade das forças da direita, caracteriza-se claramente por um desincentivo ao arrendamento (do que é exemplo óbvio o Porta 65), mas também por uma desprotecção da parte mais fraca dos contratos de arrendamento, a do arrendatário. Já agora, aproveitamos para acusar a Juventude Socialista que, no terreno, critica frontal e abertamente o programa Porta 65 e depois vem aqui, afinal, «puxar-lhe o brilho» e dizer que é essa maravilha que vai resolver o problema da juventude!

Confrontados com uma situação pouco compensatória no plano fiscal, muitos senhorios decidiram não actualizar os valores patrimoniais mas proceder a aumentos das rendas baseados em negociação directa com os inquilinos. Isto significa que um número de rendas muito maior do que aquele identificado no registo informático sofreu de facto aumentos. Mas significa também que estão a ser levados a cabo aumentos de rendas sem nenhuma cobertura legal e onde, certamente, a parte mais frágil do contrato é a mais afectada.

As comissões arbitrais municipais, estabelecidas na própria lei e apontadas como um instrumento central para o seu cumprimento, ainda hoje não funcionam na esmagadora maioria dos municípios portugueses e não existe uma resposta capaz e eficiente por parte dos organismos públicos, quer no que toca à aplicação da lei quer à divulgação necessária para o seu cumprimento. Uma vez mais, é beneficiado quem detém a posição mais forte, que acaba por aumentar as rendas contornando os mecanismos previstos na lei.

Dizia o Governo, quando aqui apresentou a proposta de lei do Novo Regime de Arrendamento Urbano, que «o bloqueamento do mercado de arrendamento tradicional teve por contrapartidas a especulação dos preços dos novos arrendamentos e a decadência dos centros urbanos, progressivamente insalubres, desertificados e inseguros.» E dizia também: «não se trata de uma iniciativa isolada, será completada por um programa de acção legislativa que (...) integra um conjunto de medidas complementares» para a dinamização do arrendamento. Se o Governo se referia então a medidas como o Porta 65, valia mais ter ficado quieto!

Ao fim de dois anos de Novo Regime de Arrendamento Urbano, persistem os problemas essenciais com que se cruzam inquilinos e senhorios, reinam a inoperância da fiscalização e da observação do Estado e a desregulamentação e continua a desenvolver-se uma política de gestão territorial completamente submissa aos interesses da construção e do crédito hipotecário, em detrimento da dinamização do parque habitacional existente.

É urgente criar uma política de ordenamento do território e da habitação capaz de harmonizar a organização urbana com as necessidades das famílias e orientada sempre para o incremento do bem-estar e da qualidade de vida. É urgente romper com a promoção sistemática do crédito hipotecário e estimular verdadeiramente o arrendamento regulado e salvaguardando a estabilidade necessária.

É urgente a intervenção do Estado e a promoção de métodos alternativos de construção e garantia do direito à habitação, nomeadamente através do estímulo à construção a custos controlados e à autoconstrução.

Passados dois anos sobre a aprovação da lei do Novo Regime do Arrendamento Urbano, verificamos que os inquilinos estão num regime mais instável e mais incerto.

Só uma política que assuma como principal objectivo o cumprimento do direito à habitação, ao invés do funcionamento do mercado, poderá pôr fim à actual situação de especulação em torno dos valores das rendas e de abandono e acumulação de propriedade. É essa política que tanto o Partido Socialista como o Partido Social Democrata teimam em não prosseguir.

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