Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

"A política da troica rouba aos portugueses qualquer esperança de um futuro melhor!"

Aprova o Orçamento do Estado para 2013 e Aprova as Grandes Opções do Plano para 2013
(propostas de lei n.os 103/XII/2.ª e 100/XII/2.ª)
Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
O Orçamento do Estado para 2013 é um Orçamento de desastre nacional! É um Orçamento que ilustra, de forma trágica, o que significa para Portugal e para o povo português a política da troica.
Uma política de empobrecimento generalizado, de redução brutal de salários e pensões, de afundamento da economia, de destruição do emprego e de ataque às funções sociais do Estado. É uma política que rouba aos portugueses qualquer esperança de um futuro melhor!
Há um ano, neste Hemiciclo, o Governo apresentou o Orçamento do Estado para 2012. Era, nas palavras do Primeiro-Ministro, um Orçamento que exigia imensos sacrifícios aos portugueses, mas que prepararia a recuperação económica do País. Um ano depois, o que vemos é o afundamento da economia. Pretende, agora, o Governo impor aos portugueses novos e brutais sacrifícios com o Orçamento do Estado para 2013. Argumenta que estes sacrifícios são necessários para a tal recuperação económica de que falava há um ano. Todos sabemos muito bem que, com esta política, a economia nacional dará mais um passo na direção do abismo. O Governo irá, então, anunciar aos portugueses um novo e mais brutal pacote de austeridade, num processo sem fim, de ataque aos direitos dos trabalhadores e de saque da riqueza nacional.
Justificando-se com a necessidade de consolidar as contas públicas e de honrar os compromissos com a troica, o que o Governo pretende é uma profunda reconfiguração do Estado, à custa dos direitos sociais. É esta a velha aspiração da política de direita: acabar com as funções sociais do Estado; acabar com um sistema de segurança social que protege os cidadãos na doença, na velhice, na invalidez, na viuvez e na orfandade, bem como no desemprego; acabar com o Serviço Nacional de Saúde, universal, geral e gratuito; acabar com a escola pública e democrática. O Orçamento do Estado para 2013 é apenas mais uma peça nesta vasta ofensiva antissocial e, por isso, antidemocrática, que pretende liquidar os direitos arduamente conquistados pelos trabalhadores e pelo povo português, ofensiva à qual o PCP dará um combate sem tréguas.
Comparativamente a 2011, o corte nas despesas da saúde é de 660 milhões de euros, enquanto na educação, também relativamente a 2011, o corte é de 1125 milhões de euros. Nas prestações sociais e nas pensões, o Governo pretende cortar 1040 milhões de euros, em 2013, reduzindo as prestações de doença e o subsídio de desemprego. Estes números traduzem bem a amplitude da ofensiva contra as funções sociais do Estado.
O Orçamento do Estado para 2013 constitui um autêntico assalto fiscal aos portugueses. Não a todos, já que o Governo insiste em não tributar de forma adequada os ricos e os poderosos, os grandes grupos económicos e financeiros, aqueles que sempre se furtaram a pagar os impostos devidos, por via de escandalosos benefícios e isenções fiscais, ou simplesmente através de manobras como aquela que a Jerónimo Martins está a preparar para a distribuição de dividendos.
Em sede de IRS, a opção de classe do Governo revela-se claramente na reestruturação dos escalões: o maior aumento percentual verifica-se nos escalões de rendimentos mais baixos. Para um casal com um filho, cujo rendimento bruto mensal é de 1200 euros, o aumento no IRS será de 75%, enquanto um outro casal, também com um filho, mas com um rendimento bruto mensal 50 vezes superior, terá um aumento apenas de 15% no IRS.
Ao propor a reestruturação dos escalões do IRS, o Governo opta por penalizar severamente os escalões de rendimentos mais baixos e tratar os rendimentos das camadas intermédias como se fossem grandes fortunas. Acresce ainda que o Governo pretende aplicar uma sobretaxa de 4%, no IRS, a todos os contribuintes, a qual, somada ao aumento do imposto por via da reestruturação dos escalões e à imposição de novos tetos para as deduções com a habitação, a saúde e a educação, representa um inaceitável esbulho dos rendimentos dos trabalhadores, dos reformados e pensionistas.
Em sede de IRC, o Governo estima uma receita adicional de 173 milhões de euros. Mesmo tendo em conta os encerramentos e falências das micro, pequenas e médias empresas — resultantes da política da troica —, este diminuto acréscimo de receita fiscal, em sede de IRC, mostra claramente que a proclamada tributação adicional sobre as grandes empresas com lucros mais elevados não passa de mera propaganda governamental. Os 17 principais grupos económicos e financeiros acumularam, entre 2004 e 2011, lucros líquidos de cerca de 46 000 milhões de euros — repito, 46 000 milhões de euros! É aqui que o Governo deve ir buscar o acréscimo de receita fiscal, e não aos trabalhadores, aos reformados e aos pequenos empresários.
Contrariamente ao que o Governo afirma, a repartição do esforço fiscal não é justa nem equitativa. Para o grande capital, estão reservadas medidas com reduzido impacto orçamental. O Governo continua a recusar-se a tributar o grande capital de forma adequada. Recusa-se a eliminar um alargado conjunto de benefícios fiscais, em sede de IRC. Recusa-se a tributar, em sede de IRC, as mais-valias mobiliárias das SGPS. Recusa-se a criar uma taxa aplicável a todas as transações realizadas nos mercados financeiros, solicitando apenas uma autorização legislativa, que provavelmente ficará na gaveta ou deixará de fora o essencial. Mais uma vez, com este Orçamento, o Governo permite que a banca e os grupos económicos fujam às suas responsabilidades, enquanto sobre os ombros dos trabalhadores e do povo é colocada uma insuportável carga fiscal.
Com o Orçamento do Estado para 2013, o flagelo nacional que é o desemprego irá agravar-se ainda mais. Nas estimativas do Governo, a taxa de desemprego atingirá os 16,4%. Mas este valor está subestimado, pois assenta numa previsão completamente irrealista de diminuição do PIB e não tem sequer em conta o despedimento coletivo que o Governo se propõe levar a cabo na Administração Pública. Onde estão, no Orçamento do Estado, as medidas de promoção de crescimento económico e de criação de emprego? Não estão! Não estão, porque, para este Governo e para esta política, a prioridade não é o combate ao desemprego; a prioridade é a obsessão do défice orçamental e da dívida pública, mesmo que o seu custo seja de 1 300 000 desempregados.
A Administração Pública continua, com este Orçamento, a ser alvo de um profundo ataque. O Governo planeia reduzir em 50% os contratados a prazo das administrações central, regional e local. Mantém-se o corte salarial entre 3,5% e 10%, agora alargado aos reformados, assim como o confisco do subsídio de férias. O subsídio de Natal, pago agora em duodécimos, é completamente «engolido» pelo aumento do IRS. O pagamento do trabalho extraordinário é reduzido ainda mais. O regime progressivo do aumento da idade da reforma é eliminado. É reduzido o subsídio de doença.
Estas malfeitorias andam de braço dado com outras dirigidas aos trabalhadores do setor privado. Depois da recente revisão do Código do Trabalho, o Governo quer agora confiscar um mês de salário aos trabalhadores do setor privado, por via do aumento do IRS, e reduzir ainda mais o subsídio de desemprego. Com esta brutal ofensiva, o que o Governo e os senhores da troica pretendem é aumentar a exploração de quem trabalha e agravar a distribuição do rendimento entre o trabalho e o capital.
Sob o fogo cerrado da troica e do Governo, estão também os reformados e os pensionistas. O Governo, fazendo-se esquecido de que as pensões são um direito, resultante de uma vida de descontos para a segurança social, prepara-se agora para roubar parte dos rendimentos dos reformados e pensionistas, quer por via da redução das pensões, quer por via do confisco de 90% do subsídio de férias, ou através da subida do IRS. Com estas medidas, que lançarão na pobreza milhares e milhares de cidadãos mais idosos, o Governo e a maioria parlamentar que o suporta mostram uma total insensibilidade social e uma profunda desumanidade.
Também os jovens são esmagados pelo rolo compressor da política da troica. O Governo pretende impor, com este Orçamento do Estado, medidas recessivas que agravarão ainda mais o desemprego, afetando todas as camadas etárias, mas com especial gravidade os jovens. Aqueles que conseguem um trabalho têm de enfrentar a dura realidade dos contratos a prazo e dos recibos verdes, dos horários desregulados, dos salários baixos e da ausência de direitos laborais. Nas escolas e universidades, enfrentam os problemas do subfinanciamento crónico e da falta de condições, num sistema cada vez mais elitista, focado apenas na preparação para o mercado de trabalho.
Privados do direito à habitação, limitados no acesso à cultura, ao desporto e ao lazer, forçados a adiar a constituição de família, sem autonomia económica, os jovens são convidados pelo Governo a abandonarem o País. Mas a juventude não está condenada ao futuro negro que lhe é imposto pela política de direita. Pode e deve tomar o seu destino nas suas mãos, constituindo-se como uma força ativa no combate a esta política e a este Governo.
Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
O Orçamento do Estado para 2013 é um Orçamento de desastre nacional! É mais um Orçamento da política de direita, agravada agora pelo pacto de agressão da troica. Esta política — a política da troica — não só é contrária aos interesses de desenvolvimento e progresso do País, como nem sequer garante a concretização dos objetivos que servem de pretexto para quem a aplica e defende: o equilíbrio das contas públicas, a diminuição e o pagamento da dívida pública.
Só com a rejeição do pacto de agressão e uma política alternativa será possível criar emprego, promover o desenvolvimento económico e o progresso social, assim como resolver os problemas do défice orçamental e da dívida.
O PCP reafirma a necessidade de renegociar a dívida pública, nos seus prazos, juros e montantes, assumindo um serviço da dívida compatível com o crescimento económico e a criação de emprego. Uma renegociação da dívida que permita afetar recursos à recuperação do aparelho produtivo, substituindo importações por produção nacional e reforçando a capacidade exportadora do País.
Uma renegociação da dívida que permita melhorar os salários, pensões e reformas e, em geral, elevar o nível de vida dos trabalhadores e do povo português.
Quando o PCP propôs, em abril de 2011, a renegociação da dívida, os partidos da troica interna insurgiram-se contra esta proposta, que consideraram irrealista, pois provocaria um colapso imediato da economia nacional. A única solução viável, insistiam, era a aplicação do programa da troica, um programa de submissão aos interesses dos grandes grupos económicos e financeiros. Um ano e meio depois, a indispensabilidade da renegociação da dívida é hoje reconhecida por amplos setores da sociedade portuguesa, incluindo muitos daqueles que criticaram originariamente a proposta do PCP.
O caminho da renegociação da dívida pública e de defesa da produção nacional não é uma solução fácil, livre de dificuldades e constrangimentos, mas é aquela que melhor defende o interesse nacional, libertando o País e o povo português das terríveis consequências de novos e ainda mais destruidores programas de austeridade associados a planos de reestruturação da dívida feitos à medida dos interesses da especulação financeira.
Renegociar a dívida é, pois, um imperativo nacional, sem o qual o País será conduzido a um desastre económico e social.
Reafirmamos aqui a absoluta necessidade de rejeitar a política da troica, substituindo-a por uma política patriótica e de esquerda. Uma política assente na valorização do trabalho e dos trabalhadores, na defesa da produção nacional, num papel determinante do Estado na economia, na defesa e reforço do Serviço Nacional de Saúde, na afirmação da escola pública, na garantia de um sistema de segurança social público e universal, na democratização e promoção do acesso à cultura, na defesa do meio ambiente e na promoção de um efetivo desenvolvimento regional, na defesa do regime democrático de Abril e no cumprimento da Constituição da República e na afirmação de um Portugal livre e soberano numa Europa de paz e cooperação.
É esta a alternativa que o PCP propõe ao povo português. É esta a alternativa que assegurará um futuro melhor para Portugal e para os portugueses.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Ministro de Estado e das Finanças,
Há dias, o seu colega de Governo que hoje está sentado à sua direita, o Ministro da Economia e do Emprego, afirmou publicamente que só com crescimento económico se poderia pagar a dívida pública em Portugal. Finalmente, Sr. Ministro, alguém do lado do Governo diz alguma coisa acertada, mesmo que para isso tenha de repetir aquilo que o PCP diz há muito tempo.
Ora, tendo como pano de fundo esta afirmação do Sr. Ministro da Economia, de que só é possível pagar a dívida com crescimento económico, queria colocar-lhe algumas questões.
Hoje de manhã, o Sr. Primeiro-Ministro falou de um valor a partir do qual a dívida tornar-se-ia descontrolada. Quero perguntar-lhe, Sr. Ministro, enquanto responsável pela pasta das Finanças, se pode concretizar qual o valor a que o Sr. Primeiro-Ministro se referia, a partir do qual a dívida pública se tornará descontrolada (utilizo a palavra que foi utilizada de manhã pelo Sr. Primeiro-Ministro).
Há uma segunda pergunta que gostava de colocar-lhe, Sr. Ministro. Com uma recessão crescente, sendo 2013 o terceiro ano consecutivo de recessão, como é que o Sr. Ministro pretende pagar a dívida? Lembro que, com as políticas deste Governo, a dívida subiu para 120% do PIB este ano e, segundo as previsões do Governo, subirá para 124% do PIB em 2013. Neste cenário de agravamento da dívida pública em vez da sua diminuição, e com um cenário de recessão crescente, como é que se pretende pagar a dívida pública? Não estaremos já, Sr. Ministro, a entrar naquele cenário de que falava o Sr. Primeiro-Ministro hoje de manhã, de dívida descontrolada?
Quero colocar uma terceira pergunta, ainda tendo como pano de fundo as declarações do Sr. Ministro da Economia.
Sr. Ministro das Finanças, quando é que reconhecerá finalmente que este caminho que o Governo tem trilhado não é o adequado e é necessário renegociar a dívida pública?
Em abril de 2011, Sr. Ministro, quando o PCP propôs a renegociação da dívida, os partidos da troica interna, o PS, o PSD e o CDS, rejeitaram esta proposta, considerando-a irrealista. Contudo, ano e meio depois, já vários setores da sociedade portuguesa reconhecem a necessidade de renegociar a dívida, inclusivamente aqueles que há ano e meio a rejeitaram categoricamente.
Sr. Ministro, entendemos que a renegociação da dívida é inevitável. A questão não é saber se esta renegociação se fará, é saber quando se fará. A pergunta que queria deixar-lhe, Sr. Ministro, insistindo, é esta: quando é que este Governo reconhecerá a necessidade de renegociar a dívida pública, nos prazos, juros e montantes?
Por fim, já noutro plano, deixo uma outra pergunta.
O Governo tem repetido até à exaustão — e no relatório do Orçamento do Estado para 2013 escreveu-o até à exaustão — que neste Orçamento do Estado há equidade na distribuição do esforço fiscal entre o capital e o trabalho. A pergunta que quero colocar-lhe, Sr. Ministro, para perceber este estranho conceito de equidade do Governo, é relativa à desagregação da verba acrescida de IRS que o Governo pretende cobrar em 2013.
No Orçamento do Estado prevê-se uma cobrança adicional de 2800 milhões de euros para 2013 em sede de IRS, resultando este valor da reestruturação dos escalões de IRS, da aplicação da sobretaxa de 4%, da redução de deduções à coleta na saúde, educação e habitação e, por fim, do aumento da tributação sobre rendimentos de capital e sobre mais-valias mobiliárias. Contudo, no relatório do Orçamento do Estado, o Governo optou por incluir esta tributação proveniente de rendimentos de trabalho e de capital numa única rubrica — 2800 milhões de euros.
Sr. Ministro, queria pedir-lhe — com certeza, não terá esses números disponíveis — que desagregasse estes 2800 milhões de euros de verba acrescida de IRS na componente que resulta da tributação de rendimentos do trabalho e na componente que resulta da tributação de rendimentos do capital, para fazermos uma continha e percebermos este estranho conceito de equidade fiscal que o Governo tem.
Esta é a pergunta que lhe deixo. Penso que o Sr. Ministro não terá dificuldade em desagregar esta verba de 2800 milhões de euros nestas duas parcelas para então podermos avaliar a equidade fiscal — ou a falta dela — no Orçamento do Estado.

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