Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

Política cultural

Críticas à política cultural do Governo

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Nuno Encarnação,
V. Ex.ª fez uma caracterização da política cultural do Governo do Partido Socialista, tanto do actual como do anterior, que em muito poderíamos acompanhar, mas esqueceu-se — e é uma referência que não era descabida na sua intervenção — de referir que o próprio Primeiro-Ministro, no final da anterior legislatura, se arrependeu da pouca atenção dada à cultura, mas, afinal, essa preocupação parece ter desaparecido logo após as eleições.
Portanto, terão sido «lágrimas de crocodilo», choradas em final de legislatura, certamente de olho nos processos eleitorais que se iam seguir e nos votos daqueles que acompanharam a desatenção e a despreocupação em relação a matérias de tanta importância no âmbito da
governação.
O Sr. Deputado Nuno Encarnação trouxe hoje à Assembleia a discussão em torno da política cultural, mas quis deixar de fora o «tango», que o PSD e o PS têm dançado juntos. Ora, também no âmbito das políticas culturais, importa perceber qual é a exacta dimensão do «tango» ou, pelo menos, quem é que vai marcando o passo que, nas políticas culturais, o PS e o PSD vêm dançando ao longo dos anos, Sr. Deputado Nuno Encarnação! É fundamental perceber se o PSD está ou não disposto a contribuir para uma alternativa às políticas culturais deste Governo do Partido Socialista.
O Sr. Deputado falou — e bem! — em vários problemas que resultam da política cultural do Governo do Partido Socialista, mas nós acrescentamos alguns outros dados importantes para esta discussão: o Governo do Partido Socialista acentuou a desresponsabilização do Estado em relação à cultura, que vinha resultando de anteriores governos.
O Governo do Partido Socialista tem acentuado a mercantilização de importantes sectores culturais — aliás, no seguimento das práticas políticas de anteriores governos, inclusive do PSD e do CDS.
O Governo do Partido Socialista tem acentuado o «endeusamento» do mercado, à custa da cultura, bem como da utilização de dinheiros públicos em negócios verdadeiramente ruinosos para o Estado, também no sector da cultura — como, aliás, deu bom exemplo em relação ao que acontece com a Colecção Berardo…!
Mas, Sr. Deputado Nuno Encarnação, o que precisamos de saber é o que pensa o PSD disso, qual é a consequência que o PSD quer retirar disso em termos de alternativa. O PSD está ou não disposto a construir uma verdadeira alternativa?
É porque ainda na semana passada tivemos aqui uma discussão em torno de iniciativas legislativas relacionadas com as condições laborais dos trabalhadores das artes do espectáculo e o PSD entendeu não contribuir com uma iniciativa legislativa, com um projecto concreto, para essa discussão.
Já estivemos aqui, anteriormente, confrontados com discussões em que o PCP apresentou alternativas a estas políticas do Governo e do Partido Socialista, mas o PSD subtraiu-se
sucessivamente a essa discussão. E nós precisamos de saber exactamente se o PSD é ou não uma
alternativa ao Governo do Partido Socialista ou se, tal como tem acontecido ao longo destes 30 anos, vai continuar a dançar esse «tango» em que de vez em quando o CDS lá vai tocando o acordeão!... Precisamos de saber se O PSD quer ou não dançar esse «tango» com o Partido Socialista!
Por isso, o esclarecimento que lhe quero pedir é o de que me diga qual é a verdadeira alternativa que o PSD quer apresentar a este Governo do Partido Socialista ou se, de facto, o PSD não tem alternativa a esta política cultural!
Termino este pedido de esclarecimento com uma referência literária, também do outro lado do Atlântico, a um poema que se chama A hora do cansaço, porque, Sr. Deputado Nuno Encarnação, os portugueses vão ficando cada vez mais cansados.
Tal como neste poema de Carlos Drummond de Andrade, também os portugueses vão ficando cansados e desiludidos com supostas alternativas que afinal depois, quando é a hora da verdade, nunca se concretizam.

  • Cultura
  • Assembleia da República
  • Intervenções