Intervenção

Política criminal

 

Lei sobre política criminal, que define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2009/2011, em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio (Lei-Quadro da Política Criminal)

Sr. Presidente,
Sr. Ministro da Justiça,

Independentemente de considerações que faremos sobre a proposta de lei (proposta de lei n.º 262/X), gostaríamos de começar este debate colocando a questão de saber se já há algum estudo de avaliação, do ponto de vista sociológico, do fenómeno criminal ou se o Governo continua a querer discutir a política criminal com base em palpites.

É que é fundamental percebermos a origem do crime, é fundamental partirmos para esta discussão com base numa análise aprofundada do fenómeno criminal, sob pena de estarmos a discutir sobre coisa nenhuma.

Sr. Ministro, é preciso saber, por exemplo, se o aumento dos crimes de violência doméstica traduz, de facto, um aumento dessa criminalidade ou um aumento da consciência dos que hoje a denunciam. É preciso saber por que é que o Governo aponta como crime de investigação prioritária o casamento de conveniência. Sendo certo que reconhecemos a importância que tal fenómeno pode ter no âmbito do auxílio à imigração ilegal - e, nesse quadro, é óbvio que reconhecemos a importância da tipificação deste crime -, é preciso sabermos mais alguma coisa, Sr. Ministro, para podermos fazer um juízo quanto ao facto de ser considerado como crime de investigação prioritária.

Uma outra questão tem que ver com a avaliação da lei actualmente em vigor. Em 2007, aprovámos uma lei que vigorará até Setembro deste ano. Gostaríamos de saber que avaliação, aprofundada ou não, fez o Governo quanto à aplicação desta lei, que carências foram identificadas no âmbito da investigação criminal e que medidas foram adoptadas para dar resposta às mesmas.

A terminar, Sr. Ministro, gostaria de saber por que razão, nesta proposta de lei, o Governo repete erros já cometidos em 2007, reconhecidos na vigência da lei actual, como, por exemplo, em matéria da norma sobre a prisão preventiva.

Aliás, Sr. Ministro, devo dizer que, em sede desta proposta de lei, a matéria preocupa-nos ainda mais porque a redacção da norma sobre a prisão preventiva levanta problemas ainda maiores do que os que já se verificavam na lei de 2007.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

Mais uma vez, voltamos a estar confrontados, na discussão da lei de prioridades de política criminal, com um problema de fundo, que já se verificou em 2007 e para o qual, aquando da discussão da Lei-Quadro da Política Criminal, já tínhamos alertado.

O problema é que esta lei de duas, uma: ou respeita o princípio da legalidade e a autonomia do Ministério Público e torna-se numa lei votada à inutilidade ou, não respeitando o princípio da legalidade, nem a autonomia do Ministério Público, consegue ter alguma eficácia.

Assim sendo, neste contexto, Sr. Ministro, ou grande parte deste dispositivo legal é votado à inutilidade, porque se limita a reproduzir ou a remeter para outros diplomas legais, ou, então, algumas das suas normas suscitam-nos grandes preocupações.

Há uma outra questão, Sr. Ministro, que quero recuperar aqui. Aquando da discussão de 2007, suscitámos três preocupações relativamente àquela lei e, infelizmente, todas elas vieram a confirmar-se.

Ficamos satisfeitos por perceber que, em relação a uma delas, o Governo recuou, já não incluindo, nesta proposta de lei, a norma, contida na lei actualmente em vigor, que tem a ver com a obrigatoriedade de o Ministério Público impugnar as decisões judiciais.

O Governo reconheceu o erro e ficamos satisfeitos por isso. Mas há outros problemas em relação aos quais o Governo não reconheceu o erro, continuando a insistir na mesma matéria.

O primeiro deles tem a ver com a prisão preventiva. Sr. Ministro, a norma relativa à prisão preventiva que o Governo quis incluir na lei de prioridades de política criminal foi fonte de problemas de aplicação nos nossos tribunais. Infelizmente, o Governo não só não reconhece este erro como insiste nele e agrava-o, agora, com uma remissão para o artigo 204.º do Código de Processo Penal, que vai trazer novos problemas no âmbito da aplicação da prisão preventiva.

Um outro problema tem a ver com as medidas previstas no artigo 16.º da proposta de lei, que diz respeito às medidas especiais, às quais o Governo agora acrescenta uma nova obrigação ao Ministério Público, que é a de remeter os processos para a mediação penal.

Sr. Ministro - e dizemo-lo uma vez mais -, esta norma deve ser devidamente ponderada e eliminada desta proposta de lei, porque estas normas relativas às medidas previstas no artigo 16.º complicam aquilo que é a apreciação, no caso concreto, das decisões que o Ministério Público tem de tomar.

Portanto, convém que elas não se mantenham e que, por maioria de razão, não sejam alargadas, sobretudo esta obrigação de remeter para a mediação penal.

Sr. Ministro, uma outra norma que nos suscita grandes preocupações é a que diz respeito à detenção. Voltamos a ter mais uma norma sobre detenção, no artigo 20.º, não estando o Governo disposto a fazer a alteração no Código de Processo Penal, que é a sede onde deveriam ser introduzidas estas alterações.

Também em relação aos poderes atribuídos ao Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna, suscitamos a mesma objecção, já aqui referida, uma vez que os poderes atribuídos nesta lei de prioridades ao Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna não cabem naquele que foi o entendimento assumido pelo próprio Governo na discussão da lei de segurança interna. Portanto, é preciso que os poderes que são atribuídos ao Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna, no âmbito do n.º 2 do artigo 12.º desta proposta de lei, sejam devidamente compatibilizados com o entendimento manifestado pelo próprio Governo em relação ao artigo 16.º da lei de segurança interna.

Também o artigo 12.º, relativo às equipas conjuntas de combate ao crime, nos suscita grandes preocupações.

Então, Sr. Ministro, o Procurador-Geral da República vai constituir equipas especiais cujos membros têm, depois, de respeitar a dependência hierárquica, nomeadamente, em relação ao Governo? Como é que estas questões se articulam?

Esta solução, de o Procurador-Geral da República constituir equipas especiais e, depois, os seus membros terem de estar subordinados à dependência hierárquica, nomeadamente, em relação ao Ministério da Administração Interna e ao Ministério da Justiça, é inconcebível, Sr. Ministro! Para concluir, Sr. Presidente, quero deixar uma última preocupação relativamente às operações especiais de prevenção relativas a armas, previstas no artigo 9.º. Sr. Ministro, então as forças de segurança promovem estas operações especiais e o Ministério Público, depois, vai atrás a acompanhar estas operações promovidas pelas forças de segurança?!

Então isto não significa uma inversão do papel que deve caber a cada um destes actores no âmbito do sistema de investigação criminal?!

Por todas estas razões, Sr. Ministro, esta lei de prioridades de política criminal recupera as objecções de fundo que já anteriormente manifestámos, algumas das quais são, agora, agravadas pelas questões que suscitámos.

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