Pergunta ao Governo N.º 144/XVII/1.ª

Plano de Mobilidade do Vale do Tua (Mirandela)

O conjunto de decisões de políticas de direita para a Linha do Tua nos trinta anos que vão
de 1991 a 2021, constitui um menu de mitos do liberalismo que uns após outro caem
envoltos em silêncio e em muitos milhões de euros subtraídos ao erário público.
Transferência de parcelas do serviço ferroviário da CP para as autarquias:
O Metro Ligeiro de Mirandela com 90% da autarquia e 10% da CP foi criado em 1995. Em
2011 foi assinado um protocolo de entendimento entre as autarquias de Tua, Mirandela,
Vila Flor, Carrazeda de Ansiães, Alijó e Murça para viabilizar a operação. O Metro Ligeiro
de Mirandela deixou de operar em 2018.
Separação entre a operação e a infraestrutura ferroviárias:
A via-férrea há muito que precisava de reabilitação, mas a Linha do Tua já tinha sido
retirada da Rede Ferroviária Nacional e, portanto, do âmbito da IP, pelo que as obras já
seriam da responsabilidade da Agência de Desenvolvimento Regional do Vale do Tua
(ADRVT), constituída por aquelas seis autarquias e a EDP.
O Plano de Mobilidade do Tua previa que as obras estivessem concluídas em 2017, mas
só vieram a terminar em 2020, lançadas pela ADRVT por 5,6 M€, que contratualizou
também apoio técnico da IP.
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Note-se ainda que no jogo de empurra de quem faz o quê, a ADRVT tinha em 2015
colocado a construção de infraestruturas no âmbito do hipotético futuro concessionário
(empresa de Mário Ferreira) em memorandum de entendimento sobre as condições de
manter e explorar o Plano de Mobilidade do Tua.
Subvalorização das estruturas públicas e aposta em interesses privados:
A ADRVT e a EDP estabeleceram em 2015 protocolo de entendimento com a empresa de
título sonante e imaginativo ‘Autocarros, Barcos, Aeronaves e Comboios Turísticos do Vale
do Tua, SA’ depois designada por ‘Mystica SA’.
Mas o mais relevante é mesmo o conteúdo desse memorando de entendimento, que
estabelece, (sem separação entre operação e infraestrutura) como obrigações do
operador: a conceção, construção de infraestruturas e instalações associadas ao PMT,
fornecimento de equipamentos, da frota e do material circulante, a obtenção de
financiamento, manter e explorar o PMT. No mesmo acordo assumiu uma, a EDP assumiu
uma contribuição a fundo perdido o montante de 10 milhões de euros, acrescidos de 10%,
para alavancagem do projeto, que concretizou (em acordo com a informação
disponibilizada na resposta emitida pelo Gabinete do Ministro das Infraestruturas e
Habitação à Pergunta n.º6/XVI/ 1ª, no dia 15 de Maio de 2024).
Concorrência na versão nua e crua:
O concurso lançado em 2016 para a operação privada do PMT, foi entregue ao único
concorrente Mystica SA, com a qual, embora com outro nome, já existia o referido
memorandum de entendimento de 2015.
Impunidade na teia do processo de liberalização:
As obras de reabilitação da via férrea concluídas em 2020 são a única realização em
infraestrutura do Plano de Mobilidade do Tua decorrente da contrapartida da construção da
Barragem do Tua. Decorre o ano de 2025 e já lá vão cinco anos sem que os comboios
tenham voltado a circular no que resta da Linha do Tua, os 40 km entre Mirandela e
Brunheda.
Cinco anos depois de ter ‘ganho’ a concessão em 2016 a Mystica SA desiste em 2021 da
concessão, sem ter iniciado a operação turística.
Em 2021 os dinheiros públicos gastos no projeto do Vale do Tua ascendiam já a 16
milhões de euros, de acordo com Júlia Rodrigues, à época Presidente da Câmara
Municipal de Mirandela, numa entrevista à Terra Quente FM em 5/01/2021.
Estruturas públicas colocadas ao serviço de aventuras privadas:
O Caderno de Encargos da EDP para a barragem do Tua que estipulava que ‘todas as
vias destruídas devem ser repostas com a mesma valência’
Em 2009 a DIA do Aproveitamento Hidroelétrico de Foz Tua (AHFT), autorizava a
construção da barragem de Foz Tua à menor das três cotas em estudo e desde que fosse
assegurado o serviço de transporte público no troço inundado de modo a garantir a
mobilidade da população. Entre as medidas sugeridas estava a construção de um troço
ferroviário alternativo.
Mas no mesmo ano o Plano de Mobilidade do Tua veio a prever, numa vertente turística,
que a ligação entre o Tua e Mirandela fosse feita de comboio até à barragem, com um
funicular até ao coroamento da albufeira, de barco até à Brunheda e depois de comboio
até Mirandela. Um relatório da UNESCO/ICOMOS, divulgado em 2013, veio alertar que
esta hipótese teria três transbordos em 55 km.
Ou seja, sem paticamente nada de palpável, estruturas públicas como a CP, a REFER e
depois a IP e seis autarquias foram durante dezenas de anos enredadas em situações
rocambolescas na crença do liberalismo e das suas aventuras privadas.
Fragmentação do Plano ferroviário público e unificado na CP:
O liberalismo fragmenta e debilita a CP para se apoderar dos seus setores mais lucrativos.
O País e o povo precisam de uma CP unificada com os seus setores mais rentáveis a
financiar a operação nas zonas de menor procura.
Assim, e ao abrigo da alínea d) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa, e
nos termos e para os efeitos do artigo 299.º do Regimento da Assembleia da República, o
Grupo Parlamentar do PCP solicita ao Governo os seguintes esclarecimentos,
1. Está o Governo empenhado na reposição imediata da operação ferroviária entre
Brunheda e Mirandela com a CP como operadora e com a gestão da infraestrutura a cargo
da IP?
2. Que vertentes da teia jurídica criada na crença do interesse da operação turística
podem obstaculizar a referida reposição imediata?
3. Qual é na presente data o prejuízo acumulado para o erário público das
peripécias decorrentes das tentativas liberais de implementação do Plano de Mobilidade
do Tua?
4. De que forma serão responsabilizadas as entidades envolvidas, nomeadamente a
EDP ou Movhera pela não realização desta medida de compensação prevista na DIA?
5. E quanto à Mystica SA, que recebeu uma contrapartida financeira para um projeto
que não concretizou, o que tenciona o Governo fazer para defender o interesse público?