Intervenção de

Petição n.º 74/IX &mdash; Apresentada pelo Sindicato Nacional dos Professores Licenciados e outros, solicitando à Assembleia da República a criação da Ordem dos Professores<br />Intervenção de Luísa Mesquita

Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: Um estudioso em Ciências da Educação afirma, num texto titulado Estatuto versus Código, que «A uma maior desresponsabilização do Estado na educação corresponde significativamente uma maior degradação do estatuto material dos professores e faz emergir, mais uma vez, a discussão à volta da velhíssima questão da ética e deontologia na profissão docente, na perspectiva da construção de um código deontológico». Aos professores portugueses caberá decidir da vontade e da necessidade desse código deontológico. Mas o que não poderemos é deixar de afirmar que esta citação tem uma sustentável coerência que a história da educação, em Portugal e não só, valida. A verdade é que, até hoje, apesar dos momentos críticos, mesmo de crise, na educação — e, sobretudo, no seio dos profissionais, os professores —, nunca se procedeu à codificação formal de regras deontológicas. Consideram alguns investigadores que o facto de as regras terem sido impostas do exterior, em primeiro lugar pela Igreja e depois pelo Estado, terá sido determinante nesta ausência. Hoje, havendo condições para a inversão deste processo e para a tal formulação de uma ordem e de um código, considero que outros são os caminhos que os professores terão de percorrer para garantir, e mesmo exigir, a dignidade da função social que exercem. Penso ser hoje uma evidência que a estratégia de desvalorização do estatuto profissional dos professores existe, mas existe porque há no estatuto, o da carreira docente, alvo de descaracterização sempre que as políticas educativas não se enquadram nos direitos e deveres consagrados nesse mesmo Estatuto da Carreira Docente – afinal, não muito diferente do que acontece com o texto da Lei de Bases do Sistema Educativo e do que acontece com o articulado constitucional relativo à educação, à ciência e à cultura. A escola preconizada por estes instrumentos legislativos exige profissionais responsáveis, capazes de recriar permanentemente as suas práticas e actualizar quotidianamente os seus saberes científicos e pedagógicos. A substância destes diplomas não se concretiza com meros agentes administrativos dependentes, e hierarquias, sem qualquer controlo sobre o seu desempenho profissional. A função docente não é – na nossa opinião, não pode ser – uma prática normatizada, ritualizada na dependência de decisores políticos ou pretensos juízes. Numa sociedade democrática, a participação de todos no todo social impede que a educação, a saúde, a justiça constituam «guichés» de especialistas. É esta nova dimensão da escola que obriga a um reforço de autonomia profissional dos professores na área que lhes é própria e específica, a pedagogia. Terminaria, Sr. Presidente e Srs. Deputados, reafirmando o já dito — aos professores da escola de hoje é indispensável um Estatuto que reconheça e reforce a sua autonomia profissional. A dupla vinculação dos docentes à sociedade e ao Estado pressupõe uma profissão dotada de autonomia que abra caminho à reflexão e à assunção de responsabilidades próprias de alguém que exerce uma função social imprescindível e que os diferentes governos não têm reconhecido.

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