Intervenção de

Perspectivas Financeiras da UE - Intervenção de Honório Novo na AR

Sr. Presidente,
Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros,

De facto, é muito difícil aceitar ou compreender a ideia de ter mais Europa, fazer o alargamento a 25 ou a 27 países e, simultaneamente, aceitar o princípio de que é possível fazer face aos problemas resultantes des-ses alargamentos com os meios financeiros actuais. Portanto, é difícil aceitar ou entender que, para a Euro-pa dos 15, o limite de financiamento de recursos próprios seja 1,27% do PIB e que estejamos perante um quadro em que, para a Europa dos 25 ou dos 27, esse limite passe para 1% ou 1,06%.

Aliás, sobre isto, devo dizer, o Sr. Ministro acaba de nos demonstrar uma posição curiosíssima, porque se for um pouco mais de 1% o Governo português já considera isto uma vitória, na medida em que é uma derrota do grupo dos Seis. Ou seja, se de 1,27% se passar para 1,07%, que é uma diminuição de 20 pontos percentuais, o Governo português, pela voz autorizada do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, acaba de nos dizer que considera isso uma importante vitória negocial. Confesso que não entendo onde está essa vitória!

Sr. Ministro, não se pode acenar com solidariedade ao País que é, e será, reconhecidamente o mais prejudicado com o alargamento. Não se pode falar em solidariedade quando este País tem regiões que podem passar a ser menos apoiadas só porque enriqueceram na «secretaria».

É o caso do Algarve. Não é o caso de Lisboa, e tenho a impressão de que há um erro da parte do Sr. Ministro, porque Lisboa saiu do Objectivo 1 já em 1999, e não agora, como me pareceu que disse na sua intervenção.

Gostava, pois, de saber o que é que Portugal está a pensar fazer para enfrentar estas duas questões, que são as regiões enriquecidas estatisticamente e os impactos específicos em Portugal resultantes do alargamento.

Sr. Ministro, quero ainda referir um aspecto que é central, depois do «não» no referendo em França.Neste contexto, depois de a França ter dito «não», enfrentando a catástrofe e as pressões, parece evidente que o projecto de Constituição Europeia terá de ser, de uma forma ou de outra, alterado, renegociado, cha-memos-lhe o que quisermos.

Por conseguinte, tenho duas questões a colocar, sendo que a primeira diz respeito às consequências do «não» para as negociações no quadro financeiro. É intenção do Governo isolar e separar completamente as duas questões e os dois debates, o que julgamos mais prudente, ou, pelo contrário, será que o Governo está interessado em alinhar nalguma irresponsabilidade que se vê por aí de fechar um acordo já em Junho, a qualquer preço, não importa como, só para dar uma imagem, que é artificial, quiçá virtual, de coesão e de força internas?

Segunda questão: considera ou não mais prudente, neste contexto, repensar as datas previstas para o referendo. Que necessidade temos nós de acelerar esse processo?

Em que condições ficaria Portugal para participar numa renegociação se, entretanto, tiver já concluído, por exemplo, o processo referendário?

Pode acontecer que tenha de fazer um novo referendo, no caso de o tratado ser alterado e renegociado, sendo que, durante essa renegociação, Portugal, obviamente, iria perder capacidade negociadora para impor eventuais alterações que lhe conviessem nesse processo de renegociação. Do nosso ponto de vista, merece ser alterado, e profundamente, esse tratado.

(...)

Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados

Um aspecto central e bem curioso deste debate prende-se com o grande défice de informação, de análise e de discussão sobre as condições concretas em que está a decorrer o processo negocial para a definição das condições financeiras de funcionamento da União Europeia durante o próximo Quadro Comunitário.

É um aspecto central pela importância e complexidade do tema; é igualmente um aspecto curioso porque este debate é suscitado pelo Partido que até há bem pouco tempo foi Governo e que, não obstante haver propostas da Comissão em negociação e análise há cerca de um ano, nunca suscitou institucionalmente, enquanto responsável por tal negociação, qualquer debate sobre estas questões de óbvia importância e relevância.

Importa tentar agora entender o que é que o Governo actual considera essencial na negociação relativa ao próximo QCA.

E a verdade é que, não obstante algumas declarações públicas mais ou menos desgarradas, não se entende muito bem – se é que existe – qual é a estratégia e sobretudo a força negocial com que o Governo Português participa neste debate europeu sobre o financiamento da União até 2013.

Será que o Governo aceita de bom grado que, com o alargamento de Maio de 2004, mais o que lhe vai suceder no início de 2007, a simples manutenção do tecto financeiro actual implica, por si só, dispor de meios iguais para fazer face a problemas de coesão e de desenvolvimento bem mais graves e diferenciados do que no passado recente? E será que o Governo Português pode aceitar de mão beijada que nem sequer isso venha a ocorrer? O que se pretende é baixar os limites do financiamento global, passando de um limite de 1,27% do PIB, na Europa a 15, para um limite à volta de 1,06%, quiçá de 1% do PIB, numa Europa a 25.

Será que o Governo Português está empenhado numa táctica de mal menor? Será até que já aceitou de forma pacífica (e à cabeça) uma redução de 10% nos fundos estruturais?

Se Portugal perder 10% dos fundos estruturais como significará – em termos aproximados – que pode perder cerca de 2.500 milhões de euros relativamente ao III QCA. Mas a verdade é que as propostas do grupo dos seis países mais ricos, a proposta da Presidência Luxemburguesa e as tentativas de compromisso (sempre em baixa) da Comissão apontam para situações bem mais preocupantes e inaceitáveis.

A perda global de fundos estruturais pode, segundo estas propostas, ser superior a 20%, superando os 5.000 milhões de euros! O Algarve deixa de receber os apoios correspondentes ao seu PIB regional real (correspondente a uma região de objectivo um) só porque enriqueceu estatisticamente, isto é, “enriqueceu na secretaria”. E pelos vistos nada se fez para impedir isso! A Madeira pode deixar de ser apoiada como região ultraperiférica, passível de tratamento específico e alvo de discriminação positiva. A prioridade política das acções estruturais pode deixar de ser a coesão para passar a ser a competitividade! E pelos vistos o Governo Português não questiona a definição destas prioridades, autêntica perversão dos princípios de coesão!

Senhor Presidente
Senhores e Senhoras Deputados

No contexto das negociações em curso não há nota que indicie qualquer consideração da situação específica de Portugal no contexto dos mais recentes alargamentos.

Todos reconhecem que Portugal é (e continuará a ser) o país mais atingido negativamente pelos impactos decorrentes desses alargamentos. Há estudos diversos que o confirmam. Por isso espanta que não seja criado (nem tão pouco defendido ou proposto pelo Governo) um programa específico de apoio e contenção das consequências resultantes do alargamento. O qual, entre outros, poderia beneficiar especificamente Portugal – tal como no passado um dispositivo semelhante beneficiou a Grécia quando Portugal e a Espanha aderiram à Comunidade.

Por outro lado, não é aceitável que quem defende a diminuição dos meios financeiros próprios da União para fazer face a problemas alargados de coesão possa vir depois acenar a bandeira da solidariedade. E que esta solidariedade signifique apenas uma transferência quase mecânica de meios financeiros dos actuais países da coesão para os novos membros da União, enquanto os países mais ricos, que são os que mais beneficiam com os alargamentos, pretendem contribuir cada vez menos, querem restringir os meios financeiros a níveis insustentavelmente baixos, mostram na realidade quanto a solidariedade e a coesão são palavras vãs nesta construção europeia.

Não é aceitável que nos acenem com a bandeira da solidariedade, que exijam novos sacrifícios a Portugal, quando por exemplo percebemos que um país como a Inglaterra, ano após ano, recebe automaticamente, sem mexer uma palha, dois terços da contribuição que deveria remeter para o orçamento comunitário!

Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados

Perante este quadro negocial complexo e perigoso para Portugal, capaz de prejudicar de forma bem funda os nossos interesses, e de comprometer de forma muito evidente as novas necessidades de desenvolvimento, exige-se que o Governo Português adopte uma posição clara e firme.

Perdas profundas dos fundos estruturais e de coesão não podem, nem devem, ser alvo de contrapartidas mais ou menos virtuais, como por exemplo a de poderem vir a ser aumentadas as verbas destinadas ao desenvolvimento rural. Em primeiro lugar, porque a necessidade de aumentar a nossa participação agrícola não pode ser encarada como contrapartida à diminuição de meios estruturais, antes tem que constituir uma exigência de justiça e de reparação por anos e anos de discriminação com que Portugal tem sido tratado – com o acordo de sucessivos governos - por uma Política Agrícola construída para beneficiar agriculturas intensivas e produtos não mediterrânicos; em segundo lugar, porque não há nenhuma garantia que parte substancial dos eventuais acréscimos financeiros destinados ao desenvolvimento rural não venham a ser utilizados noutros programas e financiamentos bem diversos e afastados da vida e economia agrícola.

Exige-se, neste contexto, que o Governo Português recuse uma qualquer táctica do mal menor, que proponha e defenda meios financeiros globais capazes de enfrentar de forma capaz os desafios de uma Europa de desenvolvimento, de emprego e de coesão, que recuse soluções que prejudiquem o nosso País, e que encare a possibilidade de vetar um qualquer acordo que não represente uma solução compatível com as necessidades de Portugal e dos Portugueses!

E depois do “não” com que a França referendou o Tratado Constitucional a negociação em curso adquire nova importância.

Em primeiro lugar para tentar evitar que pressões ilegítimas tentem forçar em Junho um qualquer acordo financeiro para dar uma imagem de credibilidade e de coesão de uma Europa que deveria antes reflectir sobre o conteúdo, a natureza e as orientações das suas próprias políticas e do seu próprio funcionamento.

Em segundo lugar para, noutro plano, tentar fazer passar à socapa um acordo que prejudique Portugal, que relegue para plano secundário os princípios da coesão económica e social, que tente ou procure utilizar a distracção mediática sobre o Tratado para fazer passar um sistema de financiamento que apenas servirá para acrescentar mais crise à actual crise do crescimento económico e da criação de emprego em Portugal e na Europa.

Não se podem nem devem misturar ou articular os dois debates. Um é o debate relativo ao futuro QC; outro é o debate de um Tratado ferido de morte que terá que ser profundamente alterado e renegociado e que, por isso mesmo, exige dos governos e dos responsáveis políticos uma reflexão – não sobre a necessidade inequívoca do povo português se pronunciar a seu tempo sobre os respectivos conteúdos – mas sobre a oportunidade e as vantagens de Portugal apressar um processo de referendo cujas consequências podem limitar e condicionar a capacidade de intervenção do país no necessário (e incontornável) processo de renegociação do Tratado Constitucional que terá de ocorrer.

Disse.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Ministros, Sr. Secretário de Estado:

Do que foi dito permito-me, em jeito de conclusão, tirar três ideias fundamentais. A primeira, que, arrisco-me a dizer, merecerá pelo menos o consenso governamental, tem a ver com o princípio de que, a partir deste debate, não poderá voltar a verificar-se o que sucedeu no último ano, mormente desde a Primavera de 2004, desde o momento em que se deu o pontapé de saída no processo de negociação sobre os limites dos recursos próprios da Comunidade entre 2007 e 2013 e, naturalmente, sobre as prioridades políticas então anunciadas para a futura política de coesão numa Europa a 25 ou a 27.

É absolutamente decisivo, no que diz respeito ao PCP, que o Governo mantenha o Parlamento permanentemente informado sobre o desenvolvimento do debate europeu, que forneça aos Deputados e a esta Câmara toda a informação técnica disponível, que analise e debata com a Assembleia o quadro e todas as opções possíveis para defender princípios de coesão, mantendo a defesa dos níveis adequados e suficientes de financiamento do próximo quadro comunitário de apoio.

Uma segunda nota, Sr. Ministro, tem a ver com aquilo que o PCP considera serem as orientações genéricas que deverão nortear as decisões e presidir a esta negociação. Quanto a nós, não é compreensível nem aceitável uma visão restritiva do financiamento da União Europeia.

Essa é a visão daqueles que propuseram, que defenderam e que estão apostados na referenda e no referendo ao Tratado Constitucional Europeu, visão que acrescenta crise à crise da União Europeia.

É necessário, pelo contrário, adoptar um posicionamento que faça compreender que não é possível termos mais Europa e podermos fazer face a novos e mais problemas com os meios financeiros actuais, ou, ainda, envolvermo-nos numa estratégia inaceitável, que compromete, naturalmente, o futuro equilibrado da União, com a perspectiva de estes meios financeiros poderem vir a ser inferiores aos do III Quadro Comuni-tário de Apoio.

Uma ideia que gostávamos de deixar aqui clara é a de que não é uma posição forte nem credível a de quem parte para uma negociação complexa deste tipo aceitando, logo à partida, o princípio do mal menor. Não é forte, não é credível e fica numa posição desvalorizada.

Uma outra visão global que temos é a de que interessa a todos na Europa, mas particularmente interessará a Portugal, a defesa da criação de mecanismos específicos destinados a fazer face aos enriquecimentos falaciosos ou virtuais ditos estatísticos e ainda, e sobretudo, os impactos económicos e sociais resultan-tes dos alargamentos. Interessa ainda — faço este sublinhado pela segunda vez esta tarde —, Sr. Ministro, impedir que, em vez da coesão, a prioridade das acções estruturais seja, no futuro, a competitividade. É absolutamente prioritário nos aspectos negociais que esta orientação política fundamentada, da qual tudo pode decorrer, seja retirada e seja anulada.

Uma terceira e última nota conclusiva, Srs. Ministros e Sr. Secretário de Estado, tem a ver com o eventual enquadramento deste debate no processo referendário em curso, mormente depois do «não» em França ao Tratado da Constituição Europeia.

É fundamental sublinhar, no encerramento deste debate, que, quanto a nós, é decisivo isolar e separar os dois temas, é fundamental impedir que, para tentar dar uma imagem de força e de coesão interna, se vá a correr, precipitadamente, fechar e aprovar um qualquer acordo financeiro já em Junho, feito à pressa, um acordo que seja prejudicial a Portugal e à generalidade dos europeus, mormente àqueles que têm mais necessidades de desenvolvimento infra-estrutural e social, um acordo que signifique um corte substancial nas políticas estruturais de coesão, que continuam e continua-rão a ser essenciais para o desenvolvimento sustentável de Portugal como país soberano no seio da União Europeia.

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