Nota do Gabinete de Imprensa dos Deputados do PCP ao PE

Pelo direito a produzir e pela defesa da produção agrícola nacional

Por iniciativa do Grupo parlamentar GUE/NGL realizou-se ontem no Parlamento Europeu (PE) uma audição pública sobre "O estado de saúde da Política Agrícola Comum (PAC) e o futuro da Agricultura na PAC", na qual participaram representantes de várias organizações agrícolas ao nível nacional e da União Europeia.

A convite dos deputados do PCP no PE, participou nesta iniciativa Roberto Mileu, membro da direcção da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que na sua intervenção fez uma caracterização da evolução da PAC e dos seus impactos na agricultura portuguesa, bem como as propostas da sua organização em relação ao denominado "exame de saúde da PAC" proposta pela Comissão Europeia.

A situação calamitosa da agricultura em Portugal

Os pequenos e médios agricultores e a agricultura familiar têm sido as principais vítimas das políticas agrícolas dos sucessivos governos e da PAC, que levaram muitos deles a abandonar a produção, concentrando a terra e a produção e tornando o país cada vez mais dependente da importação de alimentos:

- De 1989 a 2005 desapareceram 280 mil explorações familiares (46%) e das que mantém actividade, 92% são de muito pequena ou pequena dimensão económica, sendo que as unidades de trabalho familiar diminuíram, no mesmo período, em 400 mil (54%);

- Depois da introdução do desligamento das ajudas à produção, Portugal viu diminuir a área de cereais em mais de 150 mil hectares e a sua produção em 700 mil toneladas, importando actualmente mais 1100 milhões de euros em cereais e carne;

- O défice da balança agro-alimentar do país ultrapassa já os 3000 milhões de euros;

- Portugal tem taxas de auto-aprovisionamento de 18% nos cereais, de 50% na carne de bovino, estando longe de produzir de modo a fazer face às suas necessidades, entre outros exemplos, na carne de ovino ou de suíno, no azeite.

As gravosas e inaceitáveis propostas da Comissão Europeia

As propostas da Comissão Europeia contidas no denominado "exame de saúde da PAC", não invertem esta situação, antes a acentuam, prosseguindo a mesma política das anteriores reformas da PAC, nomeadamente:

- Insiste nas mesmas orientações neoliberais de adaptação da PAC e da agricultura à "Agenda de Doha", com o objectivo de desbloquear as negociações no âmbito da OMC e ter em conta os vários Tratados de Livre Comércio já estabelecidos ou em negociação, visando a facilitação da liberalização do comércio ao nível mundial, "trocando" serviços e tecnologias pela agricultura;

- Contribui para acelerar o processo de concentração da produção em alguns países e regiões, para aumentar a actividade especulativa sobre os géneros alimentícios, formação de cartéis por parte das indústrias alimentares e de distribuição e a promoção do modelo da "agricultura intensiva" e "competitiva";

- Limita a 250 euros ou 1 hectare os mínimos para pagamentos, o que levará à exclusão de dezenas de milhares de agricultores (em 2007, mais de 30 mil agricultores receberam menos de 100 euros e 83 mil receberam entre 100 e 500 euros em Portugal);

- Avança com uma dita proposta de "modulação" que está longe de poder corrigir a injusta distribuição das ajudas entre países, produções e produtores, que as reformas da PAC impuseram;

- A repartição das verbas da modulação suplementar levará à re-nacionalização dos custos da PAC, ao deixar em cada Estado-membro as verbas da sua própria modulação, quebrando o princípio da solidariedade e penalizando países como Portugal, onde se recebe menos por exploração, por hectare e por unidade de trabalho;

- O fim do actual sistema de quotas leiteiras em 2015 e o desligamento quase total (com raras excepções) das ajudas em relação à produção, o quase desaparecimento dos mecanismos de intervenção e a redução ao mínimo dos mecanismos de gestão de riscos e crises, manterá o incentivo ao abandono rural.

Pela produção agrícola nacional. Defender a pequena agricultura e a agricultura familiar

Como ficou bem claro na iniciativa, o momento que se vive é de crise generalizada, incluindo a crise alimentar, com os preços elevados de alguns bens alimentares que os consumidores têm de pagar, enquanto pequenos e médios agricultores continuam a ter de abandonar a agricultura por não suportarem o aumento dos custos de produção e não conseguirem o escoamento dos seus produtos a preços que lhes garantam um rendimento digno.

Os Deputados do PCP no PE consideram que tal situação exige uma alteração radical da PAC actual, uma ruptura com as políticas de dissociação das ajudas à produção e de subordinação às regras da Organização Mundial de Comércio, que colocam em causa a soberania e segurança alimentares.

Durante o debate foram apresentadas algumas propostas em relação ao "estado de saúde" da PAC que deveriam fazer a Comissão Europeia rever a sua proposta, designadamente:

- Os limites mínimos para pagamentos de ajudas devem, pelo menos, ficar como estão, ou, em alternativa, atribuir uma ajuda a todos os agricultores com menos de 1 hectare;

- Os apoios específicos (artigo 68º) não devem ter limitações nem restrições e deverão poder ser aplicados sempre que as condições específicas da agricultura e dos agricultores o justifiquem;

- A criação de um fundo de compensação para produtos não abrangidos por outros mecanismos de intervenção, como é o caso da batata de consumo;

- As taxas de modulação a aplicar devem isentar os agricultores que recebem menos de 10 mil euros, sendo progressivas a partir daí, atingindo o máximo a partir de 100 mil euros e ter como limite de pagamento 200 mil euros;

- Se garanta o princípio de redistribuição entre Estados-membros, utilizando as verbas da modulação suplementar, que seriam posteriormente repartidas em função do número de explorações e do trabalho agrícola, com majorações para as zonas desfavorecidas, tendo como finalidade, entre outros aspectos: a manutenção e preservação de explorações familiares; o apoio à centralização e escoamento de produtos de qualidade e segurança com origem em explorações familiares; apoios à manutenção, preservação e fomento de variedades locais e regionais, adaptadas aos respectivos agro-sistemas;

- O fim às ajudas com base em históricos de referência, devendo ligar-se ao máximo as ajudas à produção, regionalizadas e repartidas segundo a superfície, o emprego, o PIB per capita, o número de explorações e o cumprimento de normas ambientais, com uma majoração para as zonas desfavorecidas, nomeadamente as zonas de montanha e as regiões ultraperiféricas;

- A manutenção dos mecanismos de intervenção e mecanismos de gestão de riscos e de crises e a criação de novos onde tal se justifique;

- Ter em conta que a produção agro-alimentar não pode ser tratada como uma vulgar mercadoria, revendo os Acordos Internacionais existentes que põem em causa a segurança e soberania alimentares;

- A promoção da produção agrícola de qualidade, o apoio à agricultura familiar e aos pequenos e médios agricultores, a criação de mercados locais de proximidade, a manutenção dos sistemas das quotas leiteiras como garantia do direito a produzir, reequilibrando os seus valores entre países;

- A criação de um seguro agrícola público, financiado por fundos comunitários, que permita garantir um rendimento mínimo aos agricultores em casos de calamidades públicas como secas, temporais, granizo, incêndios, epizootias, etc;

- A defesa do princípio da precaução, retomando a moratória na produção agrícola com OGM, na defesa da biodiversidade e do direito dos agricultores às sementes das suas plantações;

- O controle dos preços dos factores de produção para impedir o seu aumento na base de ganhos especulativos, o apoio aos agricultores e a criação de condições para que o mundo rural se torne atractivo para os jovens, travando o abandono e a desertificação de vastas zonas do interior, com as graves consequências, designadamente nos países do sul, onde os fogos florestais se tornam uma calamidade em zonas cada vez menos povoadas.

Por fim, os participantes nesta audição expressaram a sua determinação na necessidade de garantir a agricultura e actividades conexas como sectores estratégicos e viáveis para a segurança e soberania alimentares, determinantes da melhoria da qualidade de vida em cada país.

  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Notas de Imprensa
  • Agricultura
  • PAC - Política Agricultura Comum