Projecto de Resolução

Pelo direito à informação e acesso aos direitos sexuais e reprodutivos pelas mulheres ao longo do seu ciclo de vida

Pelo direito à informação e acesso aos direitos sexuais e reprodutivos pelas mulheres ao longo do seu ciclo de vida

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Portugal está dotado de um importante património legislativo no que concerne aos direitos sexuais e reprodutivos. Património que foi sendo edificado ao longo dos anos após o 25 de Abril de 1974 e cuja lacuna mais brutal foi vencida com a aprovação, a 8 de Março de 2007, de uma lei de despenalização da interrupção voluntária da gravidez, corolário de uma prolongada situação de injusta e dramática penalização da saúde sexual e reprodutiva de sucessivas gerações de mulheres vítimas de aborto clandestino.

Os direitos sexuais e reprodutivos são parte integrante de direitos sociais do nosso tempo, não devendo ser meros direitos formais ou apenas parcialmente cumpridos. Antes exigem uma especial responsabilidade do poder político - Assembleia da República e Governo - nas suas esferas de competência, na garantia do seu integral cumprimento e implementação.

Persistem lamentáveis atrasos na implementação da educação sexual nas escolas não obstante ter sido aprovada há 26 anos a primeira lei sobre a educação sexual.

A política de destruição dos cuidados primários de saúde coloca em causa a salvaguarda dos direitos sexuais e reprodutivos, designadamente das mulheres, jovens e idosas com menor acesso à informação e das camadas sociais mais desfavorecidas.

São igualmente afectados outros segmentos de mulheres que, ao longo do seu ciclo de vida, têm maiores dificuldades de acesso à saúde em resultado da inexistência de médicos de família e da falta de outros profissionais de saúde. 

Destaca-se, entretanto, o paradoxo entre os fundamentos que levaram a fechar maternidades públicas por não realizarem 1500 partos por ano, quando tal requisito não é imposto ao funcionamento das unidades privadas, porque isso significaria o seu fecho.

As unidades de saúde familiar não cumprem o objectivo de minimizar o número de utentes sem médicos de família; persistem a falta de centros de saúde, bem como os horários desajustados às necessidades das mulheres que necessitam de recorrer a estes serviços.

Este quadro não nega o esforço e os exemplos positivos de centros de saúde e outros serviços públicos que prestam uma importante intervenção na área da saúde sexual e reprodutiva, antes impõe que tais exemplos se estendam a todo o território nacional.  

O Partido Comunista Português, ao assinalar o dia 8 de Março, Dia Internacional da Mulher e o centenário da sua proclamação, destaca a importância do reforço dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher ao longo da sua vida, desde a menarca, passando pela menopausa até à velhice. 

Ainda no âmbito da saúde sexual e reprodutiva, o PCP tem vindo a apresentar várias iniciativas legislativas, garantindo não só a efectividade da educação sexual, como a promoção da saúde sexual e reprodutiva e a protecção da maternidade e paternidade enquanto funções sociais, de que são exemplo:

- A despenalização da interrupção voluntária da gravidez, até às 12 semanas, a pedido da mulher;

- O reforço dos direitos das pessoas que vivem em união de facto;

- A garantia de acompanhamento pelo futuro pai à mulher grávida durante o parto;

- O direito de licença especial nas situações de gravidez de risco;

- O reforço das garantias do direito à saúde reprodutiva;

- A protecção de mães e pais estudantes;

- A garantia do acesso aos medicamentos contraceptivos de emergência;

- A adopção de recomendações para que possa ser utilizado em unidades hospitalares o medicamento de uso humano Mifégyne (Pílula RU 486);

- A regulamentação das técnicas de procriação medicamente assistida;

- A adopção de medidas de reforço da protecção da maternidade-paternidade;

- A instituição e regulamentação de um novo regime de prestações familiares;

- A criação de um subsídio social de maternidade-paternidade.

26 anos volvidos desde a publicação da primeira lei que consagrou o direito à educação sexual e ao planeamento familiar, importa referir alguns dos indicadores de saúde que sublinham a necessidade e a urgência da implementação efectiva da lei. De acordo com o Relatório do Departamento de Doenças Infecciosas, da Unidade de Referência e Vigilância Epidemiológica do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, a 31 de Dezembro de 2008 (últimos dados disponíveis), encontravam-se notificados 34 888 casos de infecção VIH / SIDA nos diferentes estádios de infecção (para 32 491 casos em 2007).

De acordo com esse relatório, "maior número de casos notificados ("casos acumulados") corresponde a infecção em indivíduos referindo consumo de drogas por via endovenosa ou "toxicodependentes", constituindo 42,5% (14 835 / 34 888) de todas as notificações, reflectindo a tendência inicial da epidemia no País. O número de casos associados à infecção por transmissão sexual (heterossexual) representa o segundo grupo com 40,0% dos registos e a transmissão sexual (homossexual masculina) apresenta 12,3% dos casos; as restantes formas de transmissão correspondem a 5,2% do total. Os casos notificados de infecção VIH/SIDA, que referem como forma provável de infecção a transmissão sexual (heterossexual), apresentam uma tendência evolutiva crescente."

Já os dados da saúde dos jovens, publicados em 2006 pela Divisão de Saúde Materna, Infantil e dos Adolescentes da Direcção-Geral de Saúde, apesar da tendência de diminuição da gravidez, maternidade e paternidade adolescentes, "no que respeita às idades mais jovens, constatou-se, nos 20-24 anos, um abrandamento da expressão dessa tendência [de decréscimo], tendo havido, inclusive, um ligeiro aumento nos anos de 1999 e 2000; no grupo 15-19 anos, a progressão decrescente do respectivo valor parece esbater-se a partir de 1996, havendo ligeira oscilação num sentido e noutro.", no que à maternidade concerne.

De acordo com esse estudo, em 2002, "os pais apresentaram, regra geral, um grau de escolaridade inferior ao das mães, em ambos os grupos etários estudados. Das mães com menos de 20 anos, cerca de um quinto terminara, no máximo, o 1.º ciclo do ensino básico (1,7% não sabia ler nem escrever). No mesmo grupo etário, os pais que estavam em iguais circunstâncias representaram um quarto do total (2,1% não sabia ler nem escrever). No que respeita ao completar da escolaridade obrigatória, no caso das mães com idade inferior a 20 anos, menos de metade conseguira-o e, no grupo das de 20-24 anos, cerca de 56% estava nestas circunstâncias; no caso dos pais, os valores observados foram inferiores aos verificados nas mães, na ordem dos 7%, em ambos os grupos etários."

No que se refere à condição de mães e pais perante o trabalho foram notórias diferenças entre homens e mulheres, nos dois grupos etários. Em 2002, "verificou-se que, no grupo dos menores de 20 anos, 61% das mães encontrava-se no grupo "não activa" (apenas 29% correspondia ao item "empregada"), ao passo que, no grupo etário acima, a situação alterava-se, estando 60% das mães na condição de "empregada" e 32% na de "não activa". No caso dos homens, no grupo dos menores de 20 anos, 77% estava "empregado", valor que aumentava para 92% no grupo 20-24 anos; estavam na condição de "não activo" 18% dos pais menores de 20 anos e 5% dos 20-24 anos."

De acordo com a Direcção-Geral de Saúde "constata‐se que, a partir dos 20 anos de idade, o risco de morte materna por cada nado‐vivo aumenta rapidamente com a idade, passando‐se de 4,8 por 100000, em grávidas de 20‐24 anos, para 180 por 100000 em grávidas com mais de 44 anos. Ou seja, uma grávida com mais de 44 anos tem um risco de morrer cerca de 37 vezes superior ao de uma grávida de 20 a 24 anos. O risco de morte em grávidas adolescentes (<20 anos) é de 9,9 por 100000, o dobro do risco em grávidas de 20‐24 anos. Os resultados são praticamente idênticos quando se divide o número de mortes maternas pela soma dos nados‐vivos com os nados‐mortos, numa aproximação ao conceito de risco de morte por gravidez" (Relatório sobre mortes maternas em Portugal 2001 - 2007, Direcção-Geral de Saúde).

Tal Relatório, aponta como conclusões que "parte das estratégias de saúde para eliminar as mortes maternas evitáveis, deviam passar por: reforçar a rede de serviços nos diferentes níveis de prestação, bem como a articulação entre si e a sua acessibilidade; assegurar que os serviços de obstetrícia dispõem de condições logísticas essenciais para a minimização das MM (disponibilidade de acesso rápido a bloco cirúrgico, a produtos sanguíneos 24 horas por dia, unidade de cuidados intensivos acoplada, apoio de internista/intensivista); intensificar a homogeneidade da formação em serviço para todos os profissionais; reforçar o apoio a grupos vulneráveis e implementar a cooperação multidisciplinar em situações de risco conhecido ou suspeito".

A apresentação deste projecto de resolução, nesta data, decorre não só do facto do PCP ter ao longo de décadas a responsabilidade de diversas iniciativas legislativas nesta área (por exemplo, a intervenção da Comissão Parlamentar da Condição Feminina, em 1987, pela voz de Maria Alda Nogueira, que procedeu à apresentação ao Plenário da Assembleia da República de um Relatório sobre a situação das mulheres em Portugal, em que destacava o não cumprimento da legislação sobre educação sexual, planeamento familiar, entre outros aspectos), e pelas justas reivindicações das organizações de mulheres apresentadas ao longo dos anos à Assembleia da República. 

A Assembleia da República, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa, decide recomendar ao Governo que:

1 - Garanta a implementação da Educação Sexual em todas as escolas do ensino básico e secundário, através da formação de professores, e da garantia dos meios para o correcto funcionamento dos gabinetes de apoio, e núcleos de educação para a saúde;

2 - Reforce a existência em todos os Centros de Saúde de consultas específicas para Jovens, criadas por lei em Março de 1976 a par do reforço dos meios materiais e humanos por  forma a garantir a informação completa e serviços acessíveis a todos os jovens;

3 - Crie condições para que a vacinação que protege contra vírus como o HPV (Papilomavírus Humano seja amplamente divulgada e gratuita para todas as mulheres;

4 - Garanta e divulgue junto das mulheres a importância dos rastreios periódicos realizados no Serviço Nacional de Saúde (SNS), nomeadamente mamografias e ecografias mamárias, citologias e densitometrias ósseas;

5 - Reconheça e fiscalize o acesso generalizado de todas as grávidas ao acompanhamento médico (mínimo de 5 consultas) no SNS bem como aos exames indispensáveis - DPN (Diagnóstico Pré-Natal), análises ao sangue e urina, controlo da imunidade ou inexistência de doenças que coloquem em risco a gravidez e o feto (rubéola, toxoplasmose, sífilis, hepatite B, HIV/SIDA, etc.);

6 - Garanta o cumprimento do Código do Trabalho e do Regime de Contrato em Funções Públicas quanto aos direitos de maternidade e paternidade, alargando a dispensa não apenas para as consultas pré-natais como as dispensas para as sessões de Preparação para o Parto pelo Método Psico-Profiláctico, bem como o direito dos pais trabalhadores três dispensas para acompanhamento da grávida, garantindo o direito à remuneração integral suportada pela entidade patronal;

7 - Adopte medidas articuladas entre os Ministérios da Saúde e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior para garantir que as Escolas Superiores de Enfermagem (ESE) incluam formação de Preparação para o Parto pelo Método Psico-Profiláctico;

8 - Garanta a correcta aplicação da Lei sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez, quer através da supressão das carências materiais e humanas, quer através do cumprimento de todos os procedimentos de apoio psicológico e encaminhamento para consulta de planeamento familiar, nos dez dias posteriores à intervenção;

9 - Crie medidas urgentes para a aplicação da lei sobre Procriação Medicamente Assistida (PMA), aprovada em Julho de 2006; tendo em conta que os elevados custos destes tratamentos no sector privado e as longas listas de espera no sector público são um factor de exclusão de centenas de utentes;

10 - Garanta o adequado e regular acompanhamento médico e psicológico, no SNS  na prevenção e tratamento  de situações relacionadas com a menopausa, nomeadamente os de afrontamentos, incontinência, osteoporose, irritabilidade, insónias, desinteresse sexual, ou  doença de Alzheimer;

11 - Assegure no SNS, especialmente nas unidades primárias de saúde, a existência de serviços de geriatria, correspondendo a necessidades específicas das mulheres nesta fase da sua vida.

Assembleia da República, em 8 de Março de 2010

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