Intervenção de Paulo Raimundo, Secretário-Geral do PCP, Tribuna Pública «Pelo direito à Habitação. Baixar as prestações ao banco e as rendas»

Pelo direito à Habitação. Baixar as prestações ao banco e as rendas

Gostaria de começar por sublinhar a oportunidade desta iniciativa num momento em que milhares e milhares de pessoas se esforçam por aceder ou manter a habitação.

Uma situação que justamente preocupa tantos homens e mulheres que vivem no nosso País.

Preocupa quem tem casa arrendada e se vê confrontado com aumentos de renda ou risco de despejo.

Preocupa quem tem crédito e vê a prestação aumentar para valores incomportáveis.

Preocupa as mais de 70 mil famílias que vivem sem habitação digna.

Preocupa os estudantes e suas famílias, a braços com a falta de residências públicas, enfrentando o verdadeiro inferno da especulação.

Preocupa a todos os democratas que se deparam com mais um ataque a um direito consagrado na Constituição da República Portuguesa.

Tivessem sido aprovadas e concretizadas as propostas do PCP e hoje a situação seria outra.

Certamente que nem todos os problemas estariam resolvidos, mas a situação em que cada um hoje está estaria seguramente diferente e para melhor, menos pressionada, sem estar permanentemente com o coração nas mãos.

A garantia do direito à habitação esteve sempre presente na nossa intervenção. Uma intervenção que se tornou ainda mais necessária face à escalada de preços e juros, o aumento do custo de vida, e as crescentes dificuldades que enfrentam quer inquilinos quer aqueles que adquiriram casa própria.

A situação de hoje é inseparável do modelo económico dominante, um modelo económico assente na obtenção do maior lucro possível, na transformação da habitação numa mercadoria, mesmo que à custa de um bem e um direito essencial como é a habitação.

Uma situação amparada e sustentada nas opções políticas de sucessivos governos que têm actuado, naquilo que é central, em completa submissão aos interesses dos grupos económicos, às imposições de Bruxelas, da União Europeia e do BCE.

Em relação às taxas de juro, já lá vão oito subidas decretadas pelo BCE e já foram avisando que não vai ficar por aqui.

Não vão ficar por aqui os aumentos das taxas de juro nem a pressão sobre os salários, mesmo sabendo que a inflação não se deve aos salários e às pensões e que está a ser aproveitada pelos grupos económicos, com destaque para a banca, para alargarem ainda mais as margens de lucro.

Para esta gente é completamente indiferente o drama que isto representa para mais de um milhão famílias, muitas deles a viverem em silêncio e isoladas este drama.

E é ver as caras de satisfação dos banqueiros. Uns sorriem com os seus 85 milhões de euros de lucros, outros à gargalhada em cima dos seus 180 milhões e há ainda quem se rebole pelo chão de tanto rir, olhando os 215 milhões de euros de lucros, só nos primeiros três meses do ano.

Milhões de pessoas apertadas, milhões de lucros para a banca.

São estas as consequências das opções do BCE, das ordens da UE e da submissão do Governo, apoiado por PSD, CDS, Chega e IL.

Bem podem vir todos agora fingir arrufos com o BCE, mas a verdade é que todos eles não só estão dispostos a seguir as directivas, como se entusiasmam em pô-las em prática.

Não é isto que o País precisa.

O que o País precisa é de uma política e de um Governo que faça frente ao BCE e à UE, de um Governo que não seja o mordomo dos interesses da banca e dos grupos económicos,

O que o País e cada um de nós precisa é de uma política e de um Governo que coloque no centro da sua acção os interesses do País e de quem cá vive e trabalha.

Um Governo que em vez de desculpas e pretextos, que servem e sempre para justificar o empobrecimento de amplas camadas da população e a concentração de lucros nos grupos económicos, faça frente às opções da UE, defenda os interesses do povo e do País.

A medida estrutural para enfrentar os grandes desafios que enfrentamos, também na habitação, a grande emergência nacional para responder ao aumento do custo de vida, é o aumento geral dos salários.

É por aqui que é preciso ir, aumentar salários e pensões, investimento público, maior justiça fiscal, alívio dos impostos sobre quem trabalha e trabalhou e taxação efectiva dos grupos económicos e dos seus lucros.

Um caminho que garanta efectivamente o acesso à habitação, em particular a centenas de milhar de jovens que vêem os seus estudos e seus projectos de vida adiados.

A habitação não pode estar sujeita à gula dos fundos imobiliários e da banca.

O Estado tem a obrigação de enfrentar a especulação e tem o dever que só a si lhe cabe, de desenvolver políticas de habitação públicas de longo prazo e garantir a coesão territorial e social no acesso à habitação.

A actual situação exige, para lá de medidas a médio e longo prazo, soluções imediatas que enfrentem o problema em três dimensões: rendas, prestações e acesso.

É neste sentido que temos apresentado propostas concretas.

Não deixa de ser curioso e triste que, perante propostas concretas, e depois das palavras rijas e em voz alta, do Primeiro-Ministro e até, pasme-se, do presidente do PSD, contra o BCE, na primeira oportunidade que uns e outros tiveram para passar das palavras aos actos, quando tiveram ao seu dispor as propostas do PCP que traduziam medidas concretas que enfrentavam o BCE e defendiam e salvaguardavam as pessoas, optaram, infelizmente e como sempre, por se porem ao lado do BCE, da UE e das subidas das taxas de juro.

É caso para dizer que as palavras foram muitas, rijas e em tom determinado, mas depois veio o vento e foi o que se viu.

Com excepção do reforço de meios do Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana, todas as nossas propostas têm sido sucessivamente chumbadas.

Ora com abstenção táctica ora com voto contra, lá estão PS, PSD, Chega e IL a cumprir o seu papel de comissão de serviço de protecção e defesa dos interesses dos grupos económicos.

As nossas propostas foram chumbadas mas estão ainda mais actuais.

Não desistimos delas, mas o que é necessário é que cada um,

cada estrutura, cada pessoa, assuma essas propostas como suas, que as exija, que aumente com a sua acção, com a sua força, a pressão para as concretizar.

Medidas que garantam um expressivo financiamento do Estado, na promoção de habitação pública e o aproveitamento integral das verbas do PRR.

Que se avance de facto e não se fiquem pelos anúncios na recuperação e reabilitação de imóveis públicos que possam ser destinados a habitação;  reabilitação e recuperação de imóveis privados devolutos que só em Lisboa são mais de 48 mil, utilizar mecanismos já existentes de tomada de posse administrativa, assegurar um rápido investimento para o alojamento estudantil com a ampliação do número de residências públicas.

O que é necessário é limitar o valor das rendas desde logo nos novos contratos, impedir despejos e revogar a lei que lhes dá corpo, imposta pelo Governo PSD/CDS.

O que é necessário e a cada dia mais urgente é pôr os lucros da banca a suportar as subidas das taxas de juro, pôr a Caixa Geral de Depósitos a funcionar como banco público que é, fixando um spread máximo de 0,25% no crédito à habitação, criar uma moratória, tal como a que houve durante a epidemia.

São estas as medidas concretas e imediatas que se impõem.

Não precisamos de mais propaganda, a propaganda não paga rendas, não paga prestações nem põe comida na mesa.

O pacote “Mais Habitação” é um exemplo disto mesmo, propaganda.

Semanas e semanas a discutir, abordagem centrada em falsas polémicas passando ao lado do essencial e, passado todo este tempo, o “Mais Habitação” é aquilo para que tínhamos alertado que iria ser, um pacote de “mais transferências” para os fundos imobiliários, mais meios para a banca.

Depois de espremidas as medidas do Governo, que nas questões centrais é acompanhado pelos outros membros da tal comissão de serviço: mantém a «lei dos despejos»; passa ao lado de programas de renda condicionada;  não regula as rendas e pior, até medidas que poderiam ajudar estão em processo de revisão, frustrando justamente expectativas criadas no apoio às rendas; a banca garante os seus lucros com mais transferência de dinheiros públicos por via da bonificação de juros e safa-se mais uma vez de uma única medida que seja que belisque os seus 10,7 milhões de euros de lucros, por dia; não toca nos benefícios fiscais a fundos de investimento e aos chamados residentes não habituais; acrescenta mais benefícios fiscais a proprietários; avança, a reboque das exigências da Confederação Portuguesa da Construção e Imobiliário, para a liberalização do licenciamento de construções, com tudo o que isso implica.

Bem espremido, o pacote “Mais Habitação” traduz as opções de fundo: o mercado deve ser o grande gestor da habitação; o Estado deve financiar os interesses imobiliários por via de apoios financeiros e benefícios fiscais, as regras e critérios urbanísticos devem ser aligeiradas de maneira a abrir campo a todo o tipo de esquemas que envolvem a especulação imobiliária.

A banca continua a encher, o BCE a ordenar, a UE a determinar, e milhares e milhares de pessoas a braços com as rendas e prestações a aumentar e sem habitações condignas.

É a máxima do “estamos todos no mesmo bairro, uns na bruta vivenda e outros no anexo do quintal”.

Isto não pode, isto não vai continuar assim.

A habitação é um direito não é uma mera mercadoria destinada ao grande negócio e o Estado tem responsabilidades e tem de as assumir.

Sim, ponham-se os lucros da banca a pagar os aumentos dos juros, regulem-se o valor das rendas e impeçam-se novos aumentos, acabe-se com as facilidades nos despejos, promova-se a disponibilização de habitação pública, ponha-se fim  ao regime de residentes não habituais e os vistos Gold,  aumentem-se os salários e as pensões e estamos certos de que se  resolverão os problemas do acesso à habitação.

É preciso levar por diante uma opção pelas pessoas, pelas famílias, por aquelas que todos os dias fazem os possíveis e impossíveis para garantir o seu maior bem, a casa, o tecto para viver.

É que a renda e a prestação é a ultima coisa que cada um deixa de pagar.

Deixam de jantar fora, de ir ao cinema, de ir de férias, depois reduzem os gastos com alimentação, depois fica a conta da luz e do gás por pagar, e, no limite, a última coisa que cada um faz é deixar de pagar a casa.

Milhares de pessoas estão hoje nesta situação todos os dias e todos os meses.

É este drama que é preciso, com determinação, enfrentar.

Contem com o PCP para este combate, pela habitação, por uma vida melhor, pelo País.

Um combate que passa pela mobilização de todos, tal como tem acontecido e que é preciso intensificar. 

É aqui que se decide a consagração do direito à habitação.

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