Projecto de Resolução N.º 1286/XIV/2.ª

Pela salvaguarda do património da Quinta dos Ingleses e da vontade das populações

Exposição de motivos

Os terrenos da Quinta Nova de Santo António, ou mais comummente denominada Quinta dos Ingleses, em Carcavelos, encerram uma importante memória histórica, a que se associa a produção do vinho generoso de Carcavelos ou a história do Cabo Submarino e a instalação nesta zona de uma importante colónia inglesa com ele associado.

De facto, a estação do Cabo Submarino de Carcavelos, datada de 1870, destinada à exploração de duas linhas telegráficas submarinas, uma entre Portugal e a Inglaterra, a outra entre Portugal e Gibraltar, com ligação à Índia, instalada no palácio da Quinta Nova de Santo António, fez com que aí se fixassem alguns trabalhadores britânicos e seus familiares formando uma colónia muito ativa, nomeadamente em termos desportivos, e dando origem à fundação, em 1932, do Colégio Inglês, St Julian’s School.

Sobre esta infraestrutura, o Diário de Notícias em junho de 1870 informava os seus leitores de que “admirável invenção é a da Telegrafia eléctrica, singular aperfeiçoamento o do cabo submarino! A imensa distância de 2.000 léguas, que separam Portugal da Índia, vai ser vencida no curto espaço de duas horas!”, denotando a importância histórica deste feito. Em 1908 foi ali realizada a X Conferência Telegráfica Internacional com a presença de diversas personalidades oriundas de vários países, algumas das quais vindas do “outro lado do mundo”.

A este local está também ligada a história da primeira experiência de utilização do telefone em Portugal, com aparelhos do sistema Bell, pois seu ensaio inicial decorreu entre Carcavelos e a Estação do Cabo, em Lisboa.

Esta importante referência histórica do local justificou que em 1989, um grupo de cidadãos tenha enviado um processo ao IPPAR (Instituto Português do Património Arquitetónico) solicitando a classificação integral da Quinta Nova de Santo António. De igual forma a Freguesia de Carcavelos aprovou, na altura, por unanimidade uma proposta para junto do IPPAR se proceder a essa mesma classificação integral.

Este processo recolheu o parecer favorável do IPPAR em 1994, tendo o Conselho Consultivo desta entidade dado desde sempre pareceres positivos à classificação integral da quinta e pareceres desfavoráveis aos planos de urbanização apresentados pelos diferentes proprietários, que, a partir de 1968, tentaram o aproveitamento urbanístico desta área.

Em 1998 foi entregue na Assembleia da República uma Petição subscrita por mais de 4400 pessoas pedindo que “este importante património ambiental e edificado seja preservado e requalificado como espaço lúdico, de lazer e desportivo, para todos os que dele queiram usufruir”.

Em 2009 a Quinta Nova de Santo António foi (des)classificada, por decisão municipal, como Imóvel de Interesse Municipal, e foi elaborado um Plano de Pormenor do Espaço de Reestruturação Urbanística de Carcavelos-Sul (PPERUCS), o qual foi submetido a discussão pública em 2013/2014.

Em 2014, na reunião de Câmara de 7 de abril foi aprovado o Relatório de Ponderação do Período de Discussão Pública onde foram completamente desvalorizadas as cerca de 3700 participações que rejeitaram liminarmente este Plano de Pormenor, contra apenas cerca de 40 que o defenderam, tendo sido aprovado, sob forte contestação popular, um plano de pormenor repudiado por toda a população.

Para além do interesse histórico e patrimonial da área em que se integra a Quinta Nova de Santo António, esta zona situada entre a bacia hidrográfica da Ribeiras das Marianas e da Ribeira de Sassoeiros e atravessada por esta última, constitui um importante suporte ambiental e de lazer da população do concelho de Cascais, fazendo parte da estrutura verde de corredores ecológicos interligando-se com o Parque Natural de Sintra – Cascais.

Apesar do abandono a que tem sido votado pelos diferentes proprietários privados, e do estado de degradação em que se encontram as zonas verdes aí presentes, este território deve ser protegido, dignamente recuperado e desenvolvido para usufruto da população do concelho, como aliás as populações há muito vêm reivindicando.

A Reserva Ecológica Nacional (REN) e a Reserva Agrícola Nacional (RAN) que foram criadas como eventual garante de autonomia alimentar e hídrica em contexto de crise, têm vindo a ser sucessivamente mutiladas com exclusões convenientemente determinadas para consagração de interesses imobiliários.

Todo este processo tem sido imposto em detrimento dos interesses municipais e regionais, comprometendo a perspetiva de um correto ordenamento do território e não tomando em consideração os atuais cenários associados às alterações climáticas e à ocorrência de eventos climáticos extremos.

É também de evidenciar que do ponto de vista do ordenamento do território o Projeto de Loteamento da Quinta dos Ingleses bem como o Plano de Pormenor que lhe está na base, apresentando um índice de impermeabilização do solo que atinge os 70%, contraria, de forma evidente, as orientações de gestão do território determinadas no Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa (PROT-AML), que determina que para o arco Algés-Cascais que “estas áreas ainda não edificadas “podem e devem representar o espaço de concretização de espaços públicos, zonas de lazer e recreio, em espaço não edificado, fundamentais para o funcionamento e qualidade do sistema urbano no seu conjunto”.

Assim, a concretização do Projeto de Loteamento da Quinta do Ingleses comprometerá de forma irreversível a contenção da edificação na orla costeira e a valorização dos recursos naturais, bem como a salvaguarda da paisagem e dos valores ambientais ribeirinhos, obstando a possíveis soluções alternativas de ocupação deste território, que repensem, reordenem e requalifiquem o espaço em questão, respondendo à vontade da população e intervindo de forma a minimizar impactes negativos em termos ambientais, sociais e paisagísticos.

No âmbito do processo que foi desenvolvido com vista ao licenciamento do Projeto de Loteamento, as entidades tomaram decisões que não são compreendidas e aceites pelas populações da freguesia e concelho em que o projeto se insere, que colidem com a vontade que muitos cidadãos expressaram no âmbito das consultas públicas envolvidas e que contrariam as orientações de gestão do território defendidas no PROT-AML.

Tratando-se de uma área de importância relevante no território em que se insere e tendo em conta as justas aspirações das populações sobre a mesma, é fundamental que se altere o paradigma de ordenamento para esta área, privilegiando a defesa dos ecossistemas e da biodiversidade bem como do património histórico, cultural e arquitetónico, fazendo deste espaço um suporte ambiental e de lazer da população.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte resolução:

Resolução

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomendar ao Governo que:

  1. Proceda à adequada proteção da Quinta dos Ingleses, no concelho de Cascais, com recurso ao adequado instrumento legal para esse efeito, considerando a sua importância enquanto espaço natural integrado contíguo ao espaço urbano e à orla costeira, com o objetivo de salvaguarda dos valores naturais, ambientais e culturais em presença e acompanhado das medidas específicas de conservação e gestão que possibilite o seu usufruto pela população;
  2. Promova uma efetiva participação pública em todas as fases de elaboração do projeto referido no número anterior, que possibilite às populações o seguimento do processo.
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