Projecto de Resolução N.º 222/XII-1ª

Pela reativação das emissões em Onda Curta da RDP Internacional

Pela reativação das emissões em Onda Curta da RDP Internacional

Em 2012 o Dia Mundial da Rádio é pela primeira vez comemorado oficialmente em todo o Mundo. A data de 13 de Fevereiro foi escolhida considerando a relevância histórica do dia em que a UNESCO estabeleceu o conceito “United Nations Radio”, no ano de 1946.

Com o simbolismo desta data, pretende-se promover a sensibilização para a importância da Rádio e o acesso à informação através da Rádio.
Segundo a UNESCO, a Rádio tem de ser reconhecida como um meio de baixo custo, especificamente apropriado para servir comunidades mais remotas e vulneráveis. Acrescenta ainda este organismo da ONU que, apesar das mudanças no universo da Rádio, das noas formas tecnológicas como a banda larga, as comunicações móveis ou os “tablets”, estima-se que ascenda a mil milhões de pessoas o universo daqueles que hoje não têm acesso à Rádio.

Esta decisão foi tomada pelo Conselho Executivo da UNESCO no dia 19 de Outubro de 2011 – pouco mais de quatro meses depois de o serviço público de radiodifusão ter deixado de ser acessível a partir de Portugal, para cidadãos espalhados pelo mundo, com o fim das emissões em Onda Curta da RDP Internacional.

Com efeitos a partir de 1 de Junho desse ano, a RTP decidiu «suspender provisoriamente, para avaliação», as emissões. A decisão foi autorizada pelo então ministro dos Assuntos Parlamentares do Governo PS, e entretanto mantida e confirmada pelo atual ministro da tutela do Governo PSD/CDS-PP.

Esta situação afeta as comunidades portuguesas na diáspora, os muitos trabalhadores que se encontram afastados do território nacional, incluindo desde logo os trabalhadores marítimos ou do transporte internacional rodoviário, muitos cidadãos nacionais que não podem ser excluídos do acesso às emissões de rádio do seu país. Mas são afetadas também as perspetivas de defesa e difusão da língua portuguesa e da cultura portuguesa, cujos destinatários e universos vão seguramente para além dos utilizadores das novas tecnologias.

O Governo e a empresa argumentaram que a captação destas emissões é assegurada através de satélite e Internet, garantindo-se supostamente a situação «da esmagadora maioria dos ouvintes da RDP Internacional». Ignorou-se assim a realidade de muitos ouvintes que, pelas mais diversas razões, não acedem à Internet nem têm sistemas de receção via satélite – e tal como na cobertura geográfica, também nesta matéria o serviço público de radiodifusão foi deliberadamente negado a ouvintes com o argumento de que os “outros” ouvintes (aqueles que continuaram a ter acesso à rádio) são mais numerosos.

Esta medida foi levada a cabo sem qualquer avaliação ou estudo prévio. A RTP afirmava que no final deste período, seriam avaliadas as consequências e seria tomada uma decisão definitiva. Mas segundo a informação a que tivemos acesso, a verdade é que nenhum grupo de trabalho, nenhuma estrutura de acompanhamento e avaliação foi criada na empresa, apontando a um caminho de factos consumados em direção à extinção definitiva destas emissões.

Não podemos por outro lado ignorar o investimento de quase 6 milhões de euros no sistema de emissões em Onda curta, entre 2003 e 2006, e que existem compromissos internacionais da RTP, designadamente no quadro da sua participação no High Frequency Coordination Committee (Presença internacional da RTP na organização anual da coordenação e distribuição das frequências).

Esta matéria foi, durante muito tempo, objeto de uma abordagem de grande rigor e profundidade pelo Provedor do Ouvinte da RTP no seu programa de rádio, e também nas tomadas de posição de entidades como a Comissão de Trabalhadores da RTP ou o seu Conselho de Opinião – bem como de organizações integrantes do C.O. como é o caso da CGTP.

O Centro Emissor de Ondas Curtas da RDP constituiu desde 1954, e pode e deve constituir, uma via de comunicação de enorme importância da RDP Internacional – e, por seu intermédio, de todo o nosso país – junto das comunidades lusófonas espalhadas pelo mundo. Dali eram garantidas em média 50 horas de emissão por dia, para a Europa, África, Brasil, América do Norte, Venezuela e Médio Oriente.

As ondas curtas – radiofrequências situadas entre os 3 e os 25 megahertz (MHz) – constituem um objetivo estratégico de afirmação dos interesses nacionais no espaço global e são tanto mais importantes quanto um país tem interesses relevantes a projetar a nível internacional, dadas as suas características de propagação a longas distâncias do transmissor.

Na sequência da iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP, a Comissão para a Ética, Cidadania e Comunicação promoveu logo em Agosto de 2011 a audição do Ministro da tutela, da Administração da RTP, da Comissão de Trabalhadores da empresa e do Provedor do Ouvinte.
Tratou-se de um importante ciclo de reuniões, a contribuir para o conhecimento da situação e para dar voz a quem não desistiu de intervir em defesa desta vertente do serviço público de Rádio.

Neste processo, para tentar justificar que as emissões em Onda Curta tivessem uma audiência residual, foi mencionado repetidamente, pelo Governo e pela Administração da RTP, o ‘apagão’ a que as emissões em Onda Curta tinham estado sujeitas em 2010.

Primeiro, foi referido que tinha sido a Onda Curta na sua totalidade (“em todo o mundo”, como, por várias vezes, afirmou o Ministro da tutela) e, depois, segundo afirmou o Presidente do Conselho de Administração da RTP, impedindo as emissões para África durante três meses (e repetindo também que não teria havido uma única reclamação).

Ora, na verdade foram de facto afetadas as emissões do Sul de África (eixo de radiação de 144’ – metade sul do Continente Africano). Ou seja, Guiné-Bissau e Cabo Verde continuaram com as emissões em Onda Curta completamente garantidas. Ainda que com algumas dificuldades, as emissões da RDP Internacional em Angola e Moçambique continuaram a ser escutadas.

Quanto às afirmações segundo as quais não teria existido uma única reclamação, chegou à Assembleia da República a informação de que tal não corresponde à verdade e que, apesar da sua reduzida dimensão em termos da cobertura afetada, o ‘apagão’ foi sentido por vários ouvintes que fizeram chegar os seus contactos à Direção Técnica da RTP.

As audiências em Onda Curta estão a diminuir exclusivamente nos países mais ricos e desenvolvidos. Em África e na América Latina continuam a ser instalados novos emissores em Onda Curta. No Brasil existem mais de 50 emissoras a emitir em Onda Curta.

A verdade é que a RDP internacional não tem qualquer retransmissor FM em todo o continente africano. Os seis retransmissores existentes retransmitem a RDP África, cobrindo um raio de cerca de 20 km e com programação direcionada principalmente para as populações locais.

De resto, nos termos da lei a retransmissão da RDP em FM é impossível em Angola e a única forma possível, viável e eficiente, de transmissão é em Onda Curta. A emissão/retransmissão em FM pode (e em muitos casos tem de) ser complementar à Onda curta. Em Moçambique existem quatro emissores FM em quatro cidades e só a Onda Curta pode garantir a cobertura total do território daquele país.

O Governo e a empresa afirmaram na Assembleia da República que a Onda curta é uma “forma de emissão obsoleta”, e procuraram apontar o exemplo da estação alemã de rádio Deutsche Welle, que decidiu encerrar as suas instalações de Sines, dedicadas à emissão em Onda curta.
Ora, mesmo com o processo de reestruturação e modernização que atravessa, a Deutsche Welle mantém as transmissões em Onda curta para África, em língua portuguesa (sublinhe-se: em língua portuguesa!), a partir dos transmissores de Kigali no Ruanda. Desde Novembro, a Deutsche Welle anunciou em comunicado que manteria “somente” transmissões em ondas curtas em aramaico, chinês, dari, inglês e francês para a África, hausa, kiswhahili, pashtu, português para África e Urdu.

Isto é, a Deutsche Welle, apesar de acabar com as suas instalações em Sines, continua a investir nas emissões em Onda curta em língua portuguesa em África, a partir das suas instalações modernizadas no Ruanda.

Por outro lado, permanece o exemplo de inúmeras estações de rádio, de inúmeros países que emitem em ondas curtas – e em português. São casos concretos como os seguintes:

. BBC - British Broadcasting Corporation (Reino Unido), que transmite para África, Portugal e Brasil;
. Canal África (África do Sul), que transmite para Moçambique, Angola e África Ocidental;
. Deutsche Welle (Voz da Alemanha), que transmite para África a partir do Ruanda;
. Rádio Cairo – Egipto, que transmite para o Brasil;
. Rádio Ecclesia – Emissora Católica de Angola, que transmite para África;
. Rádio França Internacional, que transmite para África;
. Rádio Havana – Cuba, que transmite para Portugal e Brasil;
. Rádio Internacional da China, que transmite para o Brasil, África e Portugal;
. Rádio Japão, que transmite para o Brasil via retransmissor localizado nas Antilhas Holandesas;
. Rádio Nacional de Angola, que transmite para África;
. Rádio Roménia, que transmite para Portugal e Brasil;
. Rádio Vaticano, que transmite para África, Brasil e Portugal;
. RAE – Radiodifusão Argentina para o Exterior, que transmite para o Brasil;
. RAI Internacional (Roma – Itália), que transmite para África, Brasil e Portugal;
. Voz da América, que transmite para África;
. Voz da Rússia, que transmite para o Brasil e Portugal.

É de resto significativo que, a Rádio Exterior de Espanha, num comunicado divulgado em Julho de 2011, tenha estimado que o seu auditório, no exterior de Espanha, seja de dois terços de escuta em Onda Curta para um terço através da Internet.

Como a Comissão de Trabalhadores da RTP oportunamente recordou, as ondas curtas não podem ser controladas por barreiras de qualquer tipo, não podem ser confinadas a fronteiras nacionais ou ideológicas. Podem ser sintonizadas através de aparelhos simples e portáteis. Não podem ser censuradas; não é possível vigiar quem sintoniza o rádio – ao contrário de quem acede à Internet.

Como o PCP afirmou já a propósito deste Dia Mundial, a Rádio faz parte das nossas vidas, do nosso quotidiano e viver coletivo. Uma formidável evolução tecnológica que atravessou e transformou o século XX, aproximou povos, afirmou identidades, revelou culturas e talentos. Com a Rádio o som, a voz, a música, deixaram de estar circunscritas e ganharam asas.

Dezenas de anos depois da sua invenção e da sua difusão em Portugal, e apesar do surgimento de outras importantes tecnologias, como a televisão e a internet, a Rádio continua a ser hoje – seja pelos seus custos, seja pela sua simplicidade tecnológica – o mais universal dos meios de comunicação, e talvez, o mais especial.

Se em pleno século XXI, a Rádio continua a ser um importantíssimo meio de informação e de cultura, ela é também um fator indispensável e insubstituível à soberania de um povo e à sua afirmação no mundo.

Num momento em que nosso país e o nosso povo, vivem dias negros de violenta ofensiva contra os seus interesses e direitos, podemos afirmar que a rádio faz falta.

A Rádio faz falta à língua e à cultura portuguesa, ao pluralismo e liberdade de informação, à diversidade cultural seja nas múltiplas tradições, seja nas novas tendências que marcam o compasso do nosso tempo.

Faz falta a emissão em onda curta e a difusão internacional, fator indispensável da coesão territorial e de ligação aos milhões de emigrantes que o país tem pelo mundo. E faz falta sobretudo o Serviço Público de Rádio nas suas diferentes dimensões e que o atual governo tenta liquidar paulatinamente. A Rádio faz falta à vida democrática do país, à afirmação da nossa soberania, à construção de um Portugal com futuro.

Nestes termos, e tendo em consideração o acima exposto, ao abrigo da alínea b) do Artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do número 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte

Resolução

A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, resolve recomendar ao Governo a concretização das medidas necessárias para que sejam retomadas as emissões em onda curta da RDP Internacional.

Assembleia da República, em 13 de Fevereiro de 2012

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Assembleia da República
  • Projectos de Resolução