Projecto de Resolução N.º 1233/XIV/2.ª

Pela efectiva implementação da Educação Sexual transversal e interdisciplinar em meio escolar

Exposição de motivos

A introdução da Educação Sexual nas escolas é fruto da evidência da sua necessidade e de uma enorme vontade dos estudantes do ensino básico e secundário, tal como das Associações de Pais e Encarregados de Educação, que se mobilizaram para que esta passasse a ser uma realidade.

Passados mais de 20 anos desde a sua conceção inicial e mais de 10 sobre a sua obrigatoriedade, é premente a necessidade de uma efetiva implementação da Educação Sexual em meio escolar, transversal e interdisciplinar, adequada às necessidades atuais da juventude.

A Educação Sexual nas escolas, prevista na legislação portuguesa desde a publicação da Lei nº 3/84 e consolidada no âmbito da Lei nº 120/99, deveria funcionar como um elemento central da política de promoção da saúde sexual e reprodutiva.

De facto, esta é determinante para a melhoria dos relacionamentos afetivo-sexuais entre os jovens e a compreensão de si e dos outros, para a prevenção de ocorrências negativas que possam decorrer dos comportamentos sexuais, como gravidez precoce e infeções sexualmente transmissíveis (DST), para a tomada de decisões conscientes e seguras, para a proteção face aos vários tipos de exploração e abusos sexuais.

Por reconhecer a sua importância, o PCP foi pioneiro na defesa desta componente, tendo apresentado em 1982 o Projeto de Lei nº 308/II, que consagrava o direito ao planeamento familiar e à educação sexual. Apesar dessa proposta ter sido rejeitada, no ano seguinte o PCP apresentou o Projeto de Lei n.º 6/III e, em 1999, o Projeto de Lei nº 632/VII, contribuindo decisivamente para os textos que viriam a estabelecer a educação sexual.

Com o Decreto-Lei n.º 259/2000, a escola é designada entidade competente para integrar estratégias de promoção e Educação para a Saúde (incluindo a Educação Sexual nos currículos dos ensinos básico e secundário). O Decreto-Lei n.º 6/2001 definiu que a Educação Sexual passasse a ser abordada nas áreas curriculares não disciplinares do ensino básico. Com a Lei n.º 60/2009, que estabelece o regime de aplicação da educação sexual em meio escolar, a Educação Sexual passou a ter regulação própria para a sua implementação nos estabelecimentos do ensino básico e do ensino secundário. Os Grupos de Trabalho para a Educação Sexual do Ministério da Educação elaboraram diversas recomendações que foram então acolhidas.

O psiquiatra Daniel Sampaio, membro do Grupo de Trabalho referido, entre outras observações divulgadas pela Direção Geral de Saúde, oferece-nos uma perspetiva sobre a importância do tema:

“A Educação Sexual em meio escolar é uma oportunidade para a Educação. Permite trabalhar, com os alunos, vetores fundamentais para o seu percurso como pessoas: o respeito pelo outro; a igualdade de direitos entre homens e mulheres; a recusa de todas as formas de violência, sobretudo a rejeição da violência no campo da sexualidade; a importância da comunicação e envolvimento afetivos; a promoção da saúde física e mental. Possibilita, também, informar com credibilidade e aumentar o conhecimento.

Ao mesmo tempo, permite discutir sentimentos e atitudes, bem como elevar as capacidades individuais e de grupo para tomar decisões responsáveis.

A Educação Sexual é, igualmente, um excelente campo para que os alunos, apoiados nos seus pais e professores, possam aumentar a sua capacidade para compreender as próprias emoções, o que é crucial para a sua sexualidade e para todas as outras dimensões da vida.

Falar de sexualidade na escola é falar de uma força estruturante que acompanha as nossas vidas desde que nascemos até que morremos. Uma vida sexual que nos forneça bem-estar contribui para o nosso equilíbrio. Por isso, a Escola não deve perder esta oportunidade de contribuir para uma vivência mais gratificante da sexualidade por parte dos seus estudantes.

Devemos centrar as nossas ações na Escola numa perspetiva de desenvolvimento dos nossos jovens, compreendendo as suas biografias, a cultura das suas famílias e a heterogeneidade das adolescências atuais. Por essa razão, para mim não faz sentido falar em “dar conteúdos”, como algumas vezes se refere, porque as metodologias a privilegiar devem ser as de projeto: a partir das questões dos alunos (diferentes de escola para escola), é necessário construir uma aprendizagem partilhada, em que os alunos deverão ser os protagonistas na pesquisa, cabendo ao professor, apoiado nas parcerias com a saúde, o papel de dinamização e de esclarecimento finais. A televisão e a internet devem ser trazidas para o debate, dada a atualidade das notícias e o interesse dos jovens pelas novas tecnologias. (…)”.

Ao encontro desta reflexão, a Juventude Comunista Portuguesa e o PCP defendem uma educação sexual integrada nos diversos conteúdos programáticos, transversal e interdisciplinar, que coloque a sexualidade e a saúde reprodutiva como um conteúdo nuclear em cada disciplina, e que não permita o isolamento teórico da matéria em causa, prevenindo também o aumento da carga horária dos estudantes ou a diminuição da carga horária já prevista para as diversas disciplinas em cada ano de escolaridade. A par dessa vertente, deve existir um efetivo envolvimento das unidades de saúde, um gabinete de atendimento na escola, tal como a disponibilização gratuita de contracetivos nos estabelecimentos com ensino secundário.

Apesar da Lei n.º 60/2009 acolher a generalidade dos eixos acima referidos, a verdade é que a sua real implementação nas escolas está aquém do possível, necessário e desejável, muito por força do crónico desinvestimento na Educação e na Saúde, que retira condições para a sua realização, bem como do próprio modelo pedagógico e de participação nas escolas.

O Relatório – Acompanhamento e Avaliação da Implementação da Lei n.º 60/2009 de 6 de agosto produzido pela Direção-Geral de Educação em 2019 com base em dados recolhidos num formulário online cuja solicitação de preenchimento foi feita aos diretores dos Agrupamentos de escolas/Escolas não agrupadas é esclarecedor quanto à insuficiência da implementação da Educação Sexual em Portugal. Responderam 668 Agrupamentos de escolas/Escolas não agrupadas e desse universo 95% fizeram o preenchimento da maioria das questões. Tendo em conta a realidade destas 633 unidades orgânicas (UO) que responderam ao apelo, podem ler-se as seguintes considerações e propostas de melhoria:

“As UO procuram dar resposta ao regime de aplicação da educação sexual em meio escolar de acordo com a Lei N.º 60/2009, de 6 de agosto.

  • Em 94% das UO há um professor coordenador de educação para a saúde e educação sexual.
  • Em 83% das UO há uma equipa interdisciplinar/multidisciplinar de educação para a saúde e educação sexual.
  • Em 72% das UO há um gabinete de informação e apoio (educação para a saúde e educação sexual).

(…)

  • As equipas interdisciplinares/multidisciplinares nas UO incluem docentes, alunos, psicólogos, assistentes sociais, pais e encarregados de educação e elementos da saúde escolar, numa proporção e constituição diversificada. Além de docentes quase sempre presentes, os outros elementos nem sempre fazem parte desta equipa: 75% não integram nenhum/a aluno/a, 77% não integram nenhuns/mas pais/encarregados/as de educação, 18% não integram nenhum psicólogo/a, 75% não integram nenhum/a assistente social e 10% não integram nenhum elemento da saúde escolar.

Proposta de melhoria: É importante que a equipa tenha uma constituição em nº e diversidade e também de crédito horário, que lhe permita, em articulação com a estratégia de educação para a cidadania de escola, propor e desenvolver um projeto de educação para a saúde e educação sexual conducente ao desenvolvimento de competências, nomeadamente no relacionamento interpessoal, no desenvolvimento pessoal e autonomia, no bem-estar, saúde e ambiente, na consciência e domínio do corpo, que se pretendem nos alunos à saída da escolaridade obrigatória.

  • Nem todas as escolas conseguem cumprir o nº de horas mínimo nos projetos de educação sexual de turma, identificando as limitações encontradas nomeadamente as necessidades de formação e o condicionamento do número de horas a disponibilizar/extensão do currículo.

(…)

  • Há ainda pouca articulação formal entre o/a coordenador/a de cidadania de escola e o/a coordenador/a da educação para a saúde nomeadamente na definição da estratégia que permita a concretização dos objetivos e finalidades da lei 60/2009, da estratégia e das competências a trabalhar para atingir o definido no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória.

Proposta de melhoria: É fundamental encontrar momentos de articulação formal entre o/a coordenador/a de educação para a cidadania de escola e o/a coordenador/a da educação para a saúde, para a definição da estratégia que permita a concretização dos objetivos e finalidades da Lei 60/2009, da estratégia e das competências a trabalhar para atingir o definido no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, sugerindo-se a marcação de horário comum entre ambos/as.

  • A maioria das escolas não registam em geral casos (ou registam poucos) de situações de violação de direitos relativamente à orientação sexual, à igualdade de género, à igualdade entre os sexos, a comportamentos baseados na discriminação sexual ou na violência em função do sexo ou orientação sexual.

Proposta de melhoria: Apesar da maioria das escolas não registar em geral casos deste tipo de situações é importante o desenvolvimento de um trabalho não só de resposta, mas principalmente de prevenção.

(…)

  • Como parceiros no desenvolvimento do trabalho no âmbito dos afetos e educação para a sexualidade, a maioria identifica as unidades de saúde, os especialistas, as autarquias e as ONG como principais elos de apoio”

Apesar deste balanço não resultar de uma análise global da situação no país e apontar soluções de gestão dos problemas e não de resolução efetiva dos mesmos, a verdade é que ele nos permite traçar algumas linhas de trabalho a adotar nesta área.

Uma vez que parte do questionário se debruçava nos constrangimentos encontrados para a total implementação dos eixos acima referidos (professor coordenador, equipa multidisciplinar e gabinete), é possível retirar ilações. Os principais constrangimentos apontados foram a falta de recursos humanos (28%), a falta de crédito de horas (21%), a falta de espaço físico adequado (20%), a reduzida procura pelos alunos (12%), a falta de equipa multidisciplinar (10%), a falta apoio da equipa da saúde escolar (6%) e a falta de formação (3%).

Importa também referir que, na perspetiva dos alunos, a Educação Sexual existente é muito insuficiente e, mais das vezes, caraterizada como inexistente. São muitos os alunos que relatam que não sentem que esta matéria esteja a ter tratamento adequado, uma vez que tiveram muito pouco tempo dedicado e normalmente apenas quando “vem alguém de fora”. Reclamam uma educação sexual menos “vaga e mais interessante”, apontando a necessidade de haver maior transversalidade na abordagem, nos recursos, materiais e contextos em que a mesma é trabalhada. Sobretudo, salta à vista a urgência de uma implementação efetiva dos gabinetes de informação e apoio no âmbito da educação para a saúde e educação sexual.

Não ignorando a impossibilidade de solucionar definitivamente o problema da insuficiência da implementação da Educação Sexual sem abordar outras problemáticas do modelo de ensino, do modelo de gestão e organização das escolas e dos meios conferidos à escola pública, o presente Projeto de Resolução visa dar resposta às necessidades apontadas, propondo soluções concretas a adotar pelo Governo no imediato.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte:

Resolução

A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea b) do art.º 166.º da Constituição da República Portuguesa, recomendar ao Governo que:

  1. Atualize os parâmetros e linhas mestras da Educação Sexual para responder aos desafios do presente e necessidades dos estudantes, de acordo com as recomendações da OMS, da APF e da investigação produzida nesta matéria, entre outros:
    1. Contribuir para uma sociedade mais tolerante e aberta à diversidade sexual;
    2. Capacitar para escolhas informadas e responsáveis em relação a si e aos outros;
    3. Conhecer o corpo humano, o seu desenvolvimento e funções;
    4. Ser capaz de expressar sentimentos e necessidades, viver de forma gratificante e desenvolver a sua autoidentidade;
    5. Ter informação adequada sobre os aspetos físicos, emocionais, sociais e culturais da sexualidade, sobre contraceção, prevenção das IST e ainda sobre coerção sexual;
    6. Ter informação sobre os serviços de saúde sexual e reprodutiva existentes;
    7. Refletir sobre a diversidade de normas e valores sexuais, definindo as suas próprias posições pessoais de forma crítica;
    8. Ser capaz de construir relações baseadas na compreensão mútua e no respeito pelas necessidades e limites do outro, prevenindo-se da violência e dos abusos;
    9. Ser capaz de comunicar sobre a sexualidade e ter a linguagem adequada para o fazer.
  2. Promova a implementação de uma lógica participativa baseada na realidade de cada escola e de cada turma, em que os estudantes são chamados a identificar lacunas, definir objetivos e construir o processo pedagógico com base na sua experiência e realidade;
  3. Incentive a que exista uma discussão desta temática fora dos espaços formais e letivos, através do envolvimento das associações de estudante e/ou da discussão e definição de necessidades em Reunião Geral de Alunos ou outros contextos;
  4. Reforce o número de técnicos especializados, nomeadamente psicólogos, nas escolas públicas;
  5. Realize as intervenções necessárias onde se regista a falta de espaço físico adequado para implementação do gabinete de apoio ao aluno;
  6. Desenvolva formação permanente de professores e educadores que capacite para o desenvolvimento de projetos de educação sexual, adequados às realidades específicas, ao meio envolvente e ao conjunto de questões que assaltam os jovens, de acordo com os guias de boas práticas e recomendações já existentes;
  7. Dote as unidades de saúde de meios adequados para que existam trabalhadores afetos a esta cooperação com as escolas;
  8. Implemente no contexto da Educação Sexual a distribuição gratuita de métodos anticoncecionais e de artigos de higiene menstrual.
  • Educação e Ciência
  • Saúde
  • Projectos de Resolução