Projecto de Resolução N.º 594/XIII/2.ª

Pela defesa e valorização da estação de São Bento (Porto)

Pela defesa e valorização da estação de São Bento (Porto)

Exposição de Motivos

O século XIX ficou marcado, no nosso país, pelo lançamento de troços de caminhos de ferro, ficando para a História, entre outras datas, 30 de agosto de 1852, dia em que é publicado um decreto que autoriza o Governo a construir um caminho de ferro que parte do Porto e vai entroncar com a linha férrea de Lisboa à fronteira de Espanha: o chamado "Caminho de Ferro do Norte".

A Estação Ferroviária de Porto – Campanhã foi inaugurada em 1875, mas a elevada distância do centro da cidade reduziu a sua operacionalidade, pelo que viria a ser construída uma nova interface no centro do Porto. O plano para a nova estação a ser construída e o seu ramal para a rede ferroviária, com o nome de Linha Urbana dos Caminhos de Ferro do Porto, foi apresentado na sessão da Câmara Municipal do Porto de 8 de julho de 1887, sendo autorizada pelo Governo a construção do ramal em janeiro de 1888 e estabelecido que a estação deveria ser instalada junto à Praça de D. Pedro, no local do Mosteiro de São Bento de Ave-Maria.

A "Estação dos Caminhos de Ferro de São Bento", localizada em pleno coração da cidade, na Praça de Almeida Garrett, entrou ao serviço de forma provisória no dia 8 de novembro de 1896, tendo sido oficialmente inaugurada apenas em 5 de outubro de 1916.

O edifício que a alberga foi erigido no século XVI para acolher o convento das freiras beneditinas de São Bento de Ave-Maria e foi destruído por um incêndio em 1783, sendo reconstruído no início do século seguinte. A primeira pedra do atual imóvel foi lançada em 1900, altura em que o convento se apresentava bastante degradado e acabou por ser demolido.

Optou-se pela edificação de uma gare com oito linhas terminais e cinco cais de embarque, sendo o seu projeto entregue ao arquiteto portuense José Marques da Silva. Caracterizada exteriormente por linhas arquitetónicas e soluções decorativas de fundo neoclássico tardio, é pelo átrio principal que mais se destaca artisticamente, com alçados decorados com cerca de vinte mil azulejos, produzidos na Fábrica de Sacavém e executados a branco e azul pelo pintor Jorge Colaço, rodeados por um friso multicolor contendo a História dos Transportes.

Cobrindo uma superfície de cerca de 551 metros quadrados, os azulejos representam diversas cenas históricas como o Torneio de Arcos de Valdevez, a apresentação de Egas Moniz com os filhos ao Rei Afonso VII de Leão e Castela, a entrada de D. João I e de D. Filipa de Lencastre no Porto, a Conquista de Ceuta, mas também a vida tradicional no campo. Além dos azulejos, outros aspetos a destacar na estação são a cobertura sobre as vias e a fachada, com forte influência francesa, que se verifica especialmente nas torres laterais.

Classificada como Imóvel de Interesse Público desde 31 de dezembro de 1997, a estação de São Bento assume, ainda hoje, um importantíssimo papel na mobilidade das populações. Assim, ao elevado interesse histórico, patrimonial e arquitetónico acresce o importante papel que desempenha enquanto estação ferroviária.

Acontece que, muito recentemente, informações vindas a público dão conta que a Infraestruturas de Portugal (IP) apresentou um projeto de remodelação da Estação que parece mais assente numa base economicista e não numa lógica de preservação e valorização do património cultural.

Na verdade, destaca-se neste projeto a ideia de construir um hostel e vários espaços de restauração sem que se perceba de que forma irá ser salvaguardada a estação, quer quanto à sua funcionalidade, quer quanto ao seu património histórico e arquitetónico.

Para além destas justas críticas, o não envolvimento dos órgãos autárquicos (Câmara Municipal e Assembleia Municipal) e das populações na decisão é também criticável, tendo em conta a importância que a estação de São Bento tem na cidade do Porto, na sua vida quotidiana e na sua história.

O PCP tem denunciado uma política que consiste na entrega de património cultural decorrente da nossa história coletiva a grupos privados para montarem o seu negócio, em detrimento da plena fruição pública, alegando-se o mau estado de conservação ou a falta de utilização de espaços.

Muitas vezes, trata-se de edifícios com características históricas e valor simbólico e cultural que encerram em si elementos sobre períodos e episódios importantes da nossa história comum, razão pela qual não podem ser alienados ou alteradas as suas características, nomeadamente físicas e de usos, apenas por mera vontade do governo e de interesses privados, independentemente de pressões que estes possam exercer.

O PCP defende que caminho não pode passar por transformar o património num negócio em que quem lucra são os grupos privados à custa da memória e da história coletiva do nosso país. Se o património fica mais bem servido “com gente dentro”, a solução passa por intensificar a ligação cultural entre as populações e o património, integrar o património edificado na vida e quotidiano do país, designadamente na vida de trabalho, resultando numa valorização e preservação vivida e fruída coletivamente.

O PCP defende que a estação de S. Bento deve ser reabilitada, conservada, valorizada e colocada ao serviço das populações e de quem nela trabalha e a utiliza no seu dia-a-dia.

Nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõe que a Assembleia da República adote a seguinte:

Resolução

A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa, recomendar ao Governo que:

1. Suspenda de imediato o projeto da Infraestruturas de Portugal (IP) de remodelação da Estação de São Bento;
2. Inicie um amplo processo de auscultação das populações e das autarquias locais sobre o uso dos espaços e futura requalificação desta estação;
3. Desenvolva as medidas necessárias para garantir que o projeto tenha como principal objetivo a requalificação da Estação com a devida salvaguarda do seu património.

Assembleia da República, 23 de dezembro de 2016

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