Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

PCP volta a propor a criação do crime de enriquecimento ilícito

Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,

Foi em 15 de Fevereiro de 2007 que o Grupo Parlamentar do PCP apresentou pela primeira vez nesta Assembleia uma proposta visando criminalizar o enriquecimento ilícito. Foi uma iniciativa pioneira em Portugal, embora tivesse já antecedentes, designadamente na ordem jurídica de Macau, ao tempo ainda sob Administração Portuguesa. Essa proposta estava incluída no Projecto de Lei n.º 360/X, de medidas de combate à corrupção e à criminalidade económica e financeira, que previa entre outras, a proposta de criação de um tipo de crime então designado como de “enriquecimento injustificado”. Submetido a votação em 23 de Fevereiro de 2008, esse projecto teve os votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e foi, consequentemente, rejeitado.

Por essa altura teve lugar na Assembleia República um intenso debate sobre os meios jurídicos para prevenir e punir o fenómeno da corrupção e da criminalidade económica e financeira em geral.

Porém, a legislação aprovada sobre a matéria ficou muitíssimo aquém do que era esperado, desejável e necessário.

Ainda na X Legislatura, em 8 de Abril de 2009, o PCP insistiu na proposta, aperfeiçoando a sua formulação jurídica e apresentando nova iniciativa que, submetida a votação, foi de novo rejeitada, desta vez apenas com os votos contra do PS e as abstenções do PSD e do CDS-PP. A ideia de que a criminalização do enriquecimento ilícito revestia uma importância decisiva para o sucesso do combate à corrupção fazia o seu caminho e era já defendida por diversos especialistas em matéria penal.

Daí que, quando na XI Legislatura, a Assembleia da República, já livre da maioria absoluta que manietava a sua capacidade legislativa, retomou o propósito de elaborar um novo pacote legislativo de combate à corrupção, o PCP tenha retomado de imediato a proposta de criminalização do enriquecimento ilícito. O projecto foi entregue em 2 de Novembro de 2009 e integrado no debate das várias iniciativas apresentadas em matéria de combate à corrupção.

Porém, quando haveria a legítima expectativa de que a iniciativa fosse finalmente aprovada, tendo em conta as votações ocorridas na legislatura anterior, isso não aconteceu. Submetido a votação em 10 de Dezembro de 2009, o projecto foi rejeitado com os votos contra do PS e, desta vez também do CDS-PP.

É público e notório que o fenómeno da corrupção e a convicção da insuficiência dos meios para o combater tem vindo a causar alarme social.

Particularmente no momento de crise que o nosso país atravessa, em que são impostos sacrifícios injustos aos trabalhadores, aos reformados e às camadas sociais mais desfavorecidas, a impunidade da corrupção e da criminalidade económica e financeira é cada vez mais insuportável. Se é certo que essa ausência de meios para o combate à corrupção não decorre da lei e que existe mesmo uma Recomendação unânime da Assembleia da República que a reconhece e que interpela o Governo no sentido da dotação das autoridades judiciárias e dos órgãos de polícia criminal com os meios necessários para esse efeito, também é verdade que a recusa da criminalização do enriquecimento ilícito é uma falha que tem sido justamente apontada ao nosso ordenamento jurídico.

Por isso mesmo, o PCP retomou o projecto de lei de criação do tipo de crime de enriquecimento ilícito em 13 de Janeiro de 2011, mas a dissolução da Assembleia da República que entretanto ocorreu não permitiu o agendamento dessa iniciativa.

Porém, na presente legislatura, tendo em conta a confirmação das posições anteriormente assumidas pelo PCP, PEV, BE e PSD e a mudança de posição do CDS-PP, desta vez num sentido favorável, existe a possibilidade real de consagrar a criminalização do enriquecimento ilícito.

Entendeu por isso o Grupo Parlamentar do PCP retomar a iniciativa e insistir na sua proposta.

A criminalização do enriquecimento ilícito tem vindo a ser reivindicada por um movimento cívico dinamizado pelo jornal Correio da Manhã, que se traduz na petição que também hoje sobe a plenário, subscrita por cerca de 30 mil cidadãos. Em nome do Grupo Parlamentar do PCP quero saudar essa iniciativa e os cidadãos que a subscreveram.

Consideramos que a proposta apresentada pelos peticionários constitui um valioso contributo para este processo legislativo e que deve ser ponderada com toda a atenção no debate na especialidade a par dos projectos de lei que forem aprovados.

O PCP continua a considerar que, ao contrário do que afirmam alguns detractores, não há nesta proposta qualquer inversão do ónus da prova em matéria penal. Os rendimentos licitamente obtidos por titulares de cargos públicos são perfeitamente verificáveis. A verificar-se a existência de património e rendimentos anormalmente superiores aos que são licitamente obtidos tendo em conta os cargos exercidos e as remunerações recebidas, ficará preenchido o tipo de crime se tal desproporção for provada. A demonstração de que o património e os rendimentos anormalmente superiores aos que seriam esperáveis foram obtidos por meios lícitos excluirá obviamente a ilicitude.

Aliás, ao Ratificar a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, através da Resolução da Assembleia da República n.º 47/2007 e do Decreto do Presidente da República n.º 97/2007, de 21 de Setembro, o Estado Português assumiu o dever de introduzir o crime do enriquecimento ilícito no seu ordenamento jurídico. Com efeito, dispõe o artigo 20.º da Convenção que sem prejuízo da sua Constituição e dos princípios fundamentais do seu sistema jurídico, cada Estado Parte deverá considerar a adopção de medidas legislativas e de outras que se revelem necessárias para classificar como infracção penal, quando praticado intencionalmente, o enriquecimento ilícito, isto é o aumento significativo do património de um agente público para o qual ele não consegue apresentar uma justificação razoável face ao seu rendimento legítimo.

O PCP considera que esta disposição da Convenção das Nações Unidas não contraria qualquer princípio constitucional e não pode permanecer letra morta em Portugal. Por isso, o Grupo Parlamentar do PCP propõe que os cidadãos que, nos termos da lei, sejam obrigados a efectuar declarações de património e rendimentos tendo em conta os cargos públicos que exercem, sejam obrigados a demonstrar a origem lícita do património e rendimentos que possuem, caso estes se revelem anormalmente superiores aos que constam das declarações efectuadas ou aos que decorreriam das remunerações correspondentes aos cargos públicos e às actividades profissionais exercidas.

O PCP tem a sua proposta, mas evidentemente que estamos inteiramente disponíveis para encontrar uma solução que possa conduzir finalmente à aprovação de uma medida legislativa que tenha um impacto real no combate à corrupção. Esperamos é que seja desta e não vemos razão para que não seja.

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