Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

PCP recusa a inevitabilidade dos sacrifícios

Declaração política levantando questões sobre a actual situação económico-financeira do País

Sr. Presidente, Srs. Deputados:

Queremos abordar a situação que estamos a viver em dez perguntas e algumas citações.

Primeira pergunta: confirma-se ou não que as consequências desastrosas para o nosso País, que o PCP e muitos economistas de outros quadrantes previram, sobre a entrada de Portugal na união económica e monetária (UEM) e no euro se verificaram?

Dizia, em 1995, e diz ainda, o Prof. João Ferreira do Amaral: «Não estamos em condições de competir numa zona de moeda forte. A nossa estrutura produtiva não aguenta uma moeda forte».

Também o PCP, desde a primeira hora, denunciou que seriam desastrosas as consequências da retirada de instrumentos fundamentais à nossa economia, designadamente no plano cambial, arrasando a competitividade e pressionando os salários e os direitos laborais e sociais, afinal também o objectivo destas políticas apadrinhadas por PS, PSD e CDS-PP.

Nunca ninguém disse aos portugueses em que base assenta a exigência de um défice inferior a 3%, numa economia que precisa de disponibilidade orçamental para se desenvolver.

Outra citação, Vítor Constâncio, em Junho de 1994: «(…) direi que os critérios adoptados não são economicamente justificáveis e têm de ser revistos, existindo apenas, por razões que genericamente poderemos classificar como políticas, com o objectivo de forçar a criação de uma Europa a duas velocidades e de uma mini-União Europeia que a Alemanha possa dominar mais facilmente». Dizia Vítor Constâncio, mas, entretanto, esqueceu-se depressa destas preocupações e passou a negar aquilo que, antes, afirmava…!!

Segunda pergunta: é ou não verdade que nunca se acautelaram os previsíveis choques assimétricos das crises nas economias, por causa dos seus diferentes estádios de desenvolvimento, como é o caso da economia portuguesa?

Cito, agora, o Prof. Aníbal Cavaco Silva, no Anuário da Economia Portuguesa: «A existência de mecanismos automáticos de redistribuição intracomunitária para fazer face a choques assimétricos é amplamente reconhecida como uma condição de sustentabilidade da União Monetária (…) Esses mecanismos justificam-se particularmente numa fase inicial da União Monetária, em que as diferenças nas estruturas económicas tornam maior a possibilidade de choques económicos assimétricos significativos, do lado da oferta ou da procura, atingindo particularmente as economias menos desenvolvidas». Claro que nunca houve medidas para conter estes efeitos!

De facto, a UEM foi feita com critérios uniformes para situações muito diferenciadas, sacrificando as economias mais frágeis, como a portuguesa, aos interesses das mais fortes, do capital financeiro e da especulação.

Terceira pergunta: por que razão não houve ainda uma declaração inequívoca da União Europeia para pôr fim às movimentações do capital financeiro especulativo? Porque, mesmo sabendo-se que estas agências estão ligadas ao capital especulativo e fazem o seu jogo, o directório europeu, com a Alemanha à cabeça, continua a favorecê-lo nesta situação, continua a alimentar a especulação.

Quarta pergunta: como se compreende que o Banco Central Europeu (BCE) tenha emprestado milhares de milhões de euros aos bancos, sempre com a mesma baixa taxa de juro, e agora não empreste aos Estados que deles necessitam e que os vão obter de outros Estados a taxas diferenciadas e muito mais altas?!

Assim se vê como é inaceitável que o BCE não tenha nenhum controlo democrático e obedeça apenas aos interesses do grande capital financeiro!!
Cito, novamente, Vítor Constâncio, em Fevereiro de 1997: «(…) a total independência do futuro banco central europeu vai criar problemas».

Quinta pergunta: por que é que, se estamos sob o ataque dos mercados, isto é, do capital financeiro transnacional, o Governo e o PSD respondem com o ataque ao povo português e, em especial, aos mais carenciados?

Todas as medidas anunciadas são contra os mesmos de sempre, são contra as prestações sociais, são contra os salários, são contra os desempregados. Com um enorme desplante, a Ministra do Trabalho repetiu ontem o que o Presidente da CIP tinha dito há dois dias atrás: que é preciso apertar o subsídio de desemprego, para obrigar os desempregados a regressar ao mercado de trabalho. Mas onde estão os empregos para eles ocuparem? Já se percebeu que aquilo que os patrões, o Governo e o PSD querem é, progressivamente, diminuir os salários, aumentando a exploração e a precariedade.

Sexta pergunta: como podemos aceitar que a banca, que recebeu muitos milhões em apoios, por exemplo, em Portugal, que não os reflectiu nos apoios às empresas e às famílias, que continua a ter lucros fabulosos, continue a pagar menos do que as restantes empresas, quando deve até pagar mais, tendo em conta a sua rentabilidade?!

A banca lucrou 5 milhões de euros por dia, em 2009, em plena crise, para pagar IRC a uma taxa efectiva de, pelo menos, 10 pontos percentuais abaixo da taxa prevista na lei! E já propõe o aumento dos spreads para as famílias e para as empresas!!...

É indispensável que a banca pague, pelo menos, os 25% de IRC, tal como propusemos no Orçamento do Estado, e até mais, em função do elevado montante dos seus lucros.

Sétima pergunta: é ou não verdade que as medidas restritivas anunciadas não vão ter nenhum efeito nos mercados, como não tiveram na Grécia, que anuncia cortes sobre cortes e vê a sua dívida cada vez mais onerosa, como desejam os especuladores?!

Quando se cede à chantagem, o chantagista aumenta a parada.

Na verdade, este capital financeiro está sedento de instabilidade, para impor aos Estados juros altos, e, por seu lado, os Governos, como em Portugal, aproveitam para aprofundar o neoliberalismo.

Oitava pergunta: como é que se pode combater a crise, agravando as medidas que são a sua causa?! Como é que, por exemplo, a Standard & Poor’s invoca o fraco crescimento previsto para Portugal para degradar a notação da República e exige, em consequência, mais medidas de corte no investimento, nos salários e nas prestações sociais?

Mas, se cortarmos ainda mais no investimento, como o Ministro de Estado e das Finanças veio hoje anunciar, vamos afundar ainda mais o crescimento económico de que ele é uma alavanca fundamental, ainda para mais quando os mercados para onde exportamos estão também em crise!

E se cortarmos ainda mais nos salários, vamos afundar o mercado interno, essencial, entre outros aspectos, para muitos milhares de pequenas empresas!
Nona pergunta: como podemos continuar as privatizações, sendo que as empresas públicas são de todos e se forem privadas serão só de alguns; sendo que as empresas públicas estão ao serviço do desenvolvimento e das populações e se forem privadas estarão ao serviço dos lucros; sendo que as empresas públicas entregarão em poucos anos mais recursos financeiros ao Estado do que o valor que se vai arrecadar com a eventual privatização?!

Décima e última pergunta, finalmente: será que, como nos querem fazer crer, só há este caminho e estamos perante uma inevitabilidade?

Não, Srs. Deputados! Para os povos não há inevitabilidades, há sempre caminhos e soluções alternativas! E pela nossa parte continuaremos a lutar por elas!

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