Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

PCP propõe protecção para devedores de crédito à habitação em situação económica muito difícil

Procede à primeira alteração à Lei n.º 58/2012, de 9 de novembro, que cria um regime extraordinário de proteção de devedores de crédito à habitação em situação económica muito difícil
(projeto de lei n.º 500/XII/3.ª)

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Em setembro de 2012, a Assembleia da República criou um regime extraordinário de proteção de devedores de crédito à habitação em situação económica difícil. Este regime visava dar resposta ao problema do incumprimento do crédito à habitação, profundamente agravado por uma política de exploração e empobrecimento levada a cabo no âmbito do Memorando da troica.
Apesar de, inicialmente, todos os partidos terem apresentado propostas que, pela sua natureza e alcance, permitiriam enfrentar de forma eficaz este problema, um recuo do PSD e do CDS, indissociável das pressões exercidas pela banca, acabou por se traduzir numa lei desadequada e muito aquém das necessidades.
Tal como o PCP denunciou na altura, as condições de acesso ao regime extraordinário eram de tal forma restritivas que apenas um reduzidíssimo número de famílias poderia a ele aceder. Um ano depois, o Relatório da Comissão de Avaliação do Regime Extraordinário veio dar razão ao PCP. Apenas 295 agregados familiares foram admitidos neste regime, e desses apenas 118 viram a sua situação de incumprimento regularizada, representando menos de 0,1% dos agregados familiares com crédito vencido.
Perante uma tão esmagadora evidência da desadequação do regime extraordinário do crédito à habitação, impõe-se uma alteração da lei, nomeadamente no que diz respeito às condições de acesso, alargando o universo de famílias que pode aceder a este regime.
Em particular, no projeto de lei que o PCP apresenta aqui hoje, estabelece-se o aumento do valor patrimonial tributário máximo dos imóveis que podem ser abrangidos pelo regime extraordinário, ao mesmo tempo que se fixam novos patamares, mais altos, para o rendimento do agregado familiar que permite o acesso a este regime.
Mas o projeto de lei do PCP não se fica por aqui. Alarga ainda as medidas de proteção dos devedores, nomeadamente através da possibilidade da concessão de um período de carência total e da introdução de um perdão parcial da dívida em determinadas situações.
Nos casos em que todas as medidas iniciais e complementares se revelem insuficientes e o devedor tenha de entregar a sua habitação ao banco credor, o projeto de lei do PCP consagra a extinção total da dívida. Não podemos aceitar que uma família, depois de entregar a sua casa, tenha ainda que, durante anos, por vezes décadas, continuar a pagar o empréstimo ao banco.
Por fim, como o direito à habitação é um direito fundamental que não pode ser posto em causa, o projeto de lei do PCP estabelece que, nos casos em que o imóvel é entregue à banca, o devedor e a sua família têm o direito de permanecer no imóvel na qualidade de arrendatários.
O projeto de lei do PCP não exige um esforço desproporcionado à banca e faz uma opção clara a favor das famílias em situação económica difícil.
As condições em que o setor financeiro concedeu crédito foram e são altamente vantajosas para os seus interesses, pelo que as propostas do PCP apenas estabelecem um reequilíbrio das condições de acesso ao crédito, ao mesmo tempo que garantem a milhares de famílias um direito fundamental consagrado na Constituição da República Portuguesa, o direito à habitação.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Carlos Santos Silva,
O projeto de lei que o Sr. Deputado acaba de apresentar fica muito aquém das propostas iniciais do PSD há ano e meio, quando começámos a discutir o regime extraordinário do crédito à habitação.
Tenho de lembrar que o PSD, antes de a banca lhes «dar um puxão de orelhas», propunha que o preço de aquisição de um imóvel abrangido pelo regime extraordinário pudesse ir até aos 175 000 €. Agora, ficam-se pelos 130 000 €. Há um ano e meio, o PSD defendia que um agregado familiar, para ter acesso ao regime extraordinário, tivesse um rendimento anual bruto corrigido até 25 000 €. Agora ficam-se por uma pequena fração deste valor.
Sr. Deputado, as propostas do PSD e do CDS não resolvem o problema da atual lei. Continuam a restringir de tal forma o acesso ao regime extraordinário que apenas um reduzidíssimo de famílias em dificuldades a ele terá acesso.
Lembro ainda, Sr. Deputado, que há um ano e meio, antes do tal «puxão de orelhas», o PSD defendia um perdão parcial da dívida como uma medida complementar ao plano de restruturação inicial; defendia que a entrega da casa ao banco extinguia a dívida; defendia que, depois de entregar a casa a banca o devedor e a sua família gozavam do direito de permanecer no imóvel na qualidade de arrendatários.
Dizia há pouco o Sr. Deputado, da tribuna, que as propostas do PCP são irrealistas. As nossas propostas, que encontro no nosso projeto de resolução, são estas propostas. Mas não as encontro no projeto de resolução apresentado pelo PSD e pelo CDS-PP.
Sr. Deputado, o que é feito das vossas propostas iniciais? O PSD e o CDS continuam mais preocupados em defender os interesses da banca do que em resolver o gravíssimo problema do incumprimento do crédito à habitação. Milhares e milhares de famílias, numa situação desesperada e na eminência de perderem as suas habitações, aguardam uma intervenção decisiva por parte da Assembleia da República, e os senhores querem ficar, mais uma vez, pelo faz-de-conta!
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Gostaria de começar por lembrar o PSD e o Sr. Deputado Carlos Santos Silva que as propostas do PCP que classificam de irrealistas, e que o CDS classifica de demagógicas, são propostas que coincidem com aquelas que se encontravam no projeto de lei do PSD apresentado há um ano e meio.
Em 25 de maio de 2012 apresentaram este projeto de lei e aqui estavam estas propostas. Mas isto, Srs. Deputados, foi antes do «puxão de orelhas» da banca. Depois de apanharem esse «puxão de orelhas» recuaram.
Mas nós, no PCP, não apanhamos «puxões de orelhas» da banca e, por isso, mantemos as nossas propostas, que são realistas, necessárias e justas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, há um acordo entre todos os partidos para que as propostas de lei baixem, sem votação, à comissão para se tentar consensualizar um texto único. Se isto acontecer, na comissão daremos o nosso contributo para tentar chegar a um consenso. Mas deixamos bem claro desde já que o PCP não está disponível para dar o seu acordo a uma proposta conjunta de alteração do regime extraordinário em que se muda alguma coisa para que fique tudo na mesma.
Entendemos que a lei precisa de alterações profundas que permitam atingir plenamente os seus objetivos, dando resposta às necessidades de milhares e milhares de famílias em grande dificuldades e que estão na iminência de perder as suas casas.
Se nos trabalhos da comissão o PSD e o CDS colocarem os interesses da banca à frente dos interesses das famílias, impedindo um consenso que dê uma resposta adequada ao gravíssimo problema do incumprimento do crédito à habitação, voltaremos a apresentar o nosso projeto de lei, porque a nossa preocupação é a defesa do direito à habitação, não é a defesa dos interesses da banca.

  • Assembleia da República