Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

PCP propõe alterações ao regime de recenseamento eleitoral

Alteração ao regime jurídico de recenseamento eleitoral (projecto de lei n.º 337/XI/1.ª)

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados:

A clamorosa incompetência do Governo na gestão do recenseamento e do processo eleitoral, que se traduziu na caótica eleição presidencial de 23 de Janeiro, levou o Grupo Parlamentar do PCP a propor o agendamento do projecto de lei, apresentado em Junho do ano passado com o objectivo de alterar alguns aspectos da Lei do Recenseamento Eleitoral que, se não fossem corrigidos, poderiam causar perturbações no processo eleitoral.

É claro que esses problemas poderiam ter sido evitados se o Governo tivesse actuado com a diligência que lhe era, e é, exigível, mas, como isso não aconteceu, nem acontece, é preciso alterar a Lei.

Não se trata de «descobrir a pólvora» nem de fazer um concurso de ideias para correr atrás do prejuízo. Esse seria o pior caminho. Vendo algumas ideias que constam da proposta de lei hoje em discussão, como a extinção precipitada do número de eleitor ou a insensata insistência na ordenação dos eleitores pelo código postal, somos forçados a concluir que este processo legislativo não está isento desses riscos.

A Lei do Recenseamento Eleitoral deve ser emendada, mas existe algum perigo de que «a emenda seja pior do que o soneto».

O que o Grupo Parlamentar do PCP propõe é um conjunto de soluções práticas que visam facilitar e garantir a informação, a promoção da inscrição e a fiscalização dos actos inerentes ao recenseamento eleitoral.

A inscrição automática de cidadãos por via da morada constante da base de dados da identificação civil, não obstante a sua bondade enquanto princípio, deixou muitos cidadãos eleitores sem qualquer informação relativa às consequências desse acto na sua situação eleitoral, sem a noção exacta de terem sido inscritos ou transferidos, de qual a sua circunscrição eleitoral ou de quais os dados necessários à identificação da sua assembleia eleitoral. A proposta do PCP resolve este problema através de uma simples informação, por via postal, da inscrição ou actualização automática operada.

A vida já demonstrou que esta exigência deve constar da Lei, para que não fique exposta à eventual incompetência dos membros do Governo.

Um outro aspecto importante do projecto do PCP é a necessidade de clarificação e reforço do papel das comissões recenseadoras, que foram marginalizadas, de uma forma absurda, na organização do recenseamento eleitoral, com consequências comprovadamente negativas. Não faz qualquer sentido que as comissões recenseadoras não tenham poderes de intervenção directa na correcção dos erros detectados nos cadernos eleitorais e tenham de trocar ofícios com a Direcção-Geral da Administração Interna para que esta se digne corrigir as deficiências que não teriam existido se as comissões recenseadoras não tivessem sido afastadas do processo de recenseamento.

Um outro aspecto diz respeito aos cidadãos nacionais residentes no estrangeiro. Propomos que os cidadãos nacionais residentes no estrangeiro, detentores de documento de identificação com a morada em território nacional e que, nos termos da lei, foram automaticamente inscritos na freguesia correspondente, possam, presencialmente ou através de apresentante na embaixada, no consulado ou no posto consular, transferir o seu recenseamento para o círculo correspondente ao país onde efectivamente residam.

Finalmente, queremos deixar claro que a proposta de lei do Governo nos suscita as mais sérias reservas. Desde logo, porque não vemos nenhuma razão válida para que o cartão de cidadão, que mantém o número do bilhete de identidade, mantém o número de contribuinte, mantém o número de utente do SNS e mantém o número de beneficiário da segurança social, tenha de ver extinto o número de eleitor. Não vemos vantagem nenhuma na extinção do número de eleitor e inconvenientes já vemos alguns.

Depois, consideramos inaceitável que o Governo insista nessa ideia absurda e comprovadamente desastrada de definir a área das secções de voto de acordo com os códigos postais.

Decididamente, este Governo recusa-se a aprender com os erros, por mais clamorosos que sejam. Esta proposta de lei não é, sequer, uma fuga para a frente, é uma fuga de quem já não sabe para onde fugir.

(…)

Sr. Presidente, Sr. Ministro,

Em primeiro lugar, o Governo apresenta a extinção do número de eleitor como solução para um problema que não resultou de haver número de eleitor mas, sim, da incompetência do Governo.

E não é extinguindo o número de eleitor que o Governo fica mais competente.

O cartão de cidadão mantém o número de contribuinte, mantém o número do bilhete de identidade, mantém o número de utente do Serviço Nacional de Saúde, mantém o número de beneficiário da segurança social. Qual é a lógica de extinguir apenas o número de eleitor? Não vemos nenhuma!

Em segundo lugar, o Sr. Ministro não deu nenhuma razão válida, nenhuma, para a extinção do cartão de leitor, a não ser o «porque sim, porque o Governo acha que sim».

Depois dos problemas que surgiram com a desastrada ideia de ordenar os eleitores pelo código postal, como é que o Governo se atreve a vir aqui propor que se consagre na lei que a ordenação dos eleitores seja feita de acordo com os códigos postais?

Sr. Ministro, sei o que é a comissão recenseadora da freguesia de Queluz, não sei o que é a comissão recenseadora da freguesia 2745-794! Isso não sei o que é, mas é isso que o Governo aqui vem propor!

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