Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

PCP contra o aumento dos preços nos transportes

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Debate de actualidade sobre o aumento dos preços dos transportes públicos

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Já tinha ficado claro para todos que a opção do Governo face à crise, em termos económicos e sociais, foi a de «deitar gasolina para a fogueira».
Perante o assalto e o ataque especulativo que o capital financeiro dirigiu a Portugal e à sua dívida, o Governo tornou a passar a factura dos sacrifícios aos do costume: os trabalhadores, os reformados, a juventude. Enquanto isso, e por causa disso, o poder económico vai «amassando» fortunas, à custa da crise dos outros.
Agora, aí temos um novo desenvolvimento nessa política de direita: o aumento dos preços dos transportes.
O primeiro sinal foi dado pelo Secretário de Estado dos Transportes, ao anunciar o aumento dos tarifários, mas recusando-se a revelar, nas suas declarações iniciais, o valor desse aumento.
No meio da confusão de números esgrimidos, declarações cruzadas, um comunicado a desmentir declarações e outro a cancelar o desmentido, foi chegando mais uma suposta inevitabilidade: o aumento dos preços.
O Secretário de Estado dos Transportes lá foi afirmando que os preços dos títulos de transporte não são revistos há dois anos — o que não é mentira, mas já lá vamos — e a conclusão a que ele chegou foi a de que, e cito, «há uma perda clara de receitas por parte dos operadores».
Já o Sr. Presidente da ANTROP (Associação Nacional de Transportadores Rodoviários de Pesados de Passageiros), representante dos empresários do sector, afirmou que «o preço do gasóleo continua a aumentar», mais de 12% no último ano, razão pela qual, acrescentou, o aumento dos preços nos transportes «nunca poderia ser inferior a 3%, devendo ser fixado entre 3% a 4%.»
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Assim se constrói uma monumental mistificação, que, de tantas vezes repetida, esperariam alguns que se tornasse verdade. Mas a verdade é bem diferente!
Em primeiro lugar, muitos utentes de vários operadores de transportes bem sabem que dos aumentos dos preços nem todos se livraram — que o digam, por exemplo, os utentes da Fertagus, em que o contrato de concessão dá «carta-branca» para a empresa aumentar os preços todos os anos. Mas, para além disso, ainda mais grave é o logro em que assenta a teoria do «gasóleo-que-está-mais-caro» e dos «passes-que-nãoaumentaram ». Vamos por partes.
Os aumentos de preços que os sucessivos governos impuseram, ano após ano, penalizaram gravemente as populações e os utentes dos transportes. O anterior governo PS chegou a decretar aumentos duas vezes no mesmo ano, indexando o tarifário à inflação e aos preços dos combustíveis. Assim, entre 2003 e 2007, houve nove aumentos das tarifas, reflectindo um aumento acumulado, superior a 20% (e isto, enquanto a inflação registada foi de pouco mais que 11%).
Já em 2008, os aumentos dos transportes foram de 3,91% e de 5,83%, em Janeiro e em Julho, respectivamente.
E, se não houve revisões nos tarifários nos últimos dois anos, é preciso compreender em que contexto, nomeadamente, no preço médio do gasóleo, se verificou essa situação.
Vejamos, então, a evolução dos preços dos combustíveis, nestes dois últimos anos, segundo os dados da Direcção-Geral de Energia e Geologia.
O gasóleo rodoviário corresponde à terceira linha do Gráfico , o início dessa linha remonta a Julho de 2008, momento em que foi aprovado o último aumento dos transportes.
Como está bem à vista, estávamos perante um valor recorde, quer das cotações do petróleo quer dos preços nos combustíveis, e era esse o argumento para justificar o aumento dos preços dos transportes.
Ora, como também está bem à vista, os preços dos combustíveis baixaram a partir daí, mais
concretamente, registou-se uma descida de 33,7% do preço médio do gasóleo, entre Julho de 2008 e Março de 2009.
É verdade que o preço do gasóleo aumentou, em média, mais de 12% no último ano, como diz a ANTROP.
Mas o que já ninguém disse, nem da ANTROP nem do Governo, foi que, mesmo com esse aumento, os valores se mantiveram sempre, até hoje, e ainda estão, abaixo dos níveis do Verão de 2008, sem que os preços dos transportes tivessem acompanhado essa descida.
Ou seja, a indexação dos tarifários do transporte público aos preços dos combustíveis e à inflação serviu para aumentar as tarifas, mas já não serviu para as baixar, quando foi caso
disso.
Os utentes dos transportes estão a pagar, há quase dois anos, um tarifário que se manteve convenientemente elevado, baseado em preços recorde do gasóleo do Verão de 2008, que
nunca mais voltaram a ser atingidos.
Entretanto, importa não esquecer um facto incontornável que o Secretário de Estado dos Transportes não refere: é que a decisão anunciada agora pelo Governo de aumentar o IVA de 5% para 6% significa, só por si, um aumento dos preços dos transportes, o qual vem penalizar a população. E isto, quando o poder de compra dos trabalhadores, dos jovens e dos reformados sofre um duro golpe com o aumento do IRS!
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Regresso, assim, ao ponto de partida: o Governo, pela voz autorizada do Secretário de Estado dos Transportes, entendeu alertar o País para o angustiante drama das empresas de transportes. Diz ele que estas têm, há dois anos, «uma clara perda de receitas». Imaginem, se não tivessem,
Srs. Deputados!…
O que queremos aqui dizer é que, há muito mais do que dois anos, há uma colossal perda de receitas, mas dos trabalhadores e do povo. E é essa perda que tem de ser urgentemente invertida!
Perante toda a teia de mistificações, manipulações e meias verdades, que tem sido construída e perante a verdade dos factos que importa revelar, o anúncio da subida dos preços dos
transportes é nada menos do que uma provocação que deve ser vivamente repudiada — e o repúdio dessa intenção, dessa orientação política e dessa opção de classe, de sacrificar sempre os mesmos, os do costume, será também afirmado já este sábado, dia 29, na jornada de luta convocada para Lisboa pela CGTP — Intersindical Nacional.
O que lá afirmaremos é o mesmo que aqui afirmamos: não estamos condenados a estas políticas e, mesmo que o Governo queira enganar toda a gente, o tempo todo, a verdade vem ao de cima e será com a luta que, mais uma vez, se construirá a mudança.
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Até agora, ninguém conseguiu desmentir que os aumentos dos preços de transportes são uma medida não só socialmente inaceitável mas também legal e economicamente ilegítima!
Não há nenhum fundamento para esta decisão que não seja apenas o de levar ainda mais longe a penalização sobre as populações e entregar esse dinheiro — o dinheiro dos utentes dos
transportes — às empresas, as quais têm, no último ano e meio, dois anos, recebido dinheiro a mais, porque os tarifários não tinham que se manter, Sr. Ministro, tinham que baixar, porque o gasóleo baixou logo a seguir a essa definição, em 2008. Esse é que é o problema!
O Governo está a minar e a destruir a base financeira das empresas do sector, nomeadamente do sector público, e, Srs. Deputados, não há gestão racional que aguente o subfinaciamento crónico que tem sido imposto, há décadas, pelos sucessivos governos PS, PSD e CDS.
O Sr. Ministro, nesse aspecto, tem razão: não há grande diferença na estratégia de fundo entre o PS e o PSD nesta matéria!
O Governo, pela voz do Sr. Secretário de Estado dos Transportes, veio falar em perda de receitas e registámos que quer a bancada do PS quer o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares
acusaram o PCP de não ter apresentado nenhuma proposta. O Sr. Ministro devia pensar duas vezes, antes de falar em estar distanciado da realidade. É que «pela boca, morre o peixe» e o PCP propôs, no debate do Orçamento do Estado, o reforço das indemnizações compensatórias às empresas de transportes e o PS votou contra!
Inviabilizou aquilo que seria a sustentação financeira!
E agora o Governo, na sua proposta de lei, quer apresentar uma medida de corte, de cativação de 300 milhões de euros, nada menos do que isto, na transferência financeira para as empresas do sector empresarial do Estado. É esta a medida que o Governo pretende cortar no financiamento público e «carregar nas tintas», levando ainda mais longe a factura para os mesmos do costume.
Isto é que é inaceitável, Sr. Ministro!
De facto, as empresas, nomeadamente as empresas privadas, pedem, exigem aos utentes e ao País o que não querem para si próprias.
Hoje, hoje mesmo, os trabalhadores das empresas estão em luta pelos salários e são as mesmas
empresas que exigem que os utentes paguem mais que rejeitam e recusam-se a actualizar e a dar aos trabalhadores os salários minimamente condignos.
Por isso, os trabalhadores estão em luta, sim, senhor! E, por isso, o PCP está solidário, sim, senhor, com a luta dos trabalhadores e está ao lado das populações, dos utentes dos transportes e dos trabalhadores deste sector, que recusam esta política, que exigem uma alternativa e que não se conformam com estas supostas inevitabilidades.
Continuamos na luta e compreendemos que o Sr. Ministro fique agastado, mas não é por isso que vamos desistir.
(…)
Sr.ª Presidente,
Quero reiterar a última frase que o Sr. Ministro Jorge Lacão acabou de proferir, ou seja, que o Governo não pode contar connosco.
De facto, não pode contar com o PCP para esta política de direita, a de penalizar sempre os trabalhadores e os utentes dos transportes, a de sacrificar as populações, a de pôr a factura sempre nos mesmos do costume. Não pode, de facto, contar com o PCP para «carregar nas tintas» e acrescentar crise à crise.
O Governo, o PS, o PSD e o CDS não podem contar com o PCP quando se trata de asfixiar
financeiramente as empresas de transportes no sector empresarial do Estado e não podem contar com o PCP quando se trata de aumentar cada vez mais a factura e o custo de vida para as populações e os trabalhadores.
Também não podem contar com o PCP para desrespeitar de forma sistemática os pareceres e as
conclusões que o Tribunal de Contas reiteradamente apresenta a este Parlamento, nomeadamente, sobre o subfinanciamento crónico, sobre os compromissos assumidos pelo Estado que os sucessivos governos insistem em não cumprir, sobre as exigências que o Governo apresenta às empresas públicas no sector — à Metropolitano de Lisboa, à REFER, à CP —, em véspera de campanha eleitoral, para anunciar investimentos durante a pré-campanha. Depois de, nos distritos de Lisboa e de Setúbal, como por todo o País, essas parangonas invadirem a pré-campanha, na altura de pagar a factura, o investimento não é pago por quem deve, que é, de facto, aqueles que não ordenam esse investimento, e na altura do endividamento aparece o Governo a castigar as populações e a condenar as empresas a uma coisa muito simples, Sr.
Ministro: a serem compradas pelos grupos económicos.
No que se refere, nomeadamente, à Rodoviária Nacional, à Fertagus e a um conjunto muito vasto de empresas do sector, aquilo que verificamos é que estão a ser compradas pelos grupos económicos. E, maravilha das maravilhas, quem comprou agora estas empresas, por via da aquisição da Arriva, foi — veja bem, Sr. Ministro — o operador público da ferrovia alemã, a Deutsche Bahn.
De facto, como já denunciámos, temos um Governo que, ao longo dos anos, vai preparando operações de desmantelamento, de privatização e entrega aos grupos económicos dos sectores mais rentáveis da nossa economia, decisivos para o desenvolvimento económico, como é o sector dos transportes, vai, portanto, preparando esse caminho e, ao mesmo tempo, noutros países, como a Alemanha, uma empresa pública chega à situação de comprar empresas privadas de transportes em Portugal. Veja-se a que ponto chegou a política deste Governo.

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