Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

PCP apresenta propostas de combate à corrupção

No debate realizado hoje na Assembleia da República, foram discutidos 3 Projectos Lei do PCP. Um Porjecto de Lei sobre os Rendimentos e património dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, outro sobre a Protecção de Testemunhas em processo penal e outro sobre o Regime Jurídico da tutela administrativa.

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Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Antes de apresentar os projectos de lei do PCP, não resisto, após o Sr. Deputado Filipe Neto Brandão ter dito que o nosso projecto de lei só é aplicável no Botsuana e não sei em que mais países, a perguntar se os Srs. Deputados do PS pretendem colocar o Sr. Dr. Júlio Pereira, Secretário-Geral do Sistema de Informação da República Portuguesa (SIRP) e um acérrimo defensor da criminalização do enriquecimento ilícito, à frente dos serviços secretos do Botsuana. Creio não ser essa a vossa ideia.
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
O PCP participa neste agendamento com a apresentação de três projectos de lei — e registamos a anuência do PS para que estes diplomas pudessem ter sido arrastados neste seu agendamento potestativo —, o primeiro dos quais diz respeito, precisamente, às declarações de rendimentos de titulares de cargos políticos e altos cargos públicos.
O PS apresenta também um projecto de lei sobre esta matéria, que registamos. Concordamos genericamente com a possibilidade de se alargar moderadamente o universo de declarantes, de pessoas que estão obrigadas, em razão da titularidade de certos cargos públicos, a apresentar declarações de rendimentos.
Registamos também que o Partido Socialista desistiu da ideia de alargar esse dever de declaração aos magistrados, o que significaria, obviamente, um bloqueamento do sistema. Ainda bem que não foram por aí.
A nossa proposta pretende que este regime seja aperfeiçoado num sentido também proposto nas audições da comissão relativa à corrupção.
Desde logo, propomos que, sem prejuízo das declarações que é necessário apresentar no início e no final dos mandatos dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, haja uma declaração final, apresentada três anos depois da cessação de funções. Propomo-lo, por um lado, porque, como se sabe, há um período legal de nojo no exercício de determinadas funções, que tem a duração de três anos; e, por outro lado, porque, tal como fomos alertados por diversas entidades, na eventualidade de haver fenómenos de corrupção no exercício de funções eles podem não se consumar durante esse exercício mas imediatamente a seguir.
Daí que faça todo o sentido haver uma última declaração, apresentada algum tempo depois da cessação de funções.
Também nos parece ter muitas virtualidades a proposta feita pelo Sr. Dr. Magalhães e Silva na Comissão, no sentido de, havendo um acréscimo patrimonial significativo durante o exercício do mandato — depois podemos entender-nos sobre qual é a melhor solução —, isso dever ser declarado na altura, porque isso é que permite ter uma noção da evolução patrimonial durante o exercício de funções.
Apresentamos também um projecto de lei de aperfeiçoamento do regime legal de protecção de testemunhas, de forma a possibilitar a não revelação da identidade da testemunha em qualquer fase do processo estando em causa crimes relacionados com a corrupção. Este é também um problema que tem sido muito referido. Como se sabe, um dos problemas na detecção destes crimes é o receio das testemunhas de eventuais represálias que possam vir a sofrer, que possam recair sobre si ou sobre os seus familiares próximos. Portanto, faz todo o sentido também que mecanismos de protecção de testemunhas que já existem para outros tipos legais possam ser aplicados também ao caso dos crimes de corrupção, e é isso que propomos.
Apresentamos também um projecto de lei relacionado com o regime de tutela administrativa sobre as autarquias locais, que tem a ver com as causas de perda de mandato dos respectivos titulares.
Em 1998, durante um anterior governo do PS — e, curiosamente, tendo como ministro responsável pela tutela do poder local e, portanto, proponente dessa alteração legal… —, foi alterado o regime de tutela, foram reduzidos drasticamente os casos de perda de mandato e foram eliminadas as causas de perda de mandato relacionadas com a intervenção em procedimentos administrativos ou em decisões de processos administrativos em causa própria.
Ou seja, até 1998 estava previsto que a intervenção de um autarca em processo que envolvesse interesses próprios ou de seus familiares directos era causa de perda de mandato. Em 1998, lamentavelmente, essa disposição foi revogada e hoje em dia é muito difícil demonstrar que da intervenção de um autarca num procedimento administrativo resultou uma vantagem directa para si ou para um seu familiar próximo. Passou, assim, a haver uma menor tutela da transparência no exercício de funções executivas de nível autárquico. Daí que nos pareça fundamental retomar, nessa parte, o regime de perda de mandato que existiu até 1998 e que não deveria ter sido efectivamente revogado. Consideramos que faria bem esta Comissão Parlamentar contra a Corrupção retomar esse regime.
Temos presente as propostas que o Partido Socialista apresenta neste debate, algumas das quais correspondem, do nosso ponto de vista, a uma contribuição positiva para o combate à corrupção se forem aprovadas. Pensamos que poder-se-ia ir muito mais longe, mas não quero retomar aqui a vexata quaestio do crime de enriquecimento ilícito, pois teremos oportunidade de voltar a discutir isso em comissão.
Quero registar as propostas feitas em matéria de sigilo bancário. Creio que algumas delas são complexas do ponto de vista jurídico, mas estamos disponíveis para as discutir e para encontrar soluções, designadamente no que se refere ao problema do exercício de funções por parte de autarcas que tenham sido condenados em primeira instância. Podemos, portanto, trabalhar para encontrar uma solução.
O mesmo se diga relativamente ao problema do crime urbanístico, sobre o qual vale a pena ponderar um aspecto.
As propostas que nos apresentam têm um problema: não é no momento que elas referem que se dá um eventual facto corruptivo. Ou seja, na proposta faz-se referência a quem proceder a uma obra de construção, reconstrução ou ampliação de imóvel que incida, designadamente, sobre terreno da Reserva Ecológica Nacional, da Reserva Agrícola Nacional ou outras zonas onde não seja permitido construir. Ora, o problema não está aqui, pois, normalmente, a afectação desses terrenos é modificada antes disso, por via de alteração dos instrumentos de gestão territorial. Portanto, na maior parte dos casos em que houve fenómenos de corrupção associados precisamente a estes terrenos, no momento em que os chamados crimes urbanísticos são consumados já não são crime, porque a afectação do solo já foi alterada.
Portanto, vale a pena reflectir sobre se não poderemos encontrar uma forma de fazer retroceder o momento de escrutínio dos crimes urbanísticos ao momento em que são alterados os regimes de afectação dos solos. Essa é uma discussão a que teremos ocasião de proceder na Comissão Eventual contra a Corrupção, na qual estamos inteiramente disponíveis para participar, inclusivamente com propostas concretas para se encontrar um regime adequado.
(…)
Sr. Presidente,
Creio que estou a falar em tempo cedido pelo PSD, o que agradeço.
Srs. Deputados, se me permitem, começo por responder à Sr.ª Deputada Francisca Almeida, dizendo que, hoje, não partilhamos inteiramente das críticas que o PSD dirige ao Partido Socialista.
É verdade que estes projectos não têm uma lógica aglutinadora, mas dificilmente teriam, porque têm que ver com áreas distintas do nosso ordenamento jurídico, e isso não é um mal. Desde que seja possível encontrar soluções nos diplomas que consigam melhorar o combate à corrupção, não é daí que vem o mal.
Quer-nos também parecer que o facto de se apresentarem iniciativas legislativas antes de estarem concluídos os trabalhos da Comissão não é igualmente por essa via que vem o mal a esta Assembleia ou à Comissão. Evidentemente, passamos a ter mais matéria sobre a qual nos possamos pronunciar, agora que estamos quase a terminar o ciclo de audiências.
Aos Srs. Deputados Manuel Seabra e Isabel Oneto, gostaria de dizer o seguinte: em relação às propostas que fazemos, quer no que se refere à protecção de testemunhas, quer à declaração de rendimentos, não se trata de coisas que tenha sido o PCP a inventar, porque a formulação que encontramos quanto à tipologia penal, à qual se poderia aplicar o regime de protecção de testemunhas, foi precisamente sugerido pelo Dr. Vítor Constâncio, quando foi ouvido nesta Assembleia a propósito do caso BPN.
Sr. Deputado Manuel Seabra, em relação às declarações de rendimentos, é evidente que estamos inteiramente disponíveis para encontrar um montante adequado, mas a nossa proposta é claramente inspirada naquilo que aqui propôs o Dr. Magalhães e Silva, que defende a ideia de que para se ter conhecimento da evolução patrimonial de um titular de um determinado cargo, importa que, havendo um acréscimo patrimonial significativo durante o exercício de funções, ele seja imediatamente declarado.
Se acham que o nosso montante é reduzido, podemos discuti-lo. O que importa é consagrar o princípio, encontrando o montante adequado.
Relativamente à protecção de testemunhas, o Sr. Deputado Manuel Seabra diz que a nossa proposta significa a recuperação da figura do bufo. Não diga isso, Sr. Deputado! Não diga isso, porque quem propôs, pela primeira vez nesta Assembleia, a adopção de um regime legal de protecção de testemunhas foi precisamente o Governo do Partido Socialista — e fez muito bem em propor —, tendo como Ministro da Justiça o Sr. Deputado Vera Jardim, que exactamente, e muito bem, preside a esta Comissão de Combate à Corrupção. Não foi, pois, o PCP que o inventou.
O que pensamos é que, a partir do momento em que o regime legal de protecção de testemunhas foi introduzido no nosso ordenamento jurídico, e bem, apesar de toda a complexidade jurídica da questão, o que I SÉRIE — NÚMERO 48 28
agora temos de fazer é aproveitar essas possibilidades para o estender também aos casos dos crimes de corrupção, sem perdermos de vista que isto tem complexidade do ponto de vista jurídico e que há direitos da defesa que devem ser acautelados.
Mas não fomos nós que inventámos esta figura. E a testemunha, que precisa de ser protegida com medo de represálias, manifestamente não é o bufo. O bufo é outra coisa, e os Srs. Deputados sabem isso muito bem.

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