Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

PCP apresenta projecto para alterar Estatuto dos Deputados

O PCP apresentou um Projecto de Lei que altera o Estatuto dos Deputados e o Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos.
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(projeto de lei n.os 552/XII/3.ª)

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Ao longo dos anos, o PCP tem trazido à Assembleia da República inúmeras propostas no sentido de enfrentar um problema que, não sendo novo, tem sofrido significativo agravamento — refiro-me à ideia de existência de situações que configuram promiscuidade entre o exercício de funções políticas, não só na Assembleia da República mas também no Governo ou noutros espaços de exercício dessas funções políticas, e outro tipo de interesses que nada têm que ver com os interesses que deviam nortear as decisões políticas, nomeadamente interesses económicos.
Esta ideia de promiscuidade entre os interesses económicos e o poder político é, de facto, uma ideia que nem contribui para a melhoria da qualidade da democracia, nem contribui para que a democracia se reforce aos olhos dos cidadãos.
O PCP, ao longo dos anos, tem apresentado propostas na Assembleia da República no sentido de garantir que a lei impeça a existência destas situações, que, aos olhos dos cidadãos, são consideradas como reveladoras de promiscuidade entre os interesses económicos e o poder político.
Temos sucessivamente apresentado propostas de alteração legislativa na Assembleia da República com a noção de que nenhuma lei, por mais perfeita que seja, poderá evitar por completo a ocorrência dessas situações. Obviamente, é necessária uma componente de prática pessoal para garantir que tais situações não ocorram, mas o que sabemos também é que quanto pior for a lei, quanto mais insuficiente for a lei, mais espaço haverá para que essas situações ocorram e para que, verdadeiramente, a promiscuidade entre interesses económicos e poder político condicione as decisões políticas e as influencie no sentido de beneficiar interesses económicos, interesses que não os do destinatário das decisões políticas, que é, afinal de contas, o povo.
Sr.as e Srs. Deputados, ao longo de anos, temos vindo a confrontar-nos com situações concretas que dão a exata dimensão destes problemas. Por exemplo, situações de titulares de cargos políticos que, estando impedidos de exercer uma determinada atividade ou de praticar determinados atos económicos, por via de sociedades de advogados acabam por poder praticá-los, ou por via da sua participação em sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) acabam por fazer aquilo que a lei não permite que façam por si só. Ora, esta é uma dimensão das propostas que hoje aqui trazemos.
As alterações que apresentamos ao Estatuto dos Deputados têm como objetivo impedir que por interposta pessoa, por uma sociedade advogados ou por uma outra entidade, nomeadamente uma SGPS, os Deputados possam fazer aquilo que, individualmente, o Estatuto dos Deputados não lhes permite.
Apresentamos propostas no sentido de desconsiderar a natureza jurídica da entidade por intermédio da qual esses atos são praticados e de relevar, sim, o ato em si, impedindo que ele aconteça.
Apresentamos também uma proposta para alterar o Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos no sentido de alargar de três para cinco anos o período de impedimento do exercício de atividades privadas por quem exerceu funções públicas, isto é, o período em que, depois, não pode exercer funções privadas no âmbito de empresas ou outras entidades com as quais teve contacto ou com as quais teve de lidar no exercício das funções políticas.
Não é admissível que um ministro ou um secretário de Estado, a partir do momento em que deixa de exercer essas funções, possa ser contratado por uma empresa com a qual teve de lidar no âmbito dessas funções políticas. A verdade é que a lei já hoje não o permite por um período de três anos. O que propomos é o alargamento desse período de três para cinco anos, evitando uma situação de ligação direta entre as decisões políticas e a atividade económica ou o benefício económico.
Em matéria de impedimentos, estendemos as limitações que já hoje existem para empresas maioritariamente públicas e institutos públicos a todos os seus órgãos sociais e não apenas a uma parte deles, como acontece hoje. Clarificamos ainda a intenção de alargar a incompatibilidade que existe hoje no que toca à presença em conselhos de gestão de empresas públicas, ou maioritariamente públicas, a todas as empresas em que o Estado tenha parte do capital, mesmo que seja acionista minoritário, e determinamos que, independentemente daquilo que possa ser a participação relevante, essa participação seja considerada, mesmo sem a titularidade de 10% do capital social, para efeitos de aplicação do Estatuto dos Deputados, nomeadamente em matéria de incompatibilidades.
Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, apresentamos um conjunto de propostas concretas que visam resolver o problema da subversão do princípio constitucional de que o poder económico deve submeter-se ao poder político. Efetivamente, com as situações de promiscuidade a que temos vindo a assistir são legítimas as suspeitas que muitas vezes se lançam de que há uma subversão desse princípio constitucional e de que é o poder político que está a subordinar-se ao poder económico.
Sr.as e Srs. Deputados, as desculpas que, ao longo de anos, têm sido utilizadas para impedir a aprovação destas propostas são as desculpas que dão cobertura a essas situações obscuras, são as desculpas que dão cobertura a essas situações de promiscuidade entre interesses económicos e o poder político. Esperamos que hoje não se repitam e que não venham também justificar a oposição ao projeto de lei do PCP com o discurso da profissionalização da política, porque não é isso que se propõe.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Relativamente à matéria da exclusividade, quero dizer que o Grupo Parlamentar do PCP já apresentou, noutra ocasião, uma proposta nesse sentido e mantemos a nossa convicção de que o mandato parlamentar deve ser a atividade principal, e não secundária, de quem é eleito para essas funções e não deve ser instrumental de outras prioridades ou interesses. Portanto, não discordamos do princípio que é afirmado pelo projeto do Bloco de Esquerda. De resto, é prática dos Deputados do Grupo Parlamentar do PCP manterem a função de Deputado como a principal função, e não como a secundária ou subordinada a outros interesses.
Sr.as e Srs. Deputados, sobre a matéria de incompatibilidades e impedimentos, o PCP apresenta soluções concretas de alteração à lei para resolver problemas que configuram, de facto, situações obscuras, de promiscuidade entre interesses económicos e o poder político.
O Sr. Deputado José Magalhães pede exemplos com nomes e eu dou-lhe. O Deputado António Vitorino integrava uma sociedade de advogados contratada pela Galp para fazer negociações com a ENI. Não está em causa uma situação de impedimento?! Trata-se de um Deputado que é contratado, por via da sociedade de advogados, para representar uma empresa com capitais públicos na negociação com uma empresa privada, destinada à privatização! Suscitámos esta questão na Comissão de Ética e os senhores deram cobertura a um entendimento diferente do Estatuto dos Deputados.
Dou-lhe mais exemplos: o Deputado Vitalino Canas, quando há uns anos foi contratado como Provedor para o Trabalhador temporário, pela Associação Portuguesa das Empresas de Trabalho Temporário, veio anunciar a necessidade de um conjunto de alterações à legislação laboral. Anunciou que estava, enquanto Provedor, em representação da associação de empresas de trabalho temporário, a estabelecer protocolos com a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, com a Inspeção-Geral do Trabalho, ou seja, com entidades que ele, enquanto Deputado, tinha obrigação de fiscalizar. Nós suscitámos a questão na Comissão de Ética e o Partido Socialista deu cobertura a estas situações.
Queria exemplos com nomes? Aqui os tem, Sr. Deputado José Magalhães!
Vou dar ainda outro exemplo, mas não vou referir o nome do Sr. Deputado em causa porque esta questão nunca foi levada à Comissão de Ética e, portanto, vou poupar-me a fazê-lo: uma sociedade de advogados fez uma contratação e anunciava que fulano tal é «o novo consultor jurídico da sociedade. A sociedade pretende com esta contratação prestar o melhor serviço aos clientes, conjugando uma perspetiva técnico-jurídico do direito com uma abordagem prática a esta área. O advogado encontra-se atualmente a coordenar um grupo de trabalho com a missão de discutir de discutir na Assembleia da República um novo Código de Processo Civil».
Sr.as e Srs. Deputados, pergunto se, no vosso entendimento, isto levanta ou não suspeitas em relação à forma como os Deputados exercem estas funções. Estas situações, objetivamente, levantam suspeitas. Temos necessariamente de clarificar que, quando tomamos decisões na Assembleia da República, tomamo-las por convicções políticas.
Sr. Deputado José Magalhães, combatemos esta situação politicamente, não levantámos qualquer suspeita do que quer que seja, combatemos politicamente as opções de discussão do Código do Processo Civil com base nessa circunstância concreta.
Porém, estas situações não podem acontecer e elas só não acontecerão se o Estatuto dos Deputados for alterado, em vez de se manter como está atualmente.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado José Magalhães,
Não sei se o Sr. Deputado estava predisposto a receber alguma lição mas a minha intenção não era dar lições a ninguém, era firmar uma posição política relativamente a esta matéria. Alias, foi o Sr. Deputado que me pediu, dizendo: «concretize o que querem dizer». Ora, concretizei.
Mais: não sei se a memória parlamentar do Sr. Deputado José Magalhães já começa a fraquejar assim tanto, mas quero dizer-lhe que a Assembleia da República tratou destas duas questões, porque, quer em relação ao Sr. Deputado António Vitorino, quer em relação ao Sr. Deputado Vitalino Canas, o PCP levou essa matéria à Comissão de Ética, onde foram discutidas estas questões, e a Comissão tomou posição, apurou. Ao contrário do que disse o Sr. Deputado José Magalhães, a Comissão de Ética apurou.
Em ambas as situações, apurou com a opinião exclusiva do Partido Socialista no sentido da admissibilidade dessas situações. Todos os outros grupos parlamentares se recusaram a votar a favor da opinião que os Srs. Deputados impuseram naqueles relatórios da Comissão de Ética.
Por isso, não retiro uma vírgula ao que está escrito no nosso projeto de lei.
O PS deu cobertura a situações que são incompatíveis, ou que são impedimentos, e deu cobertura a uma interpretação do Estatuto dos Deputados que também dá cobertura a situações que, obviamente, o PSD e o CDS, nesta legislatura, já aproveitaram também noutras circunstâncias, nomeadamente em situações em que foi colocada a possibilidade de haver autorizações aos Srs. Deputados, ou pareceres favoráveis, para que exercessem determinadas atividades.
Portanto, Sr. Deputado José Magalhães, lamento que a sua memória parlamentar não tenha tido em consideração estas duas circunstâncias, mas o PCP tratou destas questões com todo o rigor, levando as questões à Comissão de Ética. Os senhores é que impuseram uma interpretação que subverte por completo as regras das incompatibilidades e dos impedimentos.
É uma opção vossa, podem fazê-la, mas têm de assumir a responsabilidade.

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