«O PC de Cuba está empenhado na defesa e aprofundamento da revolução socialista»

Entrevista do "Avante!" a Jerónimo de Sousa sobre a ida de uma delegação do PCP a Cuba (na qual participou também Pedro Guerreiro, do Secretariado do Comité Central)

Quais os objectivos que presidiram à visita da delegação do PCP a Cuba?
Podemos destacar três aspectos: primeiro, com base nas relações históricas entre o Partido Comunista Português e o Partido Comunista de Cuba, a vontade de elevar as nossas relações bilaterais para o nível da amizade e solidariedade existentes. Segundo, aprofundar o conhecimento sobre a aplicação e o desenvolvimento do processo de aperfeiçoamento no plano económico e social que está a decorrer em Cuba na sequência das conclusões do VI Congresso do PCC, realizado em 2011. Terceiro, realizar uma troca de informações sobre a situação nos respectivos países e sobre outros temas de interesse comum.
 
Esses objectivos foram cumpridos nos encontros e visitas que efectuaram? 
Apesar de terem sido cinco dias com um programa denso e intenso, há sempre vontade de conhecer mais, trocar mais opiniões... Mas podemos concluir que tais objectivos foram alcançados, tendo sido expressa a vontade de aprofundar as relações entre os dois partidos. É de registar a grande franqueza dos camaradas durante toda a visita, assim como o nível dos encontros realizados.
 
O encontro com Raul Castro foi certamente um dos aspectos mais relevantes dos contactos efectuados. O que nos podes dizer sobre esse encontro?
 Foi sem dúvida um ponto alto da visita. É de sublinhar a disponibilidade do camarada durante o encontro, que durou diversas horas, para, partindo do enquadramento histórico da revolução cubana, caracterizar a sua realidade actual. De assinalar igualmente a sua reafirmação convicta da luta pela construção do socialismo com o povo e pelo povo, assim como o seu apreço pelo nosso Partido e o seu conhecimento da nossa solidariedade.
 
A visita a Cuba ocorre num momento em que estão a ser implementadas nesse país as conclusões do VI Congresso do PCC, nomeadamente das Directrizes da Política Económica e Social do Partido e da Revolução, e da 1.ª Conferência Nacional do PCC. O que vos foi possível observar, no terreno, sobre estas novas orientações?
 Gostaria de sublinhar em primeiro lugar a forma como se iniciou o processo de definição das decisões e orientações do Partido traçadas no seu VI Congresso, que foram precedidas por uma ampla participação das massas – saliento que 70 por cento da população cubana nasceu depois do início da revolução –, das suas organizações e movimentos, incluindo de cubanos que não se identificam com o sistema, e da qual resultaram centenas de milhares de propostas, contributos e críticas, amplamente acolhidas e que, posteriormente, foram igualmente debatidas e aprovadas na Assembleia Nacional do Poder Popular.
Depois, com base na orientação de uma aplicação sem traumas, sem pressas, mas sem pausas, visando menos igualitarismo mas mais justiça, partir para a experiência no terreno, faseando-a no tempo e acompanhando a sua evolução.
No plano económico e no quadro de uma planificação e programa de desenvolvimento a médio e longo prazo, entre outros importantes aspectos, aponta-se como objectivo o aumento da produção e da produtividade, mantendo todos os sectores estratégicos no sector público, abrindo a concessão de terras em usufruto para famílias e cooperativas, abrindo a porta ao investimento estrangeiro, particularmente na área do turismo e de infra-estruturas, aumentando a eficiência no sector público com mais responsabilização das administrações.
Numa visita à Província de Mayabeque, onde se aplicam em regime experimental as directrizes adoptadas, verificam-se avanços que os camaradas avaliam como positivos e os efeitos da descentralização do poder central para o poder local. Os resultados da aplicação das directrizes serão globalmente avaliados após a conclusão da fase de experimentação que está a decorrer com a activa participação popular.
A 1.ª Conferência do Nacional realizada pelo Partido Comunista de Cuba em 2012 enquadra-se no objectivo de reforçar o seu papel de vanguarda, a ligação aos trabalhadores e ao povo e a capacidade de resposta do partido, das suas organizações e quadros, aos complexos e exigentes desafios que se colocam à revolução cubana, visando a salvaguarda e o aprofundamento das suas enormes conquistas, nomeadamente no campo social, e da sua opção socialista.
Trata-se de um importante e amplo processo que temos todo o interesse em continuar a acompanhar e a conhecer melhor.
 
Como os próprios dirigentes cubanos sublinham, a aplicação dessas orientações levanta problemas, contradições e incompreensões, exigindo rigor e acerto na sua implementação. Quais os principais desafios que, neste âmbito, estão colocados a Cuba e ao seu povo?
É uma preocupação avisada! Por exemplo, o surgimento e alargamento do número de trabalhadores por conta própria, a política fiscal, a dupla circulação monetária, entre outras, são questões sensíveis no processo de aperfeiçoamento económico e social que os comunistas e o povo cubano levam a cabo.
Os camaradas são os primeiros a ter consciência e a apontar de forma clara e directa os desafios e as exigências, assim como os riscos que se colocam. Mas como nos referiram, e estamos confiantes de que assim será, tal como noutros momentos, o partido com o povo cubano procurarão e encontrarão as respostas para os actuais problemas e para a continuidade da revolução.

 
Do que puderam verificar, existe alguma alteração na política norte-americana em relação a Cuba, nomeadamente no que respeita ao bloqueio, à libertação dos quatro patriotas que permanecem presos nos EUA ou à devolução a Cuba da Base de Guantánamo?
Desde o seu primeiro momento que a revolução cubana resiste à ingerência e à agressão patrocinada pelos EUA. Com a eleição de Obama, apesar de a administração norte-americana ter adoptado algumas medidas dirigidas à comunidade cubana residente nos EUA, intensificou-se em importantes domínios o bloqueio que os Estados Unidos impõem a Cuba. No entanto, a evolução da situação demonstra que o criminoso bloqueio dos EUA a Cuba está cada vez mais isolado. Será o bloqueio a ser derrotado e não a vontade e a determinação do povo cubano em defender a sua soberania, o seu direito a definir o seu presente e futuro, a sua revolução.
Durante a visita reafirmámos a nossa solidariedade com a revolução e o povo cubano e o nosso empenho em intensificar as acções de exigência do fim do bloqueio dos Estados Unidos a Cuba, assim como da sua saída de Guantánamo, onde mantêm uma base militar.
Gostaria ainda de realçar, pelo seu significado, o encontro que a nossa delegação teve oportunidade de realizar com René González e familiares dos restantes quatro heróis cubanos que ainda se encontram injustamente presos nos Estados Unidos por defenderem o povo cubano das organizações e acções terroristas levadas a cabo desde os EUA. Neste encontro expressámos a nossa profunda solidariedade e a determinação de continuar a desenvolver acções pela sua libertação.
 
Assinalam-se este ano os 55 anos da Revolução Cubana. Como perspectivas o futuro da Revolução?
A visita da delegação do nosso Partido realizou-se imediatamente após as comemorações dos 55 anos da revolução cubana. Ao longo destes mais de cinquenta anos, a revolução e o povo cubano ultrapassaram e venceram duras provas, a agressão e o bloqueio dos EUA, o fim da URSS e do campo socialista, o agravamento do bloqueio, o período especial, o impacto da crise do capitalismo, as consequências de violentas intempéries.
O Partido Comunista de Cuba está envolvido e empenhado na defesa e aprofundamento da revolução socialista, salvaguardando os seus avanços e mudando o que há que mudar para corrigir erros cometidos. O objectivo é continuar o caminho do socialismo, sem copiar modelos, mas partindo das leis gerais da construção do socialismo, aplicando-as à situação concreta, à história e cultura de Cuba e analisando seriamente as experiências de outros processos de construção do socialismo. Trata-se de dar continuidade a uma tarefa gigantesca, nomeadamente no contexto da actual situação internacional.
 
Cuba é uma peça fundamental na arrumação de forças e nos processos anti-imperialistas em curso na América Latina. Admitindo que este foi um dos pontos de troca de opiniões com Raul Castro, que aspectos podes realçar neste âmbito?

A situação na América Latina e no Caribe alterou-se profundamente desde há 15 anos, um ciclo de mudanças que se iniciou com a vitória de Hugo Chávez e da revolução bolivariana na Venezuela. Sem dúvida que Cuba e a sua revolução socialista, pela sua firme e corajosa resistência ao imperialismo norte-americano, pelo seu exemplo de dignidade e de defesa da sua soberania e independência, pelas suas conquistas económicas e sociais, pela sua genuína e profunda solidariedade com os povos, teve um papel importantíssimo na longa e intensa luta pela alteração da correlação de forças que se verificou neste sub-continente. Uma luta que continua hoje em condições diferenciadas.
Actualmente desenvolvem-se na América Latina e no Caribe importantes processos de efectiva cooperação mutuamente vantajosa e com um carácter anti-imperialista, como é a Alternativa Bolivariana para as Américas, a ALBA, ou o PetroCaribe.
Cuba preside à Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, a CELAC, que realizará a sua III Cimeira, em Havana, nos próximos dias 28 e 29 de Janeiro. CELAC que reúne todos os estados americanos, obviamente com a excepção dos EUA e do Canadá.
Isto é, trava-se uma intensa luta de classes na América Latina, verificando-se hoje importantes avanços com uma direcção progressista e mesmo revolucionária que apontam o objectivo do socialismo, como acontece com a revolução bolivariana na Venezuela. Acompanhamos com grande atenção e solidariedade estes processos que demonstram que é através da luta que os povos podem conquistar e alcançar uma vida mais digna e justa. Cuba é disso digno, corajoso e solidário exemplo.
 

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