Intervenção de

Passe Social Intermodal nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto<br />Intervenção do Deputado Bruno Dias

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,À medida que o tempo passa, de cada vez que se discute a política de transportes, e particularmente os sistemas de transportes colectivos, torna-se mais recorrente esse ritual de “profissões de fé” a que assistimos.Ano após ano, debate após debate, repete-se o coro de preocupações quanto à supremacia do transporte individual face ao transporte público, quanto aos impactos ambientais e económicos que daí decorrem, quanto às suas perigosas implicações para o funcionamento quotidiano das áreas metropolitanas, quanto à invasão das cidades pelo automóvel.Já sabemos que ascende a 62% a utilização do transporte individual nas deslocações pendulares; que mais de 35% das famílias não têm viatura própria, que é crescente o peso do sector dos transportes na emissão de gases com efeito de estufa.Entretanto, é claro que todos concordam que os transportes públicos têm de funcionar e ser geridos numa lógica de rede, de forma articulada e integrada; que têm de ser mais atractivos e captar mais passageiros; que precisam de eficácia, de sustentabilidade, de segurança.O problema, Senhores Deputados, não é este ritual de suposto consenso que tantas vezes se verifica: o problema é continuarmos à espera que se passe das palavras aos actos. Pior – designadamente no tocante à política tarifária, o que vamos observando é a desresponsabilização do Estado, o favorecimento dos interesses privados e a penalização cada vez maior dos utentes do transporte público.Se há matéria decisiva numa estratégia para o sector dos transportes, ela é certamente a política tarifária. E este ano o que tivemos foi mais do mesmo, ou seja, aumentos de preços novamente acima da inflação, agravando ainda mais para as famílias portuguesas o peso das suas despesas com transportes.Já se sabe que são os passageiros portugueses quem paga na Europa, directamente do seu bolso, a maior percentagem dos custos de transportes. Entretanto, o Governo tem a desfaçatez de assumir que ainda quer “aumentar a cobertura dos custos pelas receitas tarifárias”, isto é, carregar ainda mais na factura para os utentes.É de resto elucidativa a evolução do preço do passe social L123 desde a sua criação até aos dias de hoje: em 1980 correspondia a 8,67% do salário mínimo nacional; actualmente, está em 11,61%, num aumento superior a um terço do seu peso relativo no poder de compra. E isto no terceiro ano consecutivo em que caíram os salários reais!Com políticas destas, ficamos esclarecidos quanto às intenções do Governo em promover o transporte público…Perante os sinais mais ou menos disfarçados que este Governo vai passando quanto à sua verdadeira estratégia em matéria tarifária, é preciso mais do que nunca reafirmar a importância do passe social intermodal como conquista social, económica, ambiental, fruto das transformações operadas com o Portugal de Abril.O passe social não pode ser visto como um produto, integrado num negócio. Ele é, desde logo, um instrumento fundamental numa estratégia de desenvolvimento sustentável para o transporte colectivo. Mas é em si próprio a consagração do direito das populações à mobilidade – para o trabalho, para o estudo, para o tempo livre ou o lazer. Por isso apresentamos estes Projectos de Lei: porque é preciso defender o passe social intermodal. Devolver-lhe eficácia, actualizar e adequar a sua capacidade de resposta, face às dinâmicas e alterações populacionais verificadas nas últimas décadas nas Áreas Metropolitanas. E por outro lado, aspecto não menos importante, reconhecer e conferir também à população da Área Metropolitana do Porto esse direito fundamental à mobilidade, de uma forma estruturante e integrada.Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,Para o PCP é cada vez mais uma evidência que, ao longo dos anos, a aberrante sujeição das políticas de habitação aos interesses do lucro privado foram ditando o afastamento crescente das populações para as periferias. E assim, só na AML, centenas e centenas de milhar de potenciais passageiros do transporte público ficaram excluídos do passe social – simplesmente porque vivem no exterior das suas coroas. As áreas metropolitanas alteraram-se, e com elas os padrões de mobilidade – e a verdade é que o sistema tarifário do passe social não acompanhou nem respondeu a essas dinâmicas. Nem na Área Metropolitana de Lisboa, nem (evidentemente) na Área Metropolitana do Porto.Daí que seja indispensável captar novos utilizadores para o sistema de transportes colectivos, com todos os ganhos sociais, ambientais, económicos e mesmo da própria geração de receitas para o sistema. E isso faz-se com o passe social, garantindo-se a tal articulação e a efectiva intermodalidade da rede.Pois se em cada área metropolitana há centenas, sublinhe-se, centenas de títulos de transporte (só na AML foram contabilizados mais de 450), não é credível nem sustentável que não exista, nem em Lisboa nem no Porto, um único passe social que permita, sem discriminações, o acesso aos vários operadores e meios de transporte! É uma situação absurda que exige medidas concretas para a sua correcção.Ao cabo de 27 anos, torna-se ainda maior a necessidade de defender e confirmar o passe social como título de transporte estruturante do sistema tarifário. Estabilizar a definição do seu enquadramento legal. E operar uma remodelação que venha adequar e actualizar uma resposta eficaz e integrada do sistema, na Área Metropolitana de Lisboa e na Área Metropolitana do Porto.Com as medidas que propomos, o passe social passará a abranger, só na Área Metropolitana de Lisboa, um acréscimo de mais de 40% da população servida actualmente – e mais de 60% dos que actualmente têm acesso ao passe beneficiarão directamente da redução de custos, com o alargamento das coroas.Se em Lisboa o nosso Projecto-Lei parte da análise do que foi a experiência das últimas décadas na evolução do próprio sistema do passe social, para avançar com propostas concretas e definidas para o alargamento das coroas territoriais a abranger; já relativamente ao Porto temos em conta que se trata de criar um sistema de passes onde ele de facto não existe – e por isso mesmo defendemos que se proceda aos necessários estudos e inquéritos com vista à definição da solução mais adequada à realidade daquela região.Em ambos os casos, as Autoridades Metropolitanas de Transportes deverão desempenhar um papel importante neste processo, já que a elas cabe a implementação destes sistemas, actualizando de forma integrada os próprios sistemas de bilhética, e fundamentando-a na recolha e actualização regular da informação estatística indispensável para a ponderação da distribuição de receitas e para a fixação de indemnizações compensatórias.E a esse propósito, cabe aqui sublinhar que o PCP não tem complexos nem preconceitos em defender a compensação pelo Estado a todos os operadores do serviço público de transporte colectivo, que têm a obrigação de prestar um serviço público de qualidade – e não apenas gerir um negócio supostamente rentável.Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,Para além de todas as razões de eficácia, de sustentabilidade, de justiça social, da defesa de direitos, de protecção do ambiente, temos mais uma razão para esperar deste debate a viabilização destes projectos de lei: é que, no passado, nesta mesma sala, o PCP apresentou propostas que no essencial já abriam caminho a estas soluções. E nessa ocasião, os partidos da actual maioria viabilizaram as nossas propostas – nem PSD nem CDS-PP votaram contra.Com estes diplomas, trazemos agora a oportunidade e a iniciativa para que se tomem medidas concretas. Já vimos que, quanto ao diagnóstico, estamos todos de acordo. Passemos então à prática, porque este “pára-arranca” nas políticas de transportes não pode continuar.

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