Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

Para o Governo, em primeiro lugar estão os banqueiros e o grande capital

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No debate quinzenal hoje na Assembleia da República, Jerónimo de Sousa denunciou o programa da troika que PS/PSD e CDS assinaram e que está a conduzir o país ao desastre, arrastando milhares de trabalhadores, reformados e famílias para a ruína.
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Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados,
Estive a ouvir o debate entre as duas bancadas que anteriormente intervieram e continuo a
considerar que o «passa-culpas» e o «faz de conta» continuam a ser a marca dos partidos que, à vez ou juntos, têm governado este País.
Ouvimos o Sr. Deputado Luís Montenegro fazer um histórico, dizendo umas verdades ao Partido Socialista.
São verdades, mas omitiu, simplesmente, a co-responsabilidade do PSD, designadamente, nos PEC e no Orçamento do Estado, nas tais medidas que aqui negociou como negativas.
Lembrando esse histórico, enquanto o País se afundava na dívida, na recessão, nas injustiças, o governo anterior do PS ia apresentando um PEC de três em três meses; o Governo actual, num quadro em que continuamos a caminhar para o desastre, vai anunciando um pacote de medidas de austeridade por semana e o País vai ficando sempre pior.
Diziam os senhores que eram medidas excepcionais. Vê-se, Sr. Primeiro-Ministro! Veio a público uma carta, enviada, há dias, pelo Governo à tróica, afirmando estar o Governo «prontinho» para tomar medidas adicionais que possam levar à concretização dos objectivos do programa a que VV. Ex.as e o PS amarraram o País. A resposta à disponibilidade chegou rápida: a tróica acaba de anunciar que quer, além das drásticas medidas já previstas e em cima das já tomadas, novas medidas de cortes adicionais na despesa, no valor de 1000 milhões de euros, para 2012.
Sr. Primeiro-Ministro, a pergunta que lhe faço é esta: até onde quer ir o Governo na sua cega e insensível política de ataque aos salários, às pensões, aos serviços públicos, às condições de vida do povo?
O Sr. Primeiro-Ministro já pensou que, com este caminho que está a tomar, num País que está a ficar pior — e até admito que consiga acabar com o défice —, corremos o risco de acabar com o País, particularmente com a sua soberania, com a sua independência, com o seu desenvolvimento?!
Medidas para promover o crescimento? Não há! Medidas para a criação do emprego? Não há! Só há medidas para aumentar a exploração, como se vê, com as vossas propostas de leis laborais. Andam para aí com «pezinhos de lã» mas o que pretendem é retirar aos trabalhadores o direito a qualquer indemnização por despedimento.
Diga lá que não, Sr. Primeiro-Ministro!
Diga lá que não, porque a sua resposta vai ficar registada.
Em relação às medidas de austeridade, nas opções estratégicas do Governo, o horizonte da aplicação já lá vai, para 2015: é sempre «o amanhã que nunca chega».
São medidas de austeridade sem fim à vista, sacrifícios dolorosos e destruição de vidas, Sr. Primeiro-Ministro. Repito, destruição de vidas! No plano familiar, no plano profissional, no plano social, o que os senhores estão a fazer é a levar à ruína muitos e muitos portugueses, trabalhadores, pequenos e médios empresários, agricultores, enfim, aqueles que, hoje, vivem do seu trabalho e do seu pequeno rendimento.
Digo-lhe isto porque, de facto, quando é anunciada uma estatística do INE, arrepia-nos, porque aí vem a confirmação desta intervenção e daquilo que dizemos.
Neste momento e desde o princípio do ano, foram encerradas 3000 empresas. Portugal regista, a nível da produção industrial, níveis idênticos aos de há 15 anos, e o mesmo na agricultura e na construção civil. Isto não lhe diz nada, Sr. Primeiro-Ministro?!
Então, estamos pior, estamos em recessão, com mais desemprego, com mais dramas, e o Sr. Primeiro-Ministro veio aqui dizer que está com uma grande confiança?! O senhor pode estar, mas eu admito que o seu sucesso, o sucesso da sua política, será o desastre para o País.
De qualquer forma, pensamos que a solução dos problemas não está aqui. Há duas opções: ou seguir este caminho de afundamento ou fazer uma ruptura com esta política e assumir, no plano patriótico, a rejeição deste programa de submissão que, hoje, querem impor aos
portugueses. Esta é a proposta do nosso partido, que é a de jogar na necessidade da renegociação da dívida, aumentar a nossa capacidade produtiva, a nossa produção nacional, confiar nos trabalhadores, valorizando os seus salários. Esta é a proposta e é a saída.
Pode dizer: «pode ser que não dê». Admito o benefício da dúvida. Mas o que não dá é este caminho para o desastre que os senhores estão percorrer com a vossa política!
(…)
Sr.ª Presidente,
Quito, posso exceder o tempo de intervenção em mais 15 segundos.
Sr. Primeiro-Ministro,
Ontem estive num hospital, numa consulta normal, esperei na fila cerca de 3 horas,
como qualquer cidadão, e a conclusão que tirei, no meio daquelas centenas de pessoas, foi que não o convido a fazer o mesmo — nem a si nem ao Sr. Ministro da Saúde.
Para justificarem os cortes cegos, o Sr. Primeiro-Ministro e o Sr. Ministro da Saúde têm afirmado que, com menos dinheiro, vão fazer o mesmo. E eu pergunto: quem querem enganar?
Alguém com bom senso acredita que, reduzindo 500 milhões de euros nos custos operacionais dos hospitais, em 2011, e mais 1400 milhões de euros nos orçamentos da saúde, nos próximos dois anos, é possível manter os mesmos níveis de acesso e de qualidade do SNS?!
Alguém acredita que, com estes cortes, vai resolver o gravíssimo problema de 1,7 milhões de portugueses não terem médico de família? E como pretende resolver a falta de 5000 enfermeiros só nos cuidados primários?
Com estes cortes, como vai regularizar, para tempos de espera aceitáveis, as consultas de especialidade ou as cirurgias, que, nalguns casos, demoram cerca de um ano? E como pretende resolver o problema de centenas de milhares de portugueses que não têm dinheiro para comprar os medicamentos, quando se esperam novas descomparticipações, nomeadamente
na pílula e em vacinas, e um corte nos transportes de doentes?
Será que não percebem, Sr. Primeiro-Ministro, que a saúde é uma área estratégica para o País e não pode estar sujeita a cortes cegos, em que se corta primeiro e só depois se avaliam as consequências?
Pense nisso, Sr. Primeiro-Ministro.
Aliás, Portugal é o único País da União Europeia onde, com medidas no plano orçamental, se está a cortar na saúde.
Sr. Primeiro-Ministro, não diga que em primeiro lugar estão as pessoas. Não estão nada. Para si, para o seu Governo, em primeiro lugar estão os banqueiros, estão os interesses do grande capital!

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