Intervenção de Ilda Figueiredo no Parlamento Europeu

O papel do rendimento mínimo no combate à pobreza e na promoção de uma sociedade inclusiva na Europa

A pobreza e a exclusão social são violações da dignidade humana e dos direitos humanos fundamentais. Mas, em pleno Ano Europeu de Luta Contra a Pobreza corremos o risco de obter o triste recorde das pessoas em situação de pobreza. É um escandaloso retrocesso nesta Europa rica, onde os lucros do sector financeiro e de grupos económicos continuam a aumentar e a refugiar-se nos paraísos fiscais. Por isso, cresce a onda de indignação de milhões de trabalhadores, mulheres e jovens vítimas de cortes de salários e trabalho precário e mal pago, desempregados e pensionistas com reformas de miséria.

Se, no final de 2008, o Eurostat dizia que, mesmo depois das transferências sociais, cerca de 85 milhões de pessoas estavam em risco de pobreza, a situação será bem pior com o aprofundamento das políticas neoliberais comunitárias e as medidas ditas de austeridade que estão a ser tomadas em alguns Estados-membros, implicando cortes salariais e de serviços públicos de saúde, educação e outros, redução de apoios sociais e aumento de impostos sobre bens essenciais, incluindo bens alimentares, como agora também em Portugal, depois da Grécia, Irlanda e outros.

Não é aceitável que a Comissão Europeia e o Conselho continuem a pressionar Estados-membros por causa dos critérios irracionais do Pacto de Estabilidade, olhando apenas as questões financeiras, mas não a questão social, tendo dado todos os apoios públicos para os bancos e o sistema financeiro, esquecendo as pessoas. E, pior ainda, obrigando agora trabalhadores e populações carenciadas a pagar urgentemente as ajudas públicas que os governos deram aos bancos com o beneplácito dos responsáveis da União Europeia e os aplausos dos grupos financeiros. Por isso, é preciso mudar as políticas para fazer face à pobreza e à exclusão social, como exigem milhões de manifestantes nas lutas por essa Europa fora.

Os objectivos e os princípios orientadores do Ano Europeu de Luta Contra a Pobreza não podem ser palavras que o vento levou. Não pode ser esquecido o compromisso da União Europeia na concretização dos Objectivos do Desenvolvimento do Milénio da ONU. As políticas devem reconhecer os direitos e a partilha da responsabilidade, promover a coesão e a participação das pessoas em risco ou situação de pobreza, tomar medidas concretas e executá-las visando a efectiva prevenção da pobreza e a sua erradicação, integrando as pessoas sem abrigo e os imigrantes, não esquecendo as pessoas com deficiência, não pondo em causa o futuro de jovens e crianças. Infelizmente, a “Estratégia Europa 2020” limita-se a apontar a saída da pobreza de 20 milhões de pessoas até 2020, o que é um recuo perante os objectivos iniciais da chamada Estratégia de Lisboa.

A natureza pluridimensional da pobreza e da exclusão social exige que haja uma dimensão social das políticas macro-económicas como parte integrante da estratégia para sair da crise, o que implica uma modificação das prioridades e das políticas, nomeadamente monetárias, incluindo o Pacto de Estabilidade, as políticas orçamentais e fiscais, das políticas de concorrência e do mercado interno. É preciso dar prioridade à coesão económica e social e à defesa dos direitos humanos, o que implica, no mínimo, um equilíbrio entre as políticas económicas, o emprego, as políticas sociais e ambientais e uma justa redistribuição da riqueza e dos rendimentos.

É neste contexto que os sistemas de rendimento mínimo constituem um instrumento eficaz para garantir a segurança das pessoas e diminuir as consequências da exclusão social e do desemprego, para apoiar o acesso ao trabalho digno, combatendo a precariedade e os salários de miséria que fazem crescer a percentagem de trabalhadores pobres. Estes sistemas de rendimento mínimo têm um papel importante na redistribuição dos rendimentos e garantem a solidariedade e a justiça social, particularmente em tempo de crise, por funcionarem como estabilizadores sociais e desempenharem um acção anti-cíclica, fornecendo os recursos suplementares que reforçam a procura e o consumo no mercado interno, combatendo a recessão.

Por isso, os sistemas de rendimento mínimo, baseados em, pelo menos, 60% do rendimento mediano de cada país, devem fazer parte integrante de uma estratégia que vise a integração social, implicando tanto as políticas gerais como as medidas específicas para os grupos mais vulneráveis da sociedade – em termos de alojamento, de cuidados de saúde, de educação e de formação, de serviços sociais – ajudando as pessoas a sair da pobreza e incitando a agir no sentido da inclusão social e do acesso ao mercado de trabalho todas as que tiverem condições para o fazer em condições de dignidade, e não de “escravatura moderna”, como está a acontecer com o trabalho precário e mal pago que afecta milhões de trabalhadores, sobretudo mulheres e jovens.

Aqui fica o desafio à Comissão Europeia: apresente uma iniciativa e um plano de acção sobre rendimentos mínimos, visando retirar da pobreza as crianças e jovens, os adultos e os idosos, colocando-se no caminho do progresso social.

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