Intervenção de Agostinho Lopes, membro do Comité Central, Debate «Controlo público dos sectores estratégicos da economia»

Outro rumo para o País exige ruptura com as privatizações, exige o controlo público dos sectores estratégicos da economia

1. O conteúdo dos sectores estratégicos da economia

Talvez começarmos por uma breve referência sobre o que são sectores estratégicos da economia (SEE).

Uma primeira nota para assinalar uma evidência: os sectores da saúde, ensino, segurança social, comunicação social, ditos sociais, tendo uma clara dimensão económica, são também sectores estratégicos.

Dizia então que são SEE os sectores constituídos por «empresas» produtoras de:

(i) bens e serviços essenciais à vida das sociedades hoje: água, alimentos, energia, crédito e seguros, medicamentos, transportes e comunicações / incluindo telecomunicações, infraestruturas de abastecimento / logística, (Silopor), recolha de lixos.

(ii) bens e serviços básicos para o funcionamento de outras actividades económicas, nomeadamente produtivas, como o ferro / aço, cimento, H2SO4 e produtos químicos de base.

(iii) matérias-primas resultantes da exploração de recursos naturais (escassas e limitadas), necessárias para alguns dos bens anteriores, concentradas, no fundamental, na indústria extractiva: petróleo / GN / alguns minérios.

Algumas notas mais.

- Algumas destas empresas são ditos «monopólios naturais», porque ninguém imagina a construção de uma segunda empresa para desenvolver a mesma actividade – redes de transporte de energia ou de abastecimento de água.

- Algumas são empresas de infraestruturas em rede, com presença articulada, parcial ou totalmente, no território.

- São empresas produtoras de bens e serviços com elevados e garantidos consumos, isto é (em economês), garantidos elevados e estáveis níveis de procura – o que se produz é consumido ou utilizado, isto é, tem reduzido risco económico.

Uma característica central destas empresas estratégicas é que elas não podem deixar de funcionar. A pergunta a que os «teóricos e os práticos» das «privatizações» nunca respondem – poderia algum governo português deixar falir, permitir que não funcione, a REN, a EDP, a ANA, etc?

São empresas em que nenhum Estado deixaria de intervir, para salvaguardar a sua actividade / funções. Alguns diriam empresas com risco sistémico em que o Estado teria sempre que suportar os prejuízos e falências de uma qualquer gestão privada.

Sem qualquer visão autárcica do mundo em que vivemos, bem pelo contrário, é tendo em conta a intensidade e densidade das relações / fluxos económicos no mundo, que é fácil perceber, que essas empresas são elementos nucleares da soberania e independência nacionais.

Elas são centrais, para assegurar níveis razoáveis / suficientes de satisfação de necessidades básicas de uma nação, impedirem relações de dependência face a outros Estados.

O que não quer dizer que assumimos uma posição de auto-suficiência geral e absoluta na satisfação das nossas necessidades.

Mas há patamares mínimos a garantir.

Questão que assume particular acuidade / visibilidade em momentos de crise aguda... (2008 – subida internacional do preço de bens alimentares estratégicos – cereais...)

2. Da necessidade do controlo público ao exercício do controlo público.

A natureza destes sectores – a sua essencialidade para a sociedade – torna obrigatório o rigoroso controlo público destas actividades, destas empresas, destes sectores.

Não pode ficar dependente das decisões do mercado produzir ou não produzir esses bens e serviços.

É necessário assegurar o seu acesso a todos os cidadãos, em condições de igualdade de qualidade (elevada) e preço, e qualquer que seja a sua localização no território. É necessário garantir a «continuidade» do fornecimento de parte significativa desses bens,não pode haver interrupção no abastecimento de água ou energia. ou alimentos. Há que assegurar os investimentos necessários para a manutenção de serviços ou produções, para o seu desenvolvimento tecnológico, conforme as necessidades do País. Não pode ser a lógica do capital privado a decidir se se faz ou não determinado investimento... Há até que evitar o sobre-investimento (ERSE!).

Só o controlo público pode garantir que são salvaguardados os componentes da segurança nacional (conceito estratégico de defesa), da soberania e independência nacionais.

O controlo público é necessário para garantir que os objectivos e orientações estratégicos desses sectores / empresas / unidades correspondem às necessidades nacionais.

A forma de o fazer, de concretizar o exercício do controlo público, estará muito dependente da estrutura operacional e económica dessas empresas / sectores.

De forma esquemática. Tratando-se de grandes empresas (de dimensão nacional), com infraestruturas em rede, produzindo num quadro de monopólio ou oligopólio, a exigência é que sejam empresas de propriedade pública, com gestão pública e uma lógica de funcionamento de serviço público. O que não é incompatível com uma autonomia empresarial, no quadro dos objectivos e orientações estratégicos, de missão definida pelo Estado, representante do interesse público.

O mesmo se dirá para sectores que, pela natureza muito especial das suas produções – caso do armamento – ou por se tratar de recursos escassos, exigindo uma criteriosa exploração e gestão da sua aplicação – minérios / ouro – a salvaguarda do interesse nacional exige a presença e intervenção directa do Estado.

No caso de sectores / actividades suportados por inúmeras empresas de diversas dimensões – agricultura e pescas, por exemplo – o controlo público exigirá políticas públicas adequadas, incluindo a forte regulação dos mercados – nomeadamente do comércio externo – para garantir as produções necessárias, o consequente escoamento, a preços acessíveis, compatíveis com o bom uso (económico / social / ambiental / sustentável / dos recursos explorados – a terra, o mar.

É fácil ver que a política de privatização e liberalização das políticas de direita do PS/PSD/CDS dos últimos 40 anos fracturaram ou eliminaram mesmo o «controlo público» de sectores estratégicos, pondo em causa o interesse público, o País, pondo em causa a soberania e a independência nacionais.

E é fácil verificar hoje que o interesse público e nacional não foi salvaguardado por um conjunto de mecanismos institucionais e económicos, que foram «criados», «inventados», para supostamente o proteger: as «entidades reguladoras», as «golden shares», os «activos estratégicos», o «serviço universal», o «unbundling» / segmentação da cadeia de valor de uma empresa, supostamente para garantir a concorrência.

«Invenções» do neoliberalismo para esconder / atenuar as consequências e os impactos de criminosas privatizações.

O clamoroso falhanço das entidades ditas reguladoras, no controlo dos preços e tarifas, travando a obtenção de super lucros (lucros acima das taxas médias de remuneração do capital), as ditas «rendas excessivas», são uma constatação nos dias que correm.

A «descoberta», com a chegada da Troika, que a EDP tinha «rendas excessivas», que era necessário eliminar, é só uma das situações mais escandalosas!

Mas não era preciso ter vindo a Troika, como dizem alguns. Há muito clamava (diga-se, em vão!) o PCP contra essa situação e fazia propostas para a resolver.

3. Privatizações – consequências certas do processo privatizador dos últimos 25 anos

Não cabe aqui referir agora toda a argumentação fraudulenta que ao longo dos últimos 25 anos foi desenvolvida para «justificar», aos olhos dos portugueses, a política de privatizações de sucessivos governos do PS, PSD e CDS. Mas lembraria o seu objectivo central.

A reconstituição dos grupos económicos monopolistas, que foram um dos suportes da ditadura, liquidados pelo 25 de Abril e as nacionalizações. Os novos grupos privados que no dizer do ministro do Bloco Central (Ernâni Lopes), seriam «núcleos de racionalidade económica». Ou que depois, numa fórmula mais elaborada, o ex-primeiro ministro A. Guterres, afirmou que iriam ser «os elementos racionalizadores das transformações económicas do País, da modernização e de um novo modelo de especialização». (Não podemos na actual conjuntura um desses elementos – o GES, Grupo Espírito Santo)

Conhecemos a modernização e a especialização feitas! Sabemos como esses grupos se especializaram na produção de bens e serviços não transaccionáveis e na predação dos trabalhadores e consumidores portugueses, na predação dos sectores transaccionáveis – sectores produtivos e PMEmpresas. (V. Bento). Predação calculada pelo novel Presidente do BES, em cerca de 24 mM€ (15% do PIB) em duas décadas.

Mas dá nisto confundir «reestruturação económica» com centralização e concentração de capitais, pela liquidação de unidades e sectores, desmantelamento da coerência e racionalidade de fileiras produtivas e áreas de actividade das empresas públicas! Como aconteceu, na Quimigal, Siderurgia, na Metalomecânica pesada, no sector agro-alimentar, nas indústrias extractivas, nos transportes, na energia.

Dá nisto pensar que a lógica da banca privada e sectores empresariais privados é idêntica ou pode ser confundida com a lógica do sector público, de uma eficaz intervenção e dinamização dos sectores produtivos, e em particular junto das pequenas e médias empresas, e de um eficiente abastecimento de bens e funcionamento de serviços essenciais, a preços controlados a outros sectores económicos e às populações!

Dá nisto falar de eficiência, racionalidade económica, modernização, quando ao mesmo tempo se procede à liquidação da coerência da fileira nas celuloses, da intermodalidade nos transportes, do papel chave de empresas como a EPAC, PEC, etc., para a agricultura. Ou fazer a privatização e desmantelamento da EDP e da Portugal Telecom sem prever as consequências negativas que dai advirão, pelas naturais lógicas de rentabilidade financeira que passarão a gerir estas estruturas, para a indústria transformadora portuguesa, para os consumidores portugueses! Aí está o descalabro do BES para o demonstrar.

Não. Os grupos económicos privados, os novos grupos privados, não foram nem serão «núcleos de racionalidade económica», mas núcleos de racionalização de interesses privados, segundo o seu muito antigo, conhecido e natural critério de racionalidade: a maximização da taxa de lucro. Haja o que houver. Sejam as consequências quais forem: económicas, sociais, ambientais, para a independência e soberania nacionais. Para os trabalhadores e o povo português. Se em alguma especialização económica apostaram, sabemos hoje que foi, a da especulação financeira e imobiliária, a especialização na fuga ao fisco, a agressão aos interesses nacionais!

As privatizações já concretizadas pelo actual Governo PSD/CDS (EDP, REN, GALP, ANA, Caixa Seguros, etc.) e as que estão em curso, privatizando o que resta (CTT, EDF, Transportes Públicos – METROS, CARRIS, STCP, CP/REFER, SOFLUSA/TRANSTEJO, TAP, etc – SILOPOR) agravam todos os problemas decorrentes das anteriores privatizações. Globalmente, um criminoso programa de privatizações atingindo sectores estratégicos e monopólios naturais, eliminando qualquer resquício da presença do Estado em empresas estratégicas e estruturantes da economia e do território.

As consequências de 25 anos de privatizações são conhecidas, mas o seu agravamento face aos processos ainda em curso é uma evidência.

No campo de forças económico, o avolumar e consolidar da potência económica/social e política de um número restrito de grupos (económico-financeiros), acentuará uma estrutura monopolista/oligopolista, em sectores de serviços e bens essenciais. Reforçará uma hierarquia de relações com grandes, médias e pequenas empresas privadas, com o próprio Estado, desfavorável e prejudicial para estas, em vários planos – concorrencial e de mercados, no acesso a fundos públicos e comunitárias, na definição das normas e regras económicas pelo poder político, nos preços e tarifas de bens e serviços essenciais. São particularmente graves os efeitos da monopolização e oligopolização dos mercados, a jusante e a montante dos sectores produtivos, inclusive pelo papel desses Grupos na intermediação no mercado interno de bens e serviços estrangeiros!

Não haverá, como a experiência suficientemente tem demonstrado, entidades reguladoras, que respondam a este problema. Pelo contrário, poderia ser a existência de empresas públicas com peso dominante nos respectivos mercados (CGD, EDP, GALP) que poderiam ser eficazes instrumentos da sua regulação, por existência de «comparador» público com comportamento económico que devia ser exemplar.

No plano das contas públicas o Estado vai continuar a perder as receitas dos dividendos que deixa de receber – trata-se em muitos casos de empresas bastante lucrativas – e também perde receitas fiscais (as mesmas empresas, privatizadas passaram a pagar menos!), agravando o défice orçamental. É uma parcela significativa desta fonte de receitas públicas que este como os anteriores governos, pretende «vender» aos grandes grupos económicos. Mesmo no caso das empresas dos transportes públicos, o que o Governo se prepara para fazer, é entregá-las limpas de dívidas… que ficarão como encargo do Estado! Agrava-se a Balança de Pagamentos pela crescente saída de rendimentos por exportação de dividendos correspondentes à forte presença do capital estrangeiro no capital social das empresas privatizadas! (Ver Livro e Artigo do R. Rosa no último Militante). (Balanço das saídas e entradas de capitais Portugal / UE)

Vão continuar a ser fortemente atingidos os sectores produtivos, agricultura, pescas e indústria. Pelas condições (fundamentalmente preços) de acesso a factores de produção tão diversos como a energia, os transportes, as comunicações e pelo agravamento dos efeitos, já referidos, da monopolização e oligopolização dos mercados. Vai continuar a predação dos SBT pelos SBñT.

A agrava-se a dependência estrutural da economia portuguesa do capital transnacional e o lógico comando estratégico de importantes sectores por centros de decisão não nacionais. Nalguns casos, de actividades e infraestruturas que são elementos nucleares da soberania nacional – portos e aeroportos, telecomunicações, redes de transporte de energia, etc. Com o domínio do capital estrangeiro, abre-se caminho, no quadro da relocalização à escala europeia (e mundial) de importantes sectores industriais, com a correspondente liquidação em Portugal de unidades empresariais e dos respectivos centros de decisão (CIMPOR).

As crescentes interdependências económicas da globalização e da integração comunitária, não são abstracções. Pelo contrário, são muito concretas e profundamente assimétricas, tendendo a gerar situações de dominação das economias menos desenvolvidas pelas economias dos países capitalistas mais industrializadas e das multinacionais. Um forte Sector Empresarial Público é condição necessária, nas condições objectivas do País, para garantir a soberania nacional em centros fulcrais de decisão económica, para resistir com êxito à concorrência feroz no mercado comunitário e mundial e a uma divisão internacional do trabalho desfavorável a Portugal. É condição necessária de uma base económica nacional modernizada, mas diversificada e melhor inserida nas tendências mais avançadas dos processos produtivos à escala internacional. Só assim será possível manter o controlo nacional sobre o essencial da estratégia de desenvolvimento do País.

A generalidade das privatizações remarão em sentido contrário. Com ER evidencia nos seus textos, as privatizações tem constituído uma verdadeira “desnacionalização” dos activos dos sectores estratégicos da economia.

No plano do ordenamento do território e do uso dos recursos naturais, o carácter estruturante de muitas das empresas públicas privatizadas ou a privatizar, pela sua natureza de organização em rede (rede de conexões entre pólos espalhados geograficamente), pela sua índole estratégica, reforçará a incapacidade do Estado, representante do interesse geral, do interesse público, no uso de forma capaz e suficiente desses instrumentos no ordenamento do território, inclusive na resposta às assimetrias regionais, na defesa de um desenvolvimento sustentável e um criterioso uso dos recursos naturais. Ficarão sujeitos o ordenamento do território e o uso dos recursos naturais às lógicas do interesse privado, a maximização dos lucros, quase sempre pouco compatível com tais objectivos.

E uma importante e decisiva questão política, que constitui uma velha tese do PCP.

Os processos e a política de privatizações levaram e estão a levar a uma situação em que quem determina a política nacional, é cada vez menos o povo português, pelos seus interesses, a sua opinião e o seu voto, mas os que ilegitimamente, ao arrepio da CRP, se vão apropriando dos mecanismos fundamentais da economia portuguesa.

A degradação do regime democrático de Abril é indissociável do processo de domínio dos principais grupos económicos monopolistas sobre a sociedade e a vida dos portugueses. A corrupção é indissociável da promiscuidade dos grandes negócios com o poder político, da violação do princípio constitucional da subordinação do poder económico ao poder político.

É extraordinário que tantas boas almas, inclusive à esquerda, tanto perorem sobre a degradação do regime democrático português, e não enxerguem a subversão concretizada pela apropriação do poder político pelo poder económico, pelos Grupos Económicos monopolistas e o capital transnacional. Gente que até descobre fórmulas milagrosas de lhe responder – círculos uninominais, redução do número de eleitos/deputados, etc., etc., e como agora está na moda, umas ditas eleições primárias, que como é sabido dão resultados extraordinários, na democraticidade e participação dos cidadãos, e sobretudo na produção de governos e políticas efectivamente alternativas, como sucede nos EUA,

4. Outro rumo para o País exige ruptura com as privatizações, exige o controlo público dos sectores estratégicos da economia

A Constituição da República Portuguesa estabelece como princípios fundamentais da organização económico-social, e como «incumbências prioritárias do Estado para sua concretização, a subordinação do poder económico ao poder político democrático, a coexistência dos sectores público, privado, cooperativo e social da propriedade dos meios de produção e a liberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma economia mista, o planeamento democrático do desenvolvimento económico e social.

Tal não é compatível com a política de privatizações. E até se percebe porque é que alguns pretendem rever a CRP!

Uma política alternativa, indispensável para devolver o País a uma dinâmica de desenvolvimento económico e social, vencer o sentido de definhamento da economia nacional e inverter o progressivo e dramático agravamento dos problemas sociais, exige a ruptura com o domínio do capital monopolista, com os grupos económicos monopolistas transformados nas células estratégicas da estrutura e funcionamento do tecido económico.

Exige a afirmação da propriedade social e do papel do Estado em sectores estratégicos, nomeadamente com a suspensão das privatizações em curso e a reversão ao sector público e ao controlo público de empresas e sectores privatizados. Um sector público forte e dinâmico, ao serviço da democracia e do desenvolvimento soberano e independente do País, é condição chave para a manutenção em mãos nacionais de alavancas económicas decisivas. A propriedade social dos sectores básicos e estratégicos, é um instrumento essencial para garantir o desenvolvimento integrado e o ordenamento do território, para reafirmar um Estado com um papel produtivo e efectivamente regulador, para promover uma política de emprego e a melhoria das condições laborais e de vida.

O que exige assegurar o controlo público e um sector público com uma dimensão e peso determinantes, nos sectores básicos e estratégicos da economia nacional, nomeadamente: a banca e os seguros; a energia; a água, saneamento e tratamento de resíduos sólidos; as comunicações e telecomunicações; os transportes e vias da comunicação e a presença em sectores industriais chave e áreas da investigação e desenvolvimento tecnológicos.

É o que queremos que programaticamente esteja inscrito numa Política Patriótica e de Esquerda para Portugal!

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