Intervenção de

Orientação da Despesa Pública - Intervenção de Honório Novo

Senhor Presidente Senhores Deputados

No debate sobre a orientação da despesa realizado há um ano, a Senhora Ministra das Finanças afirmou que “estávamos no caminho certo”.

A história deste “caminho certo” está feita, continua hoje infelizmente a fazer-se. Com as consequências económicas e sociais desastrosas que os portugueses bem conhecem.

Há um ano ainda dizia aqui o Governo que a riqueza nacional iria crescer 1%. Afinal, chegamos a Dezembro de 2003 e o PIB caiu para menos 1,3% que em 2002.

Há um ano, o Governo tinha a ousadia de anunciar – quando já ninguém acreditava nisso - que o investimento ainda poderia aumentar (0,1%), ou que a inflação seria apenas de 2,5%. Oito meses depois, a triste realidade era bem outra: o consumo descia quase 1%, o investimento desabava quase 10%, a inflação afinal atingiria quase 3,5%.

As consequências da opção cega pela consolidação orçamental, (a qual, afinal, só conseguiu mascarar um défice de 5,3% num valor de 2,8% por obra e graça da venda de créditos à Segurança Social e ao Fisco, e à custa do fundo de pensões dos CTT), as consequências económicas e sociais para o país dessa obsessão são infelizmente bem conhecidas: falências às centenas, deslocalizações às dezenas, desemprego aos milhares, afastamento crescente da média europeia, perda de poder de compra, salários em atraso, pobreza e exclusão social a crescer em todo o País.

Este é o resultado do “caminho certo” que o Governo nos anunciou aqui há um ano!

Senhor Presidente Senhores Deputados

Há um ano, o Governo tentava aqui mostrar que a sua inflexível opção pela consolidação orçamental era também o caminho certo para que Portugal pudesse acompanhar “a retoma da economia internacional logo que ela se manifestasse”.

É verdade que a retoma irá suceder um dia. É verdade que as quedas dos diversos indicadores económicos tem sido tão grande em Portugal que a tendência inevitável será a sua reversão.

Apesar deste Governo, mesmo que este Governo tudo faça para o impedir, que não utilize nenhum instrumento para a promover ou dinamizar, a verdade é que a retoma irá ocorrer, mais dia menos dia.

Mas também aqui o caminho escolhido pelo Governo nem é o mais certo nem o mais correcto. A comprová-lo está o relatório sobre execução orçamental e orientação da despesa pública para 2004.

O Governo insiste em manter o quadro macroeconómico, insiste nas mesmas previsões que apresentou em sede orçamental e fez aprovar no Programa de Estabilidade no início do ano.

O Governo sustenta, em defesa deste imobilismo, a evolução positiva das receitas fiscais e a proximidade entre as suas projecções e os valores apresentados por organismos internacionais.

O Governo desvaloriza o facto da comparação entre a execução fiscal no primeiro trimestre de 2004 com período homólogo de 2003 ser um exercício virtual já que, este ano, a cobrança de parte substancial do IRC já está feita (o Pagamento Especial por Conta) enquanto, em 2003, só ocorreu em Junho.

O Governo esquece, certamente de forma intencional, que a tendência de todas as projecções internacionais é a revisão em baixa dos indicadores mais importantes referentes a Portugal. É a previsão de crescimento do PIB que vai descendo, o mesmo sucedendo com o investimento. A previsão que não desce, pelo contrário sobe, é a do famoso deficit que, apesar de continuar a ser infelizmente a obsessão fundamental do Governo, é revisto em alta em todas as projecções internacionais! Mas para resolver esse problema já conhecemos a receita da Senhora Ministra, vende-se mais algum património, (talvez alguns dados desta vez), e dessa forma, de novo com receitas extraordinárias, equilibra-se mais uma vez o deficit para “Comissão Europeia ver”.

O Governo também esquece, igualmente não por acaso, que a manutenção da sua previsão para a inflação, em volta dos 2%, é cada dia, cada semana mais irrealista e insustentável. Com os preços dos combustíveis a aumentar vezes sem conta, facilita-se porventura a obtenção de receitas e o cumprimento da obsessão do deficit orçamental, mas aperta-se ainda mais o quotidiano dos portugueses e compromete-se dia a dia os poucos indícios de recuperação que, apesar da existência do Governo, vão surgindo.

O Governo despreza o papel do investimento público reprodutivo e, por exemplo, em sede de PIDDAC, vem apresentar, no seu relatório, valores de execução verdadeiramente preocupantes. Tanto mais que o investimento global inicial previsto para 2004 no PIDDAC era já inferior em 6% ao de 2003.

Dos 52 programas do PIDDAC, 29 apresentam execuções inferiores a 10%. Programas como o “Ensino básico e secundário”, ou o “acolhimento e reinserção social” têm execuções bem inferiores a 20%. Há programas no Ministério da Segurança Social, na Administração Interna, na Justiça e na Saúde com taxas de execução inferiores a 5%.

Este é o retrato fiel que mostra quanto o Governo continua a desprezar o efeito multiplicador do investimento social e do investimento reprodutivo.

Senhor Presidente Senhoras e Senhores Deputados

Ao contrário do que o Governo aqui anunciou há um ano, Portugal não está afinal melhor preparado para acompanhar a retoma internacional!

Ao contrário do que se dizia, a opção cega pela consolidação orçamental não constituiu, também neste plano, o caminho certo para Portugal.

Mesmo que, por hipótese, o crescimento do PIB em 2004 acabasse por atingir os valores optimistas previstos pelo Governo (em torno de 1%) a verdade é que, mesmo assim, Portugal continuará a afastar-se da média comunitária (cujo crescimento poderá atingir um valor duplo daquele).

Portugal, por via das opções orçamentais do Governo, foi o primeiro país da União a entrar em declínio económico, a atingir mesmo a recessão económica e, por via da insistência nas mesmas obsessões, será certamente o último país comunitário a retomar o crescimento!

Senhor Presidente Senhoras e Senhores Deputados

As opções orçamentais hoje confirmadas arrastarão e prolongarão a crise económica e social em que o Governo fez mergulhar o País.

Portugal precisa de outras opções. As que, não esquecendo a necessidade de contrair e eliminar despesas desnecessárias e supérfluas, tem por objectivos motivar e dignificar a administração pública, aumentar as receitas fiscais, (alargando e eliminando benefícios indignos), apoiar o desenvolvimento e a capacidade produtiva, melhorar as condições de vida dos portugueses, defender os sistemas públicos de educação e formação, de saúde e da segurança social, suportes fundamentais de uma sociedade moderna verdadeiramente desenvolvida!

 

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