Intervenção

Órgãos dos municípios e das freguesias - Intervenção de António Filipe na AR

Terceira alteração à Lei que estabelece o quadro de competências, assim como o regime de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias (Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 5- A/2002, de 11 de Janeiro, e pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro)

 

 

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

Hoje é dia de bloco central. O PS e o PSD têm dias. Há dias em que se acusam mutuamente das maiores vilanias; há dias em que se chamam um ao outro de irresponsáveis; há dias em que cada um acusa o outro de não ter a mínima ideia para resolver os problemas do País; há dias em que se entendem para fazer negócio. Hoje é um desses dias.

Quando é o PSD a governar mal, a culpa é do anterior governo do PS; quando é o PS a governar mal, a culpa é do anterior governo do PSD. Cada um deles, quando está na oposição, acusa o outro de não saber ser governo, e quando está no governo acusa o outro de não saber ser oposição.

Se sabemos pelo PS que o País está mal devido à incompetência do PSD, e se sabemos pelo PSD que o País anda mal devido à incompetência do PS, qualquer cidadão, com um mínimo de bom senso, perceberá que, quando tantas incompetências se juntam, não pode sair coisa boa.

Sr. Presidente e Srs. Deputados:

O poder local democrático, tal como foi concebido na Constituição e tal como tem funcionado desde há mais de 30 anos, é uma das mais importantes, duradouras e consensuais realizações da democracia portuguesa. O modelo de poder local instituído em Portugal, assente na eleição democrática, na representação proporcional e na participação plural das várias correntes políticas e de grupos de cidadãos nos órgãos autárquicos, tem contribuído decisivamente, como o PS e o PSD não podem deixar de reconhecer no preâmbulo do seu projecto, para a implantação e consolidação da democracia e para o desenvolvimento dos níveis de bem-estar e de qualidade de vida das comunidades locais. Talvez seja por isso que o PS e o PSD estão agora tão interessados em destruí-lo.

As razões que o PS e o PSD invocam para alterar a Lei Eleitoral Autárquica são, reconhecidamente, falsas. O PS e o PSD afirmam querer garantir a estabilidade e a governabilidade nos municípios. Façam, então, o favor de nos dizer onde está essa instabilidade e ingovernabilidade, quando se sabe que, nestes 30 anos, foram eleitos 2755 executivos municipais e houve apenas necessidade de realizar eleições intercalares em 20, ou seja, em 0,7%. E acontece que, em metade destes, os executivos que se dissolveram tinham maiorias absolutas.

Se os argumentos do PS e do PSD fossem para levar à letra, diríamos que este projecto de lei não é mais do que 10% de um projecto, na medida em que, havendo já uma maioria absoluta de vereadores de uma só força política em mais de 90% das câmaras municipais, este projecto só teria aplicação, na prática, em pouco menos de 10% das câmaras municipais do País.

Só que entre a realidade que temos e a realidade que este projecto visa forjar há uma enorme diferença de princípio. Uma coisa é uma maioria absoluta legítima, que é dada pelo voto do povo; outra coisa, completamente diferente, é uma maioria absoluta em que o povo não votou e que foi forjada por uma negociata entre o PS e o PSD para alterar a lei eleitoral.

Entre a realidade que temos e a realidade que este projecto visa forjar há uma diferença de 242 vereadores actualmente eleitos em minoria, que, tendo hoje votos para serem eleitos, seriam amanhã afastados na «secretaria». A aplicação desde projecto do PS e do PSD faria com que, em 28 municípios, o número de forças políticas representadas no executivo, passasse de três para duas, e que em três outros municípios passasse mesmo de quatro para duas. Em alguns municípios, forças políticas com mais de 20% dos votos ficariam sem qualquer representação nos executivos municipais.

O PS e o PSD falam em estabilidade e governabilidade, mas pretendem estabelecer um sistema de formação dos executivos que pode gerar a mais completa instabilidade caso as forças políticas mais votadas se mantenham em minoria nos órgãos deliberativos.

O PS e o PSD falam em responsabilização e em aproximação entre eleitos e eleitores, mas propõem um sistema que, para além de acabar, pura e simplesmente, com a eleição directa das câmaras municipais, visa instituir um sistema de governação unipessoal das autarquias.

Se há fenómenos negativos que podem ser assacados ao poder local que temos eles têm passado precisamente pela excessiva concentração de poderes que sucessivas alterações legislativas da responsabilidade do PS ou do PSD têm vindo a conferir aos presidentes de câmaras, e que, em alguns casos - felizmente poucos -, em nada contribuem para a dignificação do poder local. O que era necessário era limitar poderes unipessoais, criar mecanismos de fiscalização democrática e acentuar o funcionamento colegial dos órgãos. No entanto, o que o PS e o PSD pretendem é o contrário disso.

Pretendem conferir poderes absolutos aos presidentes na formação dos órgãos executivos, esmagar a representação das forças minoritárias e aumentar o grau de dependência dos membros do órgão colegial à vontade absoluta de quem lhe preside.

O que une o PS e o PSD nesta iniciativa legislativa é o projecto comum de construir artificialmente um sistema de governação local assente em dois partidos com menos fiscalização democrática e com uma gestão menos transparente.

Este projecto do PS e do PSD, em vez de eficiência produzirá prepotência, em vez de pluralidade produzirá autoritarismo, em vez de estabilidade produzirá conflitualidade, em vez de participação produzirá dependência e em vez de democracia produzirá caciquismo.

PS e PSD afirmam no seu preâmbulo que o órgão deliberativo vê reforçados os seus poderes de fiscalização e controlo. Srs. Deputados, só se aprovarem o projecto do PCP!

O projecto do PS e do PSD não só não reforça os poderes dos órgãos deliberativos e não cria melhores condições para o seu funcionamento como os torna mais dependentes dos presidentes dos órgãos executivos e, no tocante à assembleia municipal, avança com a ideia, para nós inconcebível, de retirar aos presidentes das juntas de freguesia o direito de voto na apreciação dos planos e orçamentos municipais.

Consideramos esta proposta, para além de absurda, uma lamentável afronta aos titulares dos órgãos autárquicos, que, de forma mais próxima e directa, respondem perante as populações.

A participação dos presidentes das juntas nas assembleias municipais, em representação directa dos cidadãos que os elegeram, é um elemento de valorização democrática das assembleias e é uma mais-valia para a defesa dos interesses das populações. Retirar aos presidentes das juntas o direito de votar o plano e o orçamento municipais retira grande parte do sentido a essa participação e essa proposta contará, por isso, com a nossa mais firme oposição.

O PCP não apresentou nenhuma proposta de alteração do sistema de eleição dos órgãos autárquicos por entender que não se deve alterar para pior o que, em geral, funciona bem.

Mas apresentou um projecto de lei (projecto de lei nº 438/X) que visa dignificar e reforçar, de forma muito significativa, os poderes dos órgãos deliberativos e colegiais.

O PCP propõe o aumento do número de membros dos órgãos deliberativos e do número mínimo de membros dos órgãos executivos, de modo a garantir maior pluralidade e proporcionalidade na sua composição. Propõe-se reforçar os órgãos colegiais, aumentando o elenco dos seus poderes indelegáveis, designadamente em matéria de ordenamento do território e urbanismo.

O PCP propõe um reforço significativo dos poderes e das capacidades de actuação das assembleias municipais e dos respectivos grupos políticos. O PS sempre admitiu, até agora, que às suas propostas de reforço dos poderes dos presidentes de câmara deveria corresponder o reforço dos poderes das assembleias municipais, mas essa foi mais uma promessa que ficou no tinteiro. O PCP entende que, quer se altere quer não a forma de composição dos executivos, devem ser decisivamente reforçados os poderes e os meios de actuação das assembleias.

O PCP propõe que as assembleias municipais e as assembleias de freguesia tenham poderes orçamentais reais e não meramente fictícios. Ao contrário do que hoje acontece, as assembleias devem ter o poder de aprovar alterações às propostas de plano de actividades e orçamento, desde que daí não resulte a diminuição global da receita ou o aumento global da despesa prevista.

O PCP propõe que as assembleias municipais tenham reais poderes de fiscalização dos executivos, através do aumento das suas competências; através da criação de uma comissão permanente dotada de poderes efectivos para acompanhar a todo o tempo a actividade do executivo municipal, onde estejam representadas todas as forças políticas com assento na assembleia; e através da dotação dos grupos municipais com os meios materiais e humanos indispensáveis para o seu funcionamento permanente.

O PCP propõe que os membros das câmaras municipais prestem, de facto, contas perante as assembleias municipais, que se estabeleça a obrigatoriedade de os presidentes de câmara e vereadores prestarem com prontidão as informações que lhes sejam solicitadas e de comparecerem às reuniões das comissões permanentes das assembleias municipais, sempre que isso lhes seja requerido.

Vou terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, dizendo que o projecto do PCP é um projecto de resposta e de afirmação de valores. É um projecto de resposta a uma ofensiva contra o poder local e as suas características mais genuinamente democráticas, que visa reduzir os mecanismos de fiscalização, limitar a transparência da gestão, favorecer a opacidade e tornar ilimitado o poder pessoal. É um projecto de afirmação dos valores de um poder local assente em regras de funcionamento plurais, participativas e democráticas, que, hoje mais do que nunca, é necessário reforçar.

 

 

 

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