Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Organização dos tempos lectivos dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico em períodos de 45 ou 90 minutos e eliminação da área de projecto do elenco das áreas curriculares não disciplinares

Do Decreto-Lei n.º 18/2011, de 2 de Fevereiro, que permite a organização dos tempos lectivos
dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico em períodos de 45 ou 90 minutos e elimina a área de projecto do elenco das áreas curriculares não disciplinares, procedendo à quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 6/2001, de 18 de Janeiro
[apreciação parlamentar n.º 90/XI/2.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
O PCP chamou para apreciação parlamentar o Decreto-Lei n.º 18/2011, a que o Governo decidiu dar o pomposo nome de «reorganização curricular», sem que o seja, porque, na realidade, contém apenas um conjunto de cortes cegos, avulsos, pouco ponderados e pouco maturados, sem sequer se poder antever para já ou em qualquer estudo quais os efeitos e os impactos que esse conjunto de cortes produzirá na qualidade do ensino. E os únicos efeitos que
se podem para já apurar não auguram nada de bom.
Com a única justificação encontrada no Orçamento do Estado e na obsessão economicista que o Governo tem vindo a impor à escola, os únicos impactos que se podem apurar são os que se vão traduzir na qualidade do ensino, uma qualidade que ficará certamente depauperada tendo em conta os cortes que o Governo anuncia, nomeadamente a extinção da Área de Projecto, o fim do Estudo Acompanhado e — aquela que tem assumido maior dimensão e que representa maior preocupação —, o fim do par pedagógico na disciplina de Educação Visual e Tecnológica.
O PCP assistiu a aulas de Educação Visual e Tecnológica dadas por um par pedagógico e basta que os outros Srs. Deputados desta Assembleia o façam, nomeadamente os do Partido Socialista, para perceber a importância da presença de dois professores não só por causa do manuseamento dos materiais implicados mas também pelo facto de ser necessária uma atenção especial tendo em conta que se trata de tarefas criativas e da manipulação de materiais com especificidades muito próprias.
O PCP apresenta, em conjunto com esta apreciação parlamentar, um projecto de resolução que visa a cessação de vigência do Decreto-Lei n.º 18/2011, porque objectivamente, além de não existir qualquer estudo, qualquer parecer que fundamente e sustente esta opção do Governo,
existe um conjunto de pareceres negativos, nomeadamente do Conselho Nacional de Educação, onde se reitera o carácter meramente economicista destas medidas. O PCP apresenta essa proposta de revogação deste Decreto-Lei pelo simples facto de que ele não pode ser emendado de maneira avulsa, como, pelos vistos, o CDS quer fazer.
O PCP entende que é preciso revogar este Decreto-Lei e trabalhar naquilo a que se deve chamar, isso, sim, uma reorganização curricular, ponderada, discutida com a comunidade educativa, com o Conselho Nacional de Educação, com a Assembleia da República e respeitando o trabalho que a Assembleia da República também tem vindo a fazer nesta matéria, ao invés de, como o Governo quis impor, um decreto-lei feito à última hora.
Aos encerramentos de escolas, aos mega-agrupamentos vêm, agora, também os despedimentos dos professores de EVT, vêm também, como sabemos, mais despedimentos de professores — a que o Governo chama apenas não renovação de contratos, tendo em conta que já tem mais de 30 000 professores contratados — e também a organização para o próximo ano lectivo.
Cá estará o PCP para chamar à Assembleia da República esse diploma, que, juntamente com este, pode vir a representar mais de 30 000 horários sacrificados nas escolas.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Nesta minha intervenção, gostava de me dirigir também à bancada do Partido Socialista e de dizer à Sr.ª Deputada Paula Barros que irresponsabilidade é usar as escolas e a vida dos estudantes e dos professores como se fossem propriedade do Governo, sem sequer discutir, seja com quem for, apresentar aquilo a que chamou uma reorganização curricular que, na prática, pretende apenas mandar uns poucos professores para o «olho da rua».
Sr. Secretário de Estado, melhorias pedagógicas?! É que o ónus da prova, neste caso, está inteiramente do seu lado. Quais melhorias pedagógicas, Sr. Secretário de Estado? Com
menos professores, com menos financiamento, entre 10 a 15% de corte nos orçamentos para o funcionamento das escolas, com a organização do ano lectivo para 2011-2012 que aí vem, qual é a melhoria pedagógica, Sr. Secretário de Estado? Com menos um professor nas salas de EVT e mais alunos nas turmas? Não sejamos ingénuos nesta matéria. E, Sr. Secretário de Estado, não seja cínico.
Esta é uma estratégia muito clara de cumprimento de um objectivo que o Governo inscreveu no Orçamento do Estado e que o PSD votou na altura. Talvez agora se tenha apercebido de que naquele Orçamento do Estado um dos objectivos que constava era o da diminuição do número de professores já em 2011. É esse objectivo que o Governo está a querer cumprir, não por orientação para a melhoria da qualidade pedagógica, mas claramente para cumprir esse objectivo.
O PSD, felizmente, percebeu isso a tempo, pelo que saudamos a iniciativa de apoio a este agendamento do PCP. Mas, Sr. Presidente, cabe-me também — não poderia deixar de o fazer — valorizar o facto de o PCP ter agendado para hoje este debate e de ter apresentado um projecto de resolução para a cessação de vigência deste diploma. Teremos assim, devido a este agendamento do PCP, a possibilidade de amanhã saber se este processo vai ou não andar para trás e se esta fingida reorganização curricular vai ou não merecer uma rejeição
e ser rechaçada pelos votos deste Parlamento.
O PCP já anunciou a apresentação de um projecto com vista à cessação de vigência deste Decreto-Lei.
Resta-nos saber — é um desafio que não podemos deixar de reiterar — qual a posição do CDS nesta matéria, porque não pode haver meias-tintas quanto à posição dos partidos no que toca a esta chamada reorganização curricular.

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