Intervenção de

Organismos geneticamente modificados<br />Intervenção de Miguel Tiago

Senhor Presidente, Senhores Deputados, Senhoras Deputadas,   A questão ética da utilização e prática da ciência na área da engenharia genética é, sem dúvida, importante. Mas mais importante se coloca a análise do impacto a curto, médio e longo prazo, da utilização destas tecnologias. Importante será, sem dúvida, o aprofundamento do conhecimento sobre esse impacto no ambiente, no clima, na agricultura, na biodiversidade e na segurança alimentar. Importante será também criar pontes entre a ciência e seus avanços e o desenvolvimento da agricultura e da produção em geral, mas não sacrificando o futuro e sem garantias de que os caminhos trilhados o são com a precaução possível. Com a introdução dos Organismos Geneticamente Modificados (OGM´s) na agricultura, levanta-se ainda uma outra questão essencial: quem beneficia com a sua produção e comércio? Como sabemos, um OGM consiste num organismo cujo código genético foi alterado através da introdução de genes de outras espécies, conferindo características da espécie dadora à espécie receptora, expressas, então, pelo novo gene no novo organismo. Quem opera estas tecnologias são as grandes multinacionais da Engenharia Genética e da Biotecnologia, ficando assim detentoras do registo de patente do novo código genético, do código genético manipulado. Em muitos casos, são inclusivamente, detentoras da patente de um gene. Assim, o comércio das sementes destas espécies depende directa ou indirectamente dessas empresas. São esses os principais beneficiados com a massificação da utilização de OGM, até porque algumas espécies de OGM são impassíveis de gerar descendência, o que aumenta a dependência do agricultor em torno do produtor de sementes e, por consequente, aumenta a dependência portuguesa do exterior, diminuindo a nossa soberania produtiva e alimentar. O conhecimento sobre as propriedades de cada gene não é total e a quantidade de variáveis é tal que não permite estimativas com absolutas certezas sobre o impacto da utilização destas técnicas genéticas e sobre a sua posterior aplicação em grande escala. A co-existência de culturas naturais ou biológicas, entenda-se, de organismos não modificados geneticamente por manipulação do Homem com culturas de OGM coloca ainda um outro problema: o da migração genética. Em muitos casos a polinização é feita por via anemófila, através do vento. Assim, a possibilidade de migração genética entre culturas é real e seus efeitos podem ser profundamente nefastos, ainda que, de algum modo, imprevisíveis. A defesa da integridade genética das culturas naturais é, pois, determinante. Um outro problema se levanta: A influência da agricultura em grande escala é factor determinante nas alterações das propriedades dos solos que por sua vez condicionam o clima, a atmosfera, a hidrosfera e a biosfera. A utilização de OGM´s permite a utilização intensiva de pesticidas e fertilizantes de carácter persistente e de lenta biodegradação, o que pode conduzir ao esgotamento da fertilidade dos solos, tornando-os estéreis, por sua vez, áridos e com reduzida capacidade de armazenamento de água. Todos estes fenómenos convergem para a desertificação a longo prazo. Por último, referir-me-ia à segurança alimentar. O impacto que o consumo de OGM´s pode ter no quadro da alimentação de animais e seres humanos não está suficientemente ponderado, principalmente no longo-prazo. Não existem, no quadro da União Europeia, nem de Portugal, estudos que avaliem com certeza mínima o verdadeiro impacto da introdução de OGM´s na agricultura e na alimentação. Parece-nos, assim, que os critérios que levam à delimitação do espaço de separação entre culturas naturais e de OGM´s seja de duzentos metros, não são nítidos nem baseados em estudos científicos concretos, resultantes de investigação em universos controlados e representativos. Parece-nos também que não fará sentido permitir que, enquanto não forem concretizados e avaliados esses estudos, sejam cultivados OGM´s à luz de princípios de precaução que não sabemos acertados. Além disso, escusa o governo de justificar a cientificidade desta opção com o modelo dinamarquês, quando na prática, segundo o divulgado sobre o decreto-lei aprovado em Conselho de Ministros, estamos perante uma reciclagem do projecto de regulamentação do anterior governo. Perante todas as dúvidas, problemas e questões que se levantam em matéria do cultivo de OGMs, resta ainda ter em conta as características principais da agricultura portuguesa, que, permitam-nos, em pouco se assemelha à dinamarquesa. A agricultura portuguesa, como sabemos, distribuí-se em pequenas propriedades, pulverizadas pelo espaço geográfico, principalmente nas regiões centro e norte do País. Na sua maioria, os campos de cultivo são de reduzidas dimensões e encontram-se lado a lado campos de diversos proprietários. A agricultura dinamarquesa é, ao contrário da nossa, baseada essencialmente em grandes campos de cultivo, e é efectuada com recurso a alta tecnologia, sendo uma agricultura bastante desenvolvida. Porque, então, adoptar um modelo de regulamentação do cultivo de OGMs semelhante ao de um país, cujas características agrícolas não têm paralelo em Portugal? Porque não escolher o modelo seguido na Alemanha, que prevê a separação de um quilómetro entre culturas de OGM e culturas convencionais? Não afirmamos que a agricultura alemã é semelhante à portuguesa, mas que critérios presidiram então à adopção de uma legislação em vez de outra? Porque não optar pela que avança com mais precaução? Mas, perguntamo-nos ainda porque razões decide o governo avançar tão lestamente nesta matéria, porquê a pressa? Num país que tem uma mais-valia na agricultura de produtos tradicionais, que domina a pequena agricultura, qual o interesse de aligeirar um processo em que se deve avançar com a máxima precaução? Numa altura em que as próprias estruturas de produtores e agricultores questionam a necessidade do recurso ao cultivo de OGMs, o governo parece empenhado em apressar o processo. Quem será beneficiado, resta saber. Será a produção agrícola portuguesa? Os agricultores e produtores? Ou será antes o gigantesco mercado mundial, liderado pelas grandes empresas de biotecnologia, que terá mais um país à sua mercê? Ora, julgamos que, no quadro de uma agricultura característica, essencialmente baseada em pequena propriedade, dedicada a produtos tradicionais, não serão o país, os seus agricultores nem a sua economia, beneficiados com a pressa no cultivo de OGM. Pelo contrário. Portugal só teria a ganhar se se afirmasse como país livre do cultivo de OGM, valorizando as características da nossa agricultura ao invés de a desfigurar. Considerar Portugal como país livre de OGM durante o tempo necessário para que se conheçam os seus efeitos de longo prazo na agricultura e no consumo alimentar é não só prudente e adequado como pode ser um contributo para a valorização das culturas convencionais e biológicas tradicionais. Julgamos, assim, totalmente adequada a suspensão da utilização de OGM´s em agricultura, bem como a sua libertação em ambiente não controlado enquanto não for manifestamente possível estabelecer, com base em critérios científicos nítidos e explícitos, a regulamentação da sua utilização. Julgamos, pois, que antes deve o Estado tomar medidas para a criação de mecanismos que possam acompanhar o desenvolvimento e estabelecimento desses critérios. Disse

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