Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Reunião de Quadros da Organização Regional de Évora

O Orçamento do Estado que o País precisa tem de dar prioridade à solução dos problemas nacionais

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As nossas cordiais saudações a todos os camaradas presentes neste nosso Encontro Regional de Quadros do distrito de Évora.

Encerrado o ciclo eleitoral deste ano de 2019 e no seguimento do apelo do nosso Comité Central para se promoverem, por todo o Partido, espaços de análise e de debate sobre a situação actual e sobre o trabalho e a intervenção do Partido para o futuro, aqui estamos, com esse objectivo, avaliando também o caminho percorrido nestes últimos quatro anos e, naturalmente, analisar os resultados eleitorais e suas consequências imediatas na evolução da vida política nacional.

Assim, e para começar, algumas palavras de introdução ao debate que trará, certamente, importantes contribuições para o desenvolvimento do nosso trabalho e para o fortalecimento e afirmação do nosso Partido.

É inquestionável que temos hoje uma situação política diferente daquela que se apresentava há quatros anos atrás, tal como é uma evidência que os resultados eleitorais, traduzindo um quadro de relação de forças semelhante ao de 2015, configuram uma conjuntura distinta daquela que então se apresentava.

Em 2015, foi necessário assegurar a interrupção da acção de um governo e de uma política de desastre nacional e empobrecimento do povo pela brutalidade das suas políticas, com a importante decisão então tomada pelo PCP e o PEV de contribuir para uma solução institucional que fizesse corresponder à derrota imposta no plano social e eleitoral ao governo PSD/CDS a sua derrota política.

Ao contrário do que sucedeu então, agora em 2019, o governo, num escasso espaço de tempo, tomou posse, apresentou o seu programa e entrou em funções.

O quadro político institucional agora presente decorre, tal como em 2015, da arrumação de forças existente na Assembleia da República e da actividade de um governo minoritário do PS cuja permanência em funções depende no essencial, como nos últimos quatro anos sucedeu, da política que realizar e da resposta que der à solução dos problemas do País, dos trabalhadores e do povo.

Sabemos quanto se tem fantasiado e deturpado acerca de tal solução e dos seus objectivos.

Ao contrário do que se tem pretendido fazer crer, não se tratou de nenhum acordo para um governo das esquerdas ou de maioria parlamentar de esquerda, mas apenas uma solução para a criação das condições bastantes para afastar um governo que o povo havia condenado e criar as condições para defender, repor e conquistar direitos e rendimentos que haviam sido usurpados.

Clarificar isto é importante, para que não se alimentem quadros ilusórios de convergência, desligados do conteúdo concreto das políticas que devem servir os trabalhadores, o povo e o País e que estão longe de estar asseguradas, em virtude das opções políticas estruturantes que o PS mantém, como está patente no programa apresentado pelo seu governo.

Opções que mantêm os privilégios e condições de domínio dos grandes grupos económicos e do grande capital sobre a vida nacional, em detrimento da resposta aos problemas dos trabalhadores, da garantia dos direitos sociais e do desenvolvimento do conjunto da economia.

Um programa que dá prioridade ao défice e à dívida em prejuízo da capacitação da Administração Pública e dos seus serviços, que dá prioridade a visões assistencialistas em prejuízo de opções de justiça na distribuição da riqueza. Um programa que, no essencial, não só não abre perspectivas de avanços como indicia soluções de sentido negativo ou até retrocessos, nos domínios da Administração Pública, dos transportes, ambiente, creches, deficientes, poder local, da cultura, entre outros.

Um programa onde não se veem medidas ajustadas ao combate às desigualdades, mas sim a manutenção de um quadro degradado de direitos laborais.

Um programa onde não se vê a resposta que se impunha para acudir aos atrasos no desenvolvimento de infraestruturas públicas e de dinamização dos sectores produtivos nacionais.

Tal como sucedeu nos últimos quatro anos, o Partido prosseguirá a intervenção e iniciativa própria guiada pelo seu compromisso com os trabalhadores e o povo e determinada pelo seu próprio programa e projecto políticos.

De facto, o PCP não é agora, como não foi na legislatura que findou, governo ou parte de uma alegada “maioria”, mas sim força de oposição a tudo o que contrarie ou faça retroceder os interesses e direitos dos trabalhadores e do povo, e força indispensável para, com a sua iniciativa, se avançar na conquista de novos direitos.

Sim, camaradas, é este o caminho que perspectivamos, quando continuamos a ver confirmada nas opções do governo uma política submetida aos constrangimentos impostos pela União Europeia e aos dogmas impostos pelo Tratado Orçamental.

A prosseguir com a errada opção de garantir, sem olhar aos problemas do País, um excedente orçamental primário de milhões, adiando a resposta a problemas prementes como é o caso, por exemplo, dos problemas que aí estão no Serviço Nacional de Saúde onde faltam milhares de profissionais, na Educação, onde dois meses depois da abertura do ano lectivo as escolas são confrontadas com carências graves de pessoal indispensável ao seu normal funcionamento, como acontece aqui neste distrito de Évora.

O mesmo poderíamos dizer em relação às dificuldades que enfrentam outros serviços públicos com funções sociais e de soberania, como é o caso da justiça e das forças de segurança, cujos profissionais ainda ontem manifestaram o seu justo descontentamento, porque há anos que se arrastam os seus problemas, sem a resposta que se impunha.

Uma política que elege a ditadura do défice, apresentada como uma “política de contas certas”, para justificar o arrastamento da solução dos problemas do País, mas que está sempre pronta a dar cobertura aos desmandos da banca. Está aí mais uma factura de cerca de 1 150 milhões de euros para o Novo Banco!

Enquanto se desviam milhões e milhões para estes negócios ruinosos e se acumulam excedentes para salvaguardar os interesses da grande finança não se dá resposta aos problemas do desenvolvimento do País.

Neste distrito de Évora há muito se aguarda resposta aos seus inúmeros problemas nos domínios da saúde, educação, forças e serviços de segurança, da mobilidade e das infraestruturas e equipamentos, e que resolvidos fariam toda a diferença para o desenvolvimento da região.

Na saúde, com a necessária adjudicação da construção do novo Hospital Central Público do Alentejo e que assegure o financiamento em sede do Orçamento de Estado para a construção das infraestruturas e das acessibilidades ao novo Hospital. Não basta lançar primeiras pedras, é preciso garantir o investimento necessário para a sua concretização. Nas infraestruturas é o que se vê. Já lá vão oito anos que o IP 2 neste distrito continua sem conclusão. Como adiado está o investimento necessário e tão reclamado para o desenvolvimento e aproveitamento da ligação ferroviária Sines-Caia com os cais de embarque de passageiros e de mercadorias em Vendas Novas.

Na Cultura, ainda esta semana o Governo reiterou a intenção de deixar sem qualquer financiamento estruturas culturais da Região do Alentejo, pondo assumidamente em causa a sua capacidade de intervenção, de trabalho de criação artística, como é o caso do Centro Dramático de Évora, com residência artística neste espaço que nos acolhe e que apesar de considerada elegível ficou sem qualquer financiamento para os próximos 2 anos.

Uma situação inaceitável, como inaceitável é, para o PCP, que muitas outras estruturas essenciais para a criação e produção artística e para garantir o acesso à cultura de muitas populações desta Região sejam marginalizadas no financiamento das suas actividades.

É justa a sua luta e cada vez mais necessária e urgente a aprovação e concretização da iniciativa que o PCP já apresentou na Assembleia da República de forma a garantir a inscrição de 1% do Orçamento do Estado para a Cultura.

Garantem-se “contas certas” com a União Europeia, mas esquecem-se de fazer contas com o País. O governo ainda não cumpriu a sua promessa de eliminar o factor de sustentabilidade que permanece no direito dos trabalhadores das pedreiras à reforma antecipada. O PCP já apresentou na Assembleia da República esta exigência, é necessário que se cumpra.

E pelo que se vai ouvindo, o governo prepara-se também para manter praticamente congelados os salários da Administração Pública, ao tomar como referência para o aumento o valor da inflação de 2019, que rondará os 0,3%. A confirmar-se é o 11.º ano consecutivo de salários congelados.
É inaceitável!

O que se concretiza é uma política que serve a quem mais tem, aos grupos económicos e financeiros que vivem na impunidade e fazem o que querem sem olhar a meios para refinar os mecanismos de exploração dos trabalhadores e do povo, e fugir ao fisco.

Veja-se o que se passa com as comissões bancárias, são quase 9 milhões de euros por dia que os portugueses desembolsam para alimentar lucros chorudos da banca!

Veja o que se passa com os CTT, uma empresa que nunca deveria ter saído da esfera pública e há muito que se impunha ter sido revertida a sua privatização, depois das centenas de despedimentos, da venda de património, dos encerramentos de balcões, aqui no distrito são várias as estações encerradas ou esvaziadas. Tudo feito apenas a pensar no lucro accionista.

Foi prometido reabrir as estações encerradas, mas tarda o seu cumprimento com o governo a assobiar para o lado. O PCP insiste que é urgente reabrir as estações encerradas no Redondo, Arraiolos, Mora, Portel e Viana do Alentejo, tal como é necessário reconsiderar, agora que vai terminar o contrato de concessão, a retoma para o domínio público dos CTT.

Mas veja-se também o que se passa com a transferência para os offshores. Não há dinheiro para salários, mas ele sai para os paraísos fiscais aos milhares de milhões por ano – em 2018 foram quase 9 mil milhões e com eles uma quantia significativa de receita fiscal.

Os últimos quatro anos que corresponderam ao que se designou de “nova fase da vida política nacional”, não foram um tempo percorrido em vão.
Nesse período, com a intervenção decisiva do PCP, abriu-se um caminho de defesa, reposição e conquista de direitos que alguns julgavam impossível.

Mas é uma evidência que a solução dos problemas nacionais não encontra resposta na actual política que, nas suas opções mais estruturantes, não se distancia das políticas de direita do passado.

Portugal precisa de outras soluções. Precisa de um novo rumo com outra política, em ruptura com as questões nucleares da política de direita que o PS não abandonou.

Este é o grande e central combate que temos pela frente – o da afirmação e concretização de uma política alternativa capaz de libertar o País das imposições externas e assegurar o seu desenvolvimento soberano – a política patriótica e de esquerda - que defendemos e propomos ao País, sem deixar de, ao mesmo tempo, contribuir com a nossa acção e com a luta para a solução dos problemas nacionais e para a elevação das condições de vida do nosso povo, como já o estamos a fazer, honrando os compromissos assumidos com os trabalhadores e o povo.

Foi para lhe dar expressão que o PCP apresentou já na Assembleia da República um primeiro conjunto de 50 iniciativas legislativas, que correspondem a compromissos assumidos na campanha eleitoral bem como a medidas urgentes que visam a resposta a problemas mais imediatos.

Iniciativas no plano do aumento geral dos salários para todos os trabalhadores e do Salário Mínimo Nacional para os 850 euros, do combate à precariedade, da revogação das normas gravosas da legislação laboral, da criação de creches gratuitas para todas as crianças até aos 3 anos, da melhoria do Serviço Nacional de Saúde, da Escola Pública, dos transportes públicos, de uma Administração Pública dignificada, da garantia da protecção da natureza, do meio ambiente e do equilíbrio ecológico, entre muitas outras, contendo propostas de solução de problemas que urge resolver e em relação às quais nos vamos bater também para que tenham consagração no Orçamento do Estado para 2020.

Sabemos que este Orçamento do Estado para 2020, como os anteriores, é um Orçamento da responsabilidade do governo PS, determinado no essencial pelo seu programa e pelas opções que assume. O que não conduz a que o PCP prescinda de intervir, com as suas propostas e soluções, para inscrever medidas de sentido positivo.

O Orçamento do Estado que o País precisa, e pelo qual o PCP se baterá, tem de dar prioridade à solução dos problemas nacionais em detrimento da submissão a metas orçamentais desligadas da situação do País.

Exige que assuma o investimento público a níveis que rompam com os da média dos últimos anos, garantindo a resposta ao que é dirigido às infraestruturas e aos serviços públicos – com particular urgência no reforço de meios do SNS – e o destinado ao apoio aos sectores produtivos.

O Orçamento do Estado que o País precisa tem de assegurar o crescimento real das pensões de reforma e do seu poder de compra. Questão tão mais premente quanto a previsão estimada que, de acordo com Lei, o aumento para 2020 se fixará em 0,8%, o que representará para mais de 2 milhões de reformados um aumento inaceitável de cerca de 3 euros mensais. Tal como precisa de assegurar a dispensa gratuita nas Unidades de Saúde do SNS e nas farmácias dos medicamentos aos doentes crónicos e aos doentes com mais de 65 anos, e a eliminação das taxas moderadoras.

O Orçamento do Estado que o País precisa deve dar um sinal claro de uma política de justiça fiscal, nomeadamente com a redução do IVA da electricidade e do gás (natural e de botija) para os 6% e com o reforço da progressividade do IRS com desagravamento da tributação sobre os rendimentos mais baixos e intermédios.

O Orçamento do Estado que o País precisa terá que dar outros sinais em muitas outras importantes matérias. Nós cá estaremos, para com a nossa iniciativa e propostas fazer avançar direitos e respostas inadiáveis, evitar retrocessos e impedir que se ande para trás no que se alcançou.

Não se duvide, tal como noutras ocasiões, o PCP vai estar na linha da frente do combate por novos avanços, garantindo os compromissos assumidos, dando força à luta dos trabalhadores e do povo para defender direitos, para com a sua intervenção e luta combater retrocessos e contribuir para uma vida melhor.

Essa luta que será sempre determinante para tornar possíveis novos avanços e conter e impedir retrocessos.

Enfrentámos nestes últimos tempos, antes e no decorrer de todo o ciclo eleitoral, uma intensa e prolongada ofensiva política e ideológica e uma violenta e caluniosa campanha com o objectivo de cavar uma drástica erosão eleitoral da CDU e tornar o PCP uma força irrelevante na sociedade portuguesa.

Não o conseguiram!

E não o conseguiram graças à forte acção desenvolvida pelas nossas organizações e, particularmente, pela vigorosa campanha eleitoral que realizámos construída com o empenho militante dos membros do nosso Partido e dos activistas da CDU, mas igualmente à profunda ligação e enraizamento que o nosso Partido tem junto dos trabalhadores e do povo que precisamos de continuar a aprofundar, fortalecendo a militância, organizando melhor, ligando de forma sistemática e mais estreita o Partido aos trabalhadores e às massas populares, aos seus problemas, à sua luta e às suas organizações.

Foi essa capacidade de força organizada e profundamente ligada aos trabalhadores e ao povo que nos permitiu, no decurso da nossa centenária história partidária, enfrentar e ultrapassar com êxito as mais difíceis situações e chegar até aqui.

São grandes e exigentes as tarefas que a actual situação coloca ao PCP. A este necessário e indispensável Partido que se impõe reforçar, porque do seu reforço dependerá a garantia da defesa dos trabalhadores, dos interesses populares e do País.

Reforço da sua organização que é uma prioridade essencial e a chave, em articulação com a sua iniciativa e intervenção política para garantir o êxito dos combates que temos pela frente.

Por isso é necessário prosseguir a acção em curso visando a melhoria do trabalho de direcção aos vários níveis, na responsabilização de novos quadros e militantes por tarefas e responsabilidades permanentes. É necessário assegurar uma militância mais activa e mais presente nas empresas e locais de trabalho, em particular a acção 5 mil contactos com trabalhadores, enraizando ainda mais o Partido no seu seio, agindo na solução dos seus problemas e na concretização das suas aspirações e reivindicações, promovendo a sua unidade, organização e luta.

Tal como é necessário trabalhar em profundidade na dinamização da intervenção junto de camadas sociais e sectores específicos, no reforço das organizações locais, melhorar o trabalho de propaganda e imprensa do Partido, e garantir a sua independência financeira.

Foi com a organização do Partido que enfrentámos as duras batalhas que travámos, será com o reforço da organização do Partido que construiremos os caminhos do futuro, afirmando a alternativa política, patriótica e de esquerda, que o País precisa.